Como arte e educação andam juntas no Inhotim
Profissionais do Inhotim visitaram Juiz de Fora e conversaram com a Tribuna sobre o trabalho que desenvolvem no instituto, considerado um dos principais destinos turísticos do Brasil
Como a arte contemporânea, o Inhotim também estabelece diversos links. É um lugar cheio de referências e influências. Um tecido de citações. E tanto o visível quanto o invisível são motores na gigantesca engrenagem do maior centro de arte ao ar livre da América Latina. Localizado em Brumadinho, a 60km de Belo Horizonte, o instituto que reúne uma das maiores e mais robustas coleções de arte contemporânea do país possui um educativo tão arejado quanto seu projeto expositivo. “Não usamos mais o termo arte-educação, porque desde 2015 estamos trabalhando transversalmente. O departamento de arte-educação e o departamento de educação ambiental se fundiram com a gerência de inclusão e cidadania. Temos todos um educativo”, pontua Yara Castanheira, gerente de educação do lugar desde 2015.
“No último seminário internacional, fizemos uma proposta de tentar não separar o social do ambiental. Uma coisa está dentro da outra. O ambiente é o espaço onde vivemos, nosso corpo. O desafio é trabalhar transversalmente de uma forma mais holística. E isso é possível a partir dos acervos do Inhotim, que é um espaço híbrido, onde temos as coleções artística e botânica, além das histórias e memórias do lugar e da instituição. Temos uma equipe transdisciplinar com ecólogos, biólogos, artistas visuais, historiadores, engenheiros e várias outras profissões. O que nos une é a educação dialógica, que trabalha em prol da autonomia dos sujeitos, numa reflexão crítica, de colocar o sujeito como protagonista e sensibilizar para a discussão de questões contemporâneas”, acrescenta Yara, mestre em mídias, comunicação e estudos culturais com ênfase em educação pela Universidade de Kassel, na Alemanha, e pelo Instituto de Educação da Universidade de Londres.
Na sensibilização e construção de novos olhares, o Inhotim atua com diferentes projetos, dentre eles o mais antigo, Laboratório Inhotim, que começou em 2006, recebendo anualmente 30 jovens, que recebem bolsas para desenvolver pesquisas a partir do acervo. Todas as semanas eles frequentam o instituto. Tradicionalmente, esses jovens em situações de vulnerabilidade costumam ser contemplados com intercâmbios internacionais. Muitos deles já foram ao Tate Modern, para a Argentina, México, Bienal de Berlim, dentre outros espaços e eventos artísticos. Outro projeto, Escola de Cordas, envolve 70 jovens no ensino da teoria e prática musical, refletindo a vocação de bandas e corais de Brumadinho. Para a educadora Luiza Martha Verdolin, que ingressou na equipe do educativo em 2011, como estagiária, o contato com o público do entorno é essencial para o fortalecimento do instituto.
Especialista em gestão de processos educativos pela Faculdade Senac Minas e em educação ambiental, com ênfase em espaços educadores sustentáveis, pela Universidade Federal de Lavras, Luiza aponta que, mesmo localizado ao lado da capital mineira, o Inhotim tem como público majoritário moradores do Rio de Janeiro e de São Paulo, além de uma grande parcela de estrangeiros. Convidadas do projeto Encontro de Educadores do Museu de Arte Murilo Mendes este mês, Yara e Luiza visitaram Juiz de Fora na última semana e conversaram com a Tribuna sobre o trabalho que desenvolvem no instituto aberto ao público em 2006 e hoje considerado um dos principais destinos turísticos do Brasil.
Tribuna – Quais as demandas que vocês recebem hoje?
Luiza Martha Verdolin – O educativo possui várias demandas, que são divididas entre projetos. Grande parte são projetos submetidos às leis de incentivo, que normalmente trabalham com públicos específicos, como os jovens da região de Brumadinho. Eles ficam oito meses envolvidos, é um projeto de contato continuado. Mas também temos projetos que trabalham com o público espontâneo, o que faz parte da programação educativa do parque. Para os visitantes livres que queiram discutir, temos espaço de acolhimento na estação educativa, a biblioteca e visitas gratuitas com o objetivo de ampliar o olhar para esse acervo. São visitas que têm um viés um pouco mais panorâmico e também temos visitas temáticas, em que, por vezes, colocamos em pauta nossas pesquisas ou discussões que vêem pela curadoria, por nós ou pelo Ibram (Instituto Brasileiro de Museus). Também temos visitas escolares e para famílias, além das demandas das equipes internas da instituição, que vão desde a formação do nosso educativo e auxílio para a formação de outras equipes. Ainda temos projetos que atuam na formação de professores, no estado e no entorno, o que culmina na visita dos alunos desses professores.
Yara Castanheira – Esses professores vão ao Inhotim e têm uma formação lá sobre questões contemporâneas a partir dos acervos e de discussões latentes no mundo de hoje. Em alguns projetos, depois, nossos educadores vão à escola e, em seguida, os professores retornam como propositores, transformando o Inhotim em extensão da sala de aula.
Quando falam em acervo, sempre entendem a botânica e a arte?
Yara – Temos o acervo botânico, com jardins temáticos e mais de 5.000 espécies de plantas.
Luiza – Essas espécies compõem um acervo que funciona com uma lógica parecida à do acervo de arte contemporânea. É de uma forma muito natural que esses acervos são abordados conjuntamente, porque na estrutura de um jardim botânico, grande parte da coleção é exposta no paisagismo. Nos trajetos entre uma obra e outra, estamos em contato com esse acervo de plantas.
E sugerem pontos de interseção entre botânica e arte?
Luiza – Em grande parte isso acontece, até por nosso acervo artístico ser de arte contemporânea. É muito recorrente que essa abordagem apareça nos materiais ou nas pesquisas dos próprios artistas. Como trabalhamos com a mediação, consideramos as subjetividades, os anseios, para onde os diálogos caminham com os grupos. É claro que em alguns grupos a conversa se aprofunda mais na arte, em outros, na botânica. Temos flexibilidade.
Yara – Fizemos visita sobre água e gênero, por exemplo, partindo de uma pesquisa sobre essa relação, que é muito forte. Em localidades onde não há água potável, as meninas e as mulheres precisam ir em busca disso, diminuindo o número de matrículas nas escolas. Também trabalhamos com os campos de refugiados, onde os banheiros são coletivos e as mulheres ficam com medo de ir ao banheiro à noite e começam a adoecer. Levamos essas questões para a galeria da Doris Salcedo, que remete a um campo de concentração. Usamos a criatividade e fazemos conexões. Como sempre entram novas exposições, conseguimos ter novos olhares, propondo novas conexões. É possível reinventar.
Como despertam a reflexão nos visitantes a partir de obras cuja estética por si só já desperta envolvimento?
Yara – Partimos do pressuposto de que as pessoas vão, por si só, fazer uma visita, mas temos um estudo por trás disso. Há pesquisas, sentamos e pensamos na visita. Conhecemos os bastidores das galerias, que são feitas em conjunto com os artistas e depois vem o paisagismo. Queremos trazer perguntas. Não queremos responder, mas instigar, provocar.
Luiza – No dia a dia com os visitantes ouvimos relatos e sistematizamos em questionários, de que a presença do mediador faz muita diferença.
Yara No Inhotim, muitas das obras causam desconforto. De fato, entrar no espaço do Inhotim já gera um impacto. Deixamos a cidade para entrarmos em outra dimensão, que nem sempre é a do espetáculo e a romântica, mas também do desconforto. Muita gente volta para casa tocada. Como temos a oportunidade de trabalhar com jovens que vão continuamente, todos os anos, percebemos muito a transformação do olhar. Eles começam a ter perguntas para tudo.
O que mudou na fruição das obras do Inhotim ao longo dessa primeira década de existência do instituto?
Luiza – Diferentemente de muitos museus, nos quais o educativo surge depois de algum tempo de consolidação das curadorias, no Inhotim surgem a curadoria, o acervo e o educativo juntos. E a mediação precisa ser ressaltada, porque estamos entre o contexto de vida que o visitante traz consigo e o que temos a oferecer. Trabalhamos a partir disso. As galerias temporárias dão vazão a esse acervo que tem exposições montadas com propostas curatoriais que acompanham tendências e discussões, ou, até mesmo propostas de outras bienais. Existe sempre um novo recorte.
Consideram o Inhotim ainda como uma novidade?
Yara – Sinto que existe sempre um frescor. Às vezes a pessoa já foi várias vezes e sempre descobre novas coisas. Ainda tem muita gente que não foi, ou foi e viu só uma parte. Muitos têm uma ânsia de ver tudo e não conseguem. É preciso três dias para ver tudo. Justamente por ter espaços de respiro – você sai e entra num jardim, ou senta num banco do Hugo França ou senta de frente para o lago – o Inhotim dá uma fruição distinta.
Como o Inhotim se adaptou ao tempo?
Yara – Uma questão muito atual é a tecnologia, a intermediação pelas redes sociais. Até 2016 não podia tirar foto e depois que foi permitido, as pessoas compartilham muito mais, talvez tenham uma experiência mais mediada pela foto e nós começamos a usar essas mídias com os jovens.
Luiza – Até então o site era o principal ponto de acesso. E hoje a equipe de comunicação aponta que as principal fontes de contato são pelas redes sociais.
Pessoalmente têm pavilhões e trabalhos que tocam mais vocês?
Luiza – Isso acompanha alguns momentos de nossa vida. Já tive várias obras prediletas. Esse gosto acompanha transformações pessoais e profissionais. Na medida em que vamos ampliando as pesquisas e aprofundando sobre alguns temas, passamos a olhar diferente para a proposta de um artista ou para a história de outro trabalho. Pessoalmente fico muito tocada por obras sonoras.
Yara – Tem uma obra sonora da Janet Cardiff, “Forty part motet”, que é um lugar em que sempre me emociono. Num dia mais turbulento eu sempre passo lá. Também tem o vandário, que acho incrível, com aquelas orquídeas penduradas e com cores diferentes.
De que forma as recentes crises afetaram o Inhotim?
Yara Vejo que a crise é geral. A redução de equipe vem acontecendo desde muito tempo no mundo e isso aconteceu no Inhotim. Mas vejo uma potência nessa crise, porque continuamos fazendo o que já fazíamos com menos gente. Forçamos um trabalho colaborativo, otimizando recursos. Estamos no limite, lógico. De maneira geral, o impacto também está nos patrocinadores que se retiraram, mas outros vieram. É dinâmico. Falamos em crise há muito tempo, desde 2015, e ainda não saímos disso.
Como recebem as frequentes críticas ao setor cultural? Isso desestabiliza e cria desesperanças em vocês?
Yara Tenho a sensação de que a cultura é sempre atacada e o primeiro ponto de corte em crise porque é, justamente, muito fundamental. Na Semana Nacional da Ciência e Tecnologia a temática era “Ciência para redução das desigualdades”, e nós abrimos para “Cultura para redução das desigualdades”. Tenho acompanhado autores e pensadores latino-americanos que tratam essa questão vendo a cultura não apenas pelo viés positivo, mas também pelo lado negativo: são culturas de machismo, homofóbicas. A cultura não é objeto, os objetos contam narrativas. Em nosso trabalho precisamos pensar na cultura para desconstruir imaginários hegemônicos. A cultura é essencial e por isso é tão atacada. Morei na Alemanha e vi um lugar onde a cultura recebe um incentivo muito maior, desde para os museu sobre o nazismo, que não deixam ser esquecido, quanto para os cinemas de rua, que recebem investimento estatal. Fazer cultura é fazer resistência. Os museus têm papel fundamental no presente, não à toa essas recentes censuras a exposições como a do Pedro Moraleida, em Belo Horizonte, como a Queermuseu, em Porto Alegre.
Tópicos: arte