“O que mantém a essência do teatro é quem faz e acredita”, afirma Adryana Ryal

Por Marisa Loures

26/10/2021 às 08h00 - Atualizada 25/10/2021 às 22h15

Adryana Ryal lança livro com reflexões e poemas escritos durante a pandemia e publica o terceiro volume da trilogia “Cia. Teatrando tecendo histórias no teatro” – Foto de Rita Suriani

Desde que a pandemia tomou conta do mundo, Adryana Ryal, atriz e diretora teatral de Juiz de Fora, produziu, e muito. Também resistiu. Afinal de contas, era preciso conservar-se firme a fim de manter a sanidade mental e não desistir. Passou por sérios problemas de saúde. Ainda assim, aprendeu a lidar com as redes sociais, lançou live de entrevistas com artistas, organizou a Mostra INventaINCena de Artes Cênicas, fez teatro virtual, foi jurada de festivais, fez palestras, finalizou especialização, defendeu dissertação de mestrado e escreveu livros.

Publicou “Era uma vez… uma pitada de cores, imaginação e infância”, obra que traz apresentação e processo de criação e produção de três montagens da Teatrando, da qual ela é diretora, e que encerra a trilogia “Cia. Teatrando  tecendo histórias no teatro”. Lançou “Poéticas de um corpo raiz – Um corpo falante”, o qual contém poemas, reflexões e relatos nascidos durante os dias nublados de isolamento social. E também se dedicou a um livro sobre suas raízes ancestrais e que chegará às mãos dos leitores em breve. “O teatro é minha vida…/ Ele me transforma todos os dias há mais de 30 anos/ é com ele que eu ando,/  é com ele que eu respiro,/ é com ele que eu sobrevivo,/ é com ele que eu existo,/ é com ele que eu resisto,/ é com ele que eu não desisto/ é minha alavanca, minha grande força, meu gatilho…/ é o que move… minha vida”, dispara Adryana em um dos textos de “Poéticas de um corpo raiz”.

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Para adquirir o exemplar físico ou o e-book de “Poéticas de um corpo raiz” e de “Era uma vez… uma pitada de cores, imaginação e infância”, basta acessar aqui. Quem preferir, pode encomendar os exemplares físicos por meio das redes sociais da diretora teatral. Iniciada em 2017, a trilogia da companhia comandada por Adryana também é composta por “Cia. Teatrando tecendo histórias no teatro – 3 vezes drama” e “Cia. Teatrando tecendo histórias no teatro – Entre memórias, ilusões e fábulas”.

Marisa Loures – Com “Era uma vez… uma pitada de cores, imaginação e infância”, vocês encerram a trilogia “Cia. Teatrando tecendo histórias no teatro” com um volume dedicado aos espetáculos infantis da companhia. Como definir a filosofia dos espetáculos da Teatrando voltados para esse público? O que não pode faltar em um espetáculo infantil de vocês?

 Adryana Ryal – Para nós, “O era uma vez” se tornou um marco, um presente. O lançamento aconteceu, exatamente, na Bienal do Livro em Ubá. Na ocasião, não publiquei, apenas lancei. Para a Teatrando, a grande formação de público e o despertar de plateia começam na primeira infância, nos primeiros contatos com o teatro, com a leitura interpretativa, lúdica e que permite que a criança sonhe, conheça e aprenda não só sobre sua cultura, sua área, como a de tantas outras e tantos outros lugares, pessoas, países. Destaco as possibilidades infinitas do respeito às diferenças, o rompimento com preconceito e racismo e a oportunidade de ampliar o conhecimento através do teatro infantil. E, definitivamente, não pode faltar amor, respeito, e conhecimento do universo da criança e da infância.

– Como você já apontou, uma das preocupações de vocês é apresentar peças que trabalham valores com a criançada. “A vingança da bruxa”, por exemplo, traz lições sobre convívio social, amizade e justiça. Já  “Viveiro de pássaros” aborda o respeito às diferenças. Um bom espetáculo infantil precisa ir muito além do simples entretenimento?

A Cia. Teatrando vem da formação do Grupo Teatrando, que surgiu em 1990, e, já nesse período, o antigo diretor, Sebastião Alvim, deixava claro que, como morador da Zona Norte, ele sempre soube das dificuldades ao acesso à cultura, à leitura nas bibliotecas, às visitações a Museus, e também sempre soube das diferenças entre classes sociais em diversas escolas e ambientes no geral. Essa postura, enquanto diretor, deixava claro para todos os participantes o desejo de romper com as dificuldades que sempre existiram. Então, por que não fazer desta arte transformadora, que permite este romper de barreiras, que perpetua ao longo dos milênios, uma comunicação maior que somente a de entreter?  Não que entreter seja ruim, ou um ato de poucas ações, mas, no caso da Teatrando, queríamos mais. Em 2006, quando assumi a direção geral e trouxe a Teatrando para cia. e núcleo de investigação cênica, continuei com o mesmo pensamento. E, para além das personagens, que podem transitar mostrando as possibilidades de ir e vir, de poder ocupar o lugar e dar fala e realidade ao que até então era lúdico, ou seja, trabalhamos com artistas PcD, (artistas com deficiência), em contação de história, personagens que usam óculos, porque tinham miopia, protagonistas negras que, para crianças em escolas, era simplesmente mágico, porque, infelizmente, era difícil ver mocinhas, princesas e bailarinas negras que ocupassem a cena.

Era uma vez…1,2,3 – Teatrando Ludicamente” é um dos espetáculos infantis montados pela companhia capitaneada por Adryana Ryal – Todo Divulgação

– A intenção de vocês, quando iniciaram a trilogia, era que o leitor interagisse com a Teatrando e se inspirasse nos trabalhos apresentados. Com a finalização desse projeto, conseguiram o resultado esperado?

Nossa maior intenção era de poder deixar registradas as obras autorais de maneira que outros artistas e todo espectador pudesse ter contato com elas. Ao longo dos anos, em nossas apresentações, sempre ouvimos: “vocês têm esse texto impresso? Vocês me emprestam para ler? Posso montar no meu grupo?” E também esse contato com o público, a interação. Quem não quer ser inspiração? Quando estávamos próximos de completar os 10 anos como companhia, resolvemos começar a publicar as peças autorais, e isso, de certa maneira, possibilitou o maior contato com o público. E já podemos dizer que tivemos nossas obras montadas em três cidades de Minas.  As obras montadas foram “Ratinho Tatá em histórias de bonecas”, A vingança da bruxa”, “Obsessão, amor e dor”, e, mais recentemente, “Casulo das memórias resignadas”. Todas tiveram suas adaptações, e todos entraram em contato comigo, e confesso que explodi de emoção e felicidade em todos os casos.

– Para todos, a pandemia trouxe dias nublados. Para quem trabalha com as artes cênicas, não foi diferente. Como a Teatrando fez para continuar produzindo a arte que ela gosta de fazer?

Falar sobre a pandemia e falar sobre um processo presente de estado contínuo, dias nublados, tempestuosos em diversas esferas, camadas, estradas.  O próprio termo em si, que nos remete ao caos espalhado em rapidez, nos leva às nuvens escuras. A cultura foi e está sendo muito afetada, assim como vários outros setores, ao passo que muitos conseguiram se destacar rapidamente. Fato é que, até então, eu e a Teatrando em si não tínhamos pensado no que fazer em tal situação ou como produzir nela, ou em audiovisual ou de outra forma. Então, eu comecei, no final de março, uma série de lives para resgatar, e a palavra é essa, resgatar os dias em que eu estaria trabalhando, por exemplo em Festivais de Teatro. Tive que aprender a lidar com as redes sociais, como me comunicar e produzir, e o meio foi esse, live, plataforma, palestra, ensaio às escuras. Mas, dessa forma, eu confesso: nunca trabalhei tanto!

– É um momento em que o teatro deixou de ser no palco, com a presença de público, e passou para o mundo virtual. Em sua opinião, conseguiu manter a essência dessa arte concebida para o presencial?

Eu começo a dizer que este foi o grande momento de ruptura que tivemos, como já diria os grandes dramaturgos pós Segunda Guerra Mundial, quando o mundo passou pela necessidade de mudança, o que ocorre em meio às grandes catástrofes, caos e pandemias. Esse foi o momento em que os artistas, os profissionais da comunicação, puderam, realmente, mostrar como são importantes e devem ser respeitados, mesmo que muitas e muitos ainda não vejam dessa forma. Mas, sim, o palco nunca vai deixar de existir, essa é uma arte milenar, se desenvolve junto com o ser humano, se apropria de espaços físicos, fictícios, filosóficos, culturais, religiosos, ancestrais. Narra ritos que estão muito antes de nós e vai continuar muito depois de nós, essa arte está passando pelo momento de adaptação, ou melhor, já se adaptou, já aconteceu e está acontecendo em diversos lugares e maneiras, e agora vai continuar acontecendo presencial, virtual, digital, vídeo-peça, teatro-instalação, teatro whats, pós e trans pandêmico e muitas outras linguagens.  O que mantém a essência do teatro é quem faz e acredita. Eu costumo dizer que a tradição e a origem de um povo só terminam quando ele permite. É assim na arte. Enquanto ainda resistir, for resiliente o artista, a arte de interpretar, atuar, acontecer, fazer, essa essência teatral vai acontecer.

– E, durante esse período, você escreveu o livro “Poéticas de um corpo raiz – Um corpo falante”, que conta com poemas, relatos e reflexões. A escrita foi sua válvula de escape?

Literalmente, minha válvula. Escrevi sobre diversos momentos, sobre as mortes injustas, sobre o vírus, sobre o corpo em destaque, sobre o desrespeito, sobre o negro, sobre a criança morta, sobre a falta do ar, da morada, do lugar. Sobre o caminhar na areia, sobre os corpos enterrados, sobre o nosso chão, nosso esteio, sobre o dinheiro. Sobre a política devastadora, sobre a invasão da intimidade, sobre a militância de verdade, sobre a militância vazia. Sobre os programas de televisão, que não vi, mas ouvi, sobre a falta de acesso, sobre a escola virtual, a falta de preparo, sobre a maldade virtual, sobre o vil humano, disfarçado de tela, encoberto de sangue.  Escrevi sobre minhas frustações, sobre as necessidades, sobre pedidos de ajuda, sobre lágrimas derramadas, fases do luto-dilacerada. Luto que não se enterra – que paira. Sobre a falta do abraço, do sorriso, do carinho, do afeto maldito, da descoberta daquele que não interessa e não tem carinho, não se importa com o outro, não sabe o que significa… Vazio! Escrevi sobre tantas coisas, como te escrevo agora, provocada por palavras que não param, que ainda perguntam por que tanto pisar em  morte enterrada, sendo que, onde vamos plantar, é no mesmo solo que a morte está, sem caixão, cheio de vírus, de dor, no chão, onde se planta, onde se constrói, onde se anda, onde se começa de novo, cheia de corpos vazantes, na terra em que vamos plantar, morar, colher e comer. As perguntas são: “o que dessa terra vai nascer? “O que agora nós vamos comer?”. Eu comi e como palavras e planto raízes, falo ao vento dos quatro cantos, abençoe todas, todos aqueles que me permitem continuar nessa estrada.

 

“Poéticas de um corpo raiz – Um corpo falante”

Autora: Adryana Ryal

 

 

 

“Era uma vez… uma pitada de cores, imaginação e infância”

Autores: Adryana Ryal, Danyela Silvério, Tiago Fontoura

Para adquirir o e-book ou o exemplar físico, acesse aqui. Também é possível encomendar o livro físico no Instagram da Adryana Ryal: @ryaladryana

 

 

 

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Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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