Os segredos de uma professora encantada
“Minha professora encantada, tem um diário que você não leu”, afirmou o pequeno Antônio, para espanto de Lauriana, que havia acabado de devolver aos alunos os 27 livros que eles haviam emprestado a ela meses antes. A missão da docente ao pegar as publicações, naquele ano de 2017, era conhecer o que diziam esses famosos diários que se tornaram febre entre as crianças. Antônio, um devorador desses livros, continuou sustentando sua afirmação, deixando Lauriana ainda mais surpresa. “Tem sim, professora. O diário com as histórias de uma professora encantada. Queria muito saber o que lê uma professora, mas vocês só nos pedem para ler. Leem para nós, conta histórias, pedem para escrevermos e dão nota ao que escrevemos, mas nunca escrevem histórias para a gente. Por que você não escreve um livro com as histórias que leu e lê para nós? Sempre sonhei em ler um livro assim”, disparou o menino, um dos principais responsáveis pelo surgimento da série “Diário da professora Bela”, cujo primeiro volume, “Diário da professora Bela: o segredo” (46 páginas), foi lançado na última quinta-feira, no setor infantil da Biblioteca Municipal Murilo Mendes.
Por lá, a festa foi animada e diferente do que acontece em lançamentos que ocorrem por aí, pois a garotada, vestida com fantasias de diferentes personagens, não só conheceu o primeiro volume dessa aventura escrita por Lauriana Paiva e ilustrada por Júlia Maciel Itaborahy, como também curtiu o Bailinho da Professora Bela. É isso mesmo! A simpática personagem que acabou de nascer não se limita às páginas do livro não. Ela gosta de uma boa folia. E, por falar em folia, quarta-feira (27), o bailinho dela chega à cidade de Rio Novo. Na quinta (28), a festança será em Chácara.
No bate-papo do Sala de Leitura de hoje, Lauriana conta todos os detalhes desse projeto e já adianta que tem muita novidade vindo por aí. Sua nova criação, ela faz questão de enfatizar, surge a partir de situações reais vivenciadas com seus alunos do Colégio João XXIII. Aliás, inovar em sala de aula é o que essa professora mais gosta fazer. “O sonho de transformar a professora Bela em livro vem do desejo de estender o reconhecido trabalho de letramento literário desenvolvido no tocante à formação de pequenos leitores e escritores. Assim, mais do que respostas ao ‘como despertar interesse das crianças pela leitura para além da literatura de massa?’ ou ‘Como despertar interesse pelos clássicos da literatura desde a infância’- perguntas que ouço a cada novo encontro com responsáveis pelos alunos para os quais leciono, a série ‘Diário da professora Bela’ vem buscar, de forma encantadora, novos caminhos de formação literária para além da sala de aula e dos muros da escola em que trabalho”, destaca Lauriana que, de tanto surpreender a garotada, é premiada por seus trabalhos. Na conversa de hoje, vamos descobrir o que faz a professora do pequeno Antônio ser encantada aos seus olhos e aos de seus amigos.
Marisa Loures – Neste primeiro livro da série, a protagonista revela seu segredo aos leitores e conta como se tornou a professora Bela. Apresente-a:
Lauriana Paiva – Professora Bela é a personagem principal da série “Diários da professora Bela’. É uma professora encantadoramente diferente das outras. Mochileira literária, viaja pelos quatro cantos do mundo dos humanos. Na mochila, leva seu maior sonho: encontrar um lugar onde não haja uma só pessoa que desconheça o mundo das letras e das histórias. Um mundo de leitores e escritores que saibam contar suas histórias também através da escrita. Guarda um segredo capaz de explicar a fascinação que todos têm por ela e que, em seu primeiro livro, foi revelado.
– Além do lançamento do livro, quais outras ações você pretende desenvolver com o personagem?
– Sempre tive o desejo de estender de forma literária o reconhecido trabalho de letramento literário desenvolvido no tocante à formação de pequenos leitores e escritores que desenvolvo como docente. Com a criação da Professora Bela, vi a possibilidade de dar asas a esse sonho. Com essa personagem, nascerá, também, em comemoração aos meus 15 anos de docência, uma quinzena de novos projetos encantados de incentivo à leitura a serem multiplicados. O primeiro dos projetos é o Circuito de Carnaval Literário da Zona da Mata, envolvendo as cidades de Chácara e Rio Novo. Com a ideia de trazer algo encantador para os pequenos foliões leitores, as ações do Pré Carnaval literário da Professora Bela estão sendo realizadas durante o mês de fevereiro de 2019, nas escolas da rede pública municipal das cidades de Chácara e de Rio Novo, com a supervisão das respectivas secretárias de Educação: Elisabeth Peroti e Luciana Borges. Em Juiz de Fora, na Biblioteca Municipal Murilo Mendes com alunos da Escola de Escritores da Funalfa, sob coordenação da educadora e sacióloga Margaret Marinho. A proposta pauta-se no pressuposto de ampliar o acesso à Biblioteca, bem como às práticas de letramento literário, trazendo-as para mais perto da comunidade. Teremos um pré-carnaval recheado de práticas leitoras. O segundo projeto será o I Concurso Literário da Professora Bela. O objetivo é incentivar a escrita criativa, além de promover e descobrir pequenos escritores que escrevem pelo simples desejo de escreverem histórias, criando e dando vida a personagens, os quais, sem a escrita deles, jamais seriam conhecidos. Poderão inscrever-se, pequenos escritores que tenham, na data da inscrição, de 8 a 12 anos de idade. Cada autor poderá enviar apenas um texto. A participação é gratuita. Não haverá premiação pecuniária. Os pequenos escritores finalistas receberão, até o número de 50, certificado de Menção Honrosa. Os três primeiros vencedores de cada categoria, além do Certificado de Menção Honrosa, receberão medalha. Em breve, o edital será divulgado nas redes sociais da personagem, assim como os demais projetos que serão lançados ao longo de 2019.
– A professora Bela diz que suas aulas sempre foram diferentes. A cada nova história que conta, ela faz de tudo para que elas sejam especiais. Seu sonho é o de ter um lugar onde não haja uma só pessoa que desconheça o Mundo das Letras e das Histórias, um Mundo de Leitores. No dia a dia de uma sala de aula de verdade, os desafios sãos muitos. Como a Lauriana faz para formar verdadeiros leitores?
– Desde 2010, trabalho como docente dos anos iniciais do Colégio de Aplicação João XXIII. Lá, todos nossos projetos de ensino são desenvolvidos e planejados coletivamente com os docentes das disciplinas. Tive o presente de trabalhar com uma grande Educadora, a professora Liliana Mendes. E, em quase uma década de parceria juntas, desenvolvemos projetos de destaque nacional e internacional, sempre buscando olhar o mundo letrado a partir do olhar das crianças. Desenvolvemos a Biblioteca Virtual Infantil, a partir da qual desenvolvemos uma proposta pedagógica que visava ao uso social da leitura e da escrita, para além dos limites das salas de aula, e articulada ao potencial multimídia das tecnologias educacionais. Buscamos trabalhar com os alunos a partir de eventos de letramento, sendo o produto final do projeto a construção de uma Biblioteca Digital Infantil, que tem como diferencial das demais existentes o fato de o acervo ser composto por textos construídos por crianças no processo de escolarização, cuja escrita extrapola a didatização dos gêneros textuais, num processo no qual os alunos são levados a perceberem que o texto produzido por eles a ser veiculado pelo suporte digital deverá estar adequado à proposta dos gêneros discursivos a serem produzidos. Esse trabalho recebeu o prêmio Prêmio Professores do Brasil, com destaque nacional (2013) do Ministério da Educação. A partir de então, ampliamos o trabalho, construindo o projeto Ciberteca: a construção de novas redes para o mundo da imaginação”, sendo nosso colégio finalista do Prêmio Vivaleitura, em 2016, do Ministério da Cultura. Em 2017, quando percebemos que o maior sonho que tinham era de se tornarem youtubers, resolvemos acreditar no poder das histórias ouvidas e contadas bem como na possibilidade de incentivar os alunos a serem pequenos contadores de história. Foi construído um Canal no Youtube que as crianças nomearam de “Clubinho de Históri@s”. Lá, os pequenos contadores de histórias compartilhavam seus repertórios de histórias e suas práticas leitoras para além do espaço da sala de aula. Esse trabalho recebeu, em 2018, Menção Reconhecimento do Prêmio Ricardo Oiticica Cátedra de Leitura da Unesco. Em 2019, irei ao México, recebe ruma Menção Honrosa no Prêmio ILCE para práticas de ensino inovadoras na Ibero-América e no Caribe, pelo trabalho “Recreio com Leitur@”. É a primeira vez que o nosso país é laureado nesse concurso. Este trabalho, eu e Liliana desenvolvemos juntamente com Renan Costa da Silva (bolsista de treinamento profissional no projeto). Além desses projetos, desenvolvemos o I Intercambio Literário da Zona da Mata entre alunos do C.A. João XXIII e da escola Francisca Gomide da rede Municipal de Rio Novo. Um pouquinho desse trabalho pode ser conferido na exposição, cuja curadoria é feita com muita competência pela professora Renata Caetano. A visitação está aberta na galeria Professor Edson Pável Bastos, no C.A. João XXIII, até próximo dia 15 de março. Fica o convite.
“Busco trabalhar todos os sentidos ao possibilitar viagens literárias com as crianças, trazendo cheiros, sabores, odores presentes nas histórias trabalhadas, seja nas historias no suporte digital ou nas histórias com suporte impresso.”
– Como é trabalhar com livro e literatura nestes tempos ansiosos e imediatistas, quando as crianças estão encantadas com as possibilidades do virtual?
– Os livros digitais estão cada vez mais ganhando espaço. Acho que são formas diferentes de ler, são letramentos diferentes. Ler um livro impresso não é a mesma coisa que ler um livro digital, um não é pior nem melhor, exigem competências leitoras específicas. O processo de leitura de rolar a tela para mudar a página é bem diferente de virar a página. Mas o encantamento do livro impresso, o cheiro do livro e seus mistérios não irão se perder. Por isso, busco trabalhar todos os sentidos ao possibilitar viagens literárias com as crianças, trazendo cheiros, sabores, odores presentes nas histórias trabalhadas, seja nas historias no suporte digital ou nas histórias com suporte impresso.
“Degustadora de histórias, acredito que ter contato com a leitura deveria ser um direito de todos desde os primeiros sinais de vida.”
– Infelizmente, existem professores que não pegaram um livro para ler. Talvez, por terem tido uma infância sem livros. Num cenário como esse, torna-se difícil contagiar o aluno. Como a literatura foi apresentada a você? Suas referências são os clássicos citados no primeiro livro da professora Bela? Eles foram indispensáveis para a sua formação leitora?
– Eu aprendi a ler aos 6 anos, e a primeira a escutar as histórias que lia é minha querida avó paterna, a vó Nita, que ensinou Lauriana a ler as injustiças do mundo, sem conhecer ao menos uma letra do Mundo Letrado. Sempre tive grande amizade com livros, embora em minha infância tive apenas um para chamar de meu! Por isso, adorava frequentar as bibliotecas e viajar pelas histórias emprestadas. Quando pequena, sonhava em ter uma biblioteca só para mim. Hoje, adulta, com este sonho realizado, descobri que as histórias, uma vez escritas, não têm não podem ser aprisionadas como propriedade particular. Assim, meu acervo literário vive emprestado para que amigos também vivenciem a experiência de viajar sem sair do lugar. Hoje com meus filhos, Letícia e Nicolas, o prazer pela leitura deleite ganhou novos sentidos para minha vida. Degustadora de histórias, acredito que ter contato com a leitura deveria ser um direito de todos desde os primeiros sinais de vida. O prazer pela literatura, desenvolvi no saudoso curso de Magistério do Colégio de Aplicação João XXIII, na década de 1990. Quando me preparava para ser professora, tive grandes professores letrados literariamente que me possibilitam viajar o mundo pelas histórias clássicas da literatura infantil, compreender as histórias e trajetória dos escritores clássicos. O momento histórico social de construção das histórias foi fundamental para minha formação como leitora e também como educadora formadora de leitores e pequenos escritores.
– Você pensou na responsabilidade que tem ao escrever para pessoas ainda em formação? Isso pesou na hora de criar?
– Sinceramente, não escrevi pensando num leitor, acho que isso deixou a obra rica. Meus primeiros leitores, antes mesmo de decidir publicar o material, questionavam-me qual seria meu público leitor, pois é uma obra que, perfeitamente, pode ser trabalhada em cursos de formação de professores e de contadores de histórias, haja vista a riqueza literária. Passei muito tempo endurecida pela escrita acadêmica, embora só tenha conseguindo achar o tom de construção, tanto de minha dissertação de mestrado quanto da tese de doutorado, quando consegui dialogar com a literatura. Quando meus filhos me pediam histórias para dormir, passei a sentir a necessidade de escrever. Foi como se, adormecidas em algum cantinho da alma, as histórias estivessem desabrochando em mim após a maternidade. Redescobri que gostava de escrever histórias e passei a me deliciar com as historias inventadas para fazê-los adormecer depois de mais um dia de intensas atividades. A maternidade foi uma experiência fundamental para começar a escrever livros para crianças. Nasceu uma mãe, nasceu uma escritora infanto-juvenil. Precisava escrever e escrever para aliviar o coração e aquecer a alma nos intervalos entre ser mãe, esposa, filha, professora, amiga, dona de casa e tantas outras funções assumidas pela nova mulher contemporânea. Após cerca de dois anos de trabalhos nos intervalos, lendo histórias nos momentos de leitura deleite com meus alunos e para meus filhos e, depois de muita insistência das pessoas ao meu redor, deixei que elas ganhassem vida para além do universo particular da minha sala de aula, da minha casa ou das suas moradas nas gavetas do meu escritório de trabalho, ou perdidas em alguma pasta do meu notebook.
– Como professora, como você vê a importância dos livros didáticos e qual o diferencial que eles deveriam ter ou poderiam ter para capturarem as crianças?
– Para mim, livros didáticos são apêndices. Sempre construí meus materiais. No C.A. João XXIII, em especial,construímos nosso material para os projetos pedagógicos de ensino e de aprendizagem que desenvolvemos. Na maioria das vezes, construímos a partir do diálogo com obras literárias. Trabalhamos tendo a leitura, especialmente a literária, como eixo interdisciplinar na estruturação do trabalho.
– Você relata no livro que seus alunos, juntamente com seus filhos, Nicolas e Letícia, te permitiram ser uma criança temporona ao dividirem com você a magia dos seus sonhos encantadores de criança. Para você, como a literatura infantil pode ajudar a despertar esse olhar da infância em todos nós?
– A viagem pelo mundo da literatura nos faz reencontrarmos com a criança adormecida em nós, acredito nisso, quando nos permitimos olhar o mundo com olhos das crianças. Todos nós, adultos, temos nossos medos, nossas florestas escuras. Acredito que a literatura infantil tem uma importância impar para a formação de valores para a vida, não só na infância.
– Nos livros infantis, as ilustrações têm um papel superimportante. No seu, em especial, o trabalho da Júlia Maciel Itaborahy chama atenção, porque ele dialoga perfeitamente com seu texto. Como foi o processo de construção das imagens? Você tem algum receio de que as figuras possam duelar com o texto?
– A parceira com a Júlia foi um presente. Como professora, avaliamos muitos livros de literatura e didáticos para trabalho com alunos. Em muitos, percebemos que as ilustrações são apêndices das histórias, às vezes nem dialogam com a mesma, e isso eu não queria. Queria algo mágico e encantador para as crianças. Júlia entendeu isso logo em nossas primeiras conversas. Fez um lindo trabalho, deu vida à professora Bela, construindo, realmente, outra obra. Fico muito feliz com as possibilidades de encantamento e magia possibilitadas pelo texto que construí. Júlia leu a história, disse-me que havia gostado muito e aceitou ilustrá-la. Em poucos dias, me enviou o primeiro estudo da personagem. A Professora Bela já estava criada. Acho que as imagens não duelam com o texto, eles se complementam ao mesmo tempo em que se completam em alguns momentos, e, neste dialogo, quem ganha são os leitores tanto com a riqueza literária, quanto com a riqueza das ilustrações. Foi tão enriquecedora esta parceria que, em breve, será lançada uma exposição, na qual, tanto o processo de construção da série/texto quanto da personagem e imagens, estará em cartaz. Aguardem! Muitas novidades estão a caminho!
Sala de Leitura – Toda quinta-feira, às 9h40, na Rádio CBN Juiz de Fora (AM 1010).
“Diário da professora Bela: o segredo”
Autora: Lauriana Paiva
46 páginas
Bailinho da Professora Bela
Quarta-feira (27 de fevereiro), em Rio Novo. Quinta-feira (28 de fevereiro), às 14h, em Chácara.
Trecho do livro “Diário da professora Bela: o segredo”
Por Lauriana Paiva
“Primavera de 2019.
Amigos de papel,
Não poderia começar nossa amizade sem revelar meu maior segredo. Antes de narrar como me tornei a Professora Bela, preciso me apresentar: fui uma fadinha da leitura, que vivia no Mundo das Belas Histórias.
Isso mesmo! Venho da linhagem das Fadas dos Sonhos Literários. Por isso, carrego em minhas asas – invisíveis aos humanos – os sonhos bons e as histórias de amigos e pessoas amadas.”