Rita Benneditto retorna a Juiz de Fora, após show público durante o carnaval
Disco da cantora é festejado por sua expressividade ao reunir religiosidade e música
“És um senhor tão bonito”, o tempo. Eixo central de “Tecnomacumba”, disco com o qual a cantora Rita Benneditto gravou seu nome na história da música popular brasileira, o tempo existe em duas perspectivas distintas no trabalho. Há o tempo que reverencia o passado, resgatando ancestrais, e o que, em sua passagem, reafirma a potência e a amplitude de um discurso. “‘Oração ao tempo’, essa linda canção de Caetano Veloso, representa a força motriz de ‘Tecnomacumba’, seu compromisso com a verdade e a atemporalidade. Sem falar na sua reflexão sobre o que somos, de onde viemos e para onde vamos. Acredito que essa verdade só pode ser reconhecida se entendermos que o tempo é o senhor de todas as horas e momentos. Ele não para e, no entanto, nunca envelhece. ‘Tecnomacumba’ resiste no tempo”, enfatiza a cantora que nesta sexta se apresenta no Circo Voador, no Rio de Janeiro, celebrando os 15 anos do disco e, no dia seguinte, sábado, 1º, viaja para Juiz de Fora, onde faz show no Cultural Bar (abertura do grupo de tambor Ingoma e encerramento por conta do Me Gusta Xagusta).
Festejado por sua expressividade ao reunir religiosidade e música, o disco de Rita marcou época e, gigante, manteve-se atual e imprescindível. “Sem dúvida existe uma Rita antes e depois do ‘Tecnomacumba'”, afirma, aos risos, a cantora. “O projeto foi além de mim e de minhas expectativas, tomou uma dimensão independente, grandiosa, mas que ainda se reflete em tudo que faço atualmente. Depois dele, fiz o CD ‘Encanto’, de 2015, como continuidade do projeto, mas apontando setas em novas direções. Atualmente, desenvolvo dois projetos paralelos, o ‘Suburbano coração’ e o ‘Zabumba Beat’, que, mesmo tendo abordagens totalmente diferentes de ‘Tecnomacumba’, carregam em sua proposta meu compromisso com a preservação da memória cultural brasileira como forma de resistência”, pontua a artista, em entrevista por e-mail à Tribuna.
Influenciadas pela macumba eletrônica de Rita Benneditto, três mulheres e músicas da cidade também enviaram perguntas à cantora sobre o álbum com repertório que vai de Jorge Ben a Dorival Caymmi, passando por Caetano e Gil, além de faixas de domínio público, como o canto “Jurema”. Na conversa com a percussionista Fabrícia Valle, a cantora Laura Jannuzzi e a integrante do grupo de tambor Táscia Souza , Rita mostra a força de sua resistência, talhada no tempo e nada mais.
Fabrícia Valle (percussionista, integrante do grupo Matilda e do Bloco Guerreiras de Clara) – Você enfrentou algum preconceito por, de alguma maneira, promover a visibilidade da matriz cultural negra através do “Tecnomacumba”?
Rita Benneditto – Olá Fabrícia! Infelizmente enfrentei e ainda enfrento preconceito com relação ao “Tecnomacumba”. Algumas portas foram fechadas, como foi o caso de algumas rádios que não quiseram tocar as músicas por causa dos pontos de terreiros nelas inseridos. Já algumas gravadoras se assustaram com o nome e a proposta quando fui apresentar a elas (risos). Mas isso nunca me intimidou, pelo contrário, me deu mais força para continuar persistindo e acreditando na ideia original do projeto. E, hoje, apesar da constante onda de intolerância e preconceito, observo que estava certa na minha escolha. O “Tecnomacumba” se afirma como uma verdadeira intervenção cultural em defesa da cultura afro-brasileira.
Laura Jannuzzi (cantora) – Após 15 anos de lançamento do “Tecnomacumba”, qual a importância política do disco, com o crescimento do conservadorismo cultural nos tempos atuais?
Oi Laura! A tua pergunta reflete bem o momento em que estamos vivendo…. O crescimento da intolerância, do preconceito e do conservadorismo, não só cultural, mas geral em nossa sociedade. O que me chama atenção é pensar que depois de 15 anos, “Tecnomacumba” permanece cada vez mais forte em sua proposta de resistência e preservação da memória musical do povo brasileiro. O país precisa redescobrir sua história, sua ancestralidade, sua estruturação como povo e buscar olhar para dentro de si com orgulho e respeito. É preciso elevar a autoestima e se afirmar como uma grande potência mundial. Acredito que essa identidade de nação se estrutura através da cultura e, nesse caso, “Tecnomacumba” permanece necessário e atual.
Táscia Souza (jornalista e integrante do grupo de tambor Ingoma) – Rita, você veio a Juiz de Fora pela primeira vez em fevereiro, como convidada especial de um show do Ingoma, e agora, de certa forma, vai se reencontrar com o grupo, que tem em comum com você, embora numa vertente mineira, essa mistura de uma ancestralidade de matriz africana com o cancioneiro popular brasileiro. Como conciliar a expressão artística com um trabalho que não deixa de ser social também, de reverência e divulgação dessas culturas tão ricas, mas contra as quais o preconceito tem, inclusive, se acirrado?
Oi, Táscia! A resposta para sua pergunta é: resistência. Na verdade, sempre vivemos com o fantasma da intolerância, do preconceito, do medo, pois nossa herança é também estruturada na dor em consequência da colonização, escravidão, ditadura e, mais que tudo, do descaso e do desamor dos governantes pelo próprio país. Cabe a nós persistir, resistir e manter viva a memória de nossos ancestrais. O Grupo Ingoma, assim como o “Tecnomacumba”, é um ponto de luz e preservação da cultura popular brasileira, através de suas iniciativas de estimular o conhecimento e a prática dessas expressões artísticas. Adorei participar do carnaval de Juiz de Fora, a convite do Grupo Ingoma. Foi um encontro mágico e cheio de axé. E, agora, fecharemos o ano com mais força e coragem para seguir adiante resistindo e vibrando a música para todos que acreditam em um mundo melhor.
RITA BENNEDITTO
Show neste sábado, 1º, às 23h, no Cultural Bar (Av. Deusdedit Salgado 3.955 – Teixeiras)