Uma Conversa de Vó que é um encanto
Conheci, na semana passada, o projeto “Conversa de vó”, uma iniciativa superbacana desenvolvida pela jornalista e publicitária, mineira de Guarani, mas radicada em Belo Horizonte, Natália Dornellas. Toda semana, ela faz uma visita virtual a personagens de todo o Brasil, mas também de outras partes do mundo (é por meio dela, por exemplo, que fui apresentada à “aVLógger” portuguesa Fernandinha, uma estrela de 84 anos). Dá gosto acompanhar essa “Conversa de vó”, pois vemos senhorinhas contando histórias para lá de inspiradoras. Esses bate-papos, que às vezes terminam com um convite feito pela avó para um encontro presencial no pós-pandemia, chegam até a gente por meio de lives no Instagram (@nataliadornellas), mas também em forma de textos publicados no blog nataliadornellas.com.br e no portal da revista Claudia, onde a jornalista assina uma coluna semanal.
As primeiras conversas, segundo Natália, foram realizadas com influenciadoras maduras. Isso aconteceu no segundo semestre de 2020. Contudo, foi observando mulheres simples, sem qualquer presença digital, que a jornalista entendeu, realmente, quem seriam as suas avós. Será o que elas têm de tão especial que arrebatou o coração dessa mineira?
“Sou uma jornalista que se formou, primeiramente, em publicidade, isso faz de mim um pouco estratégica, mas só um pouco mesmo, por isso, no começo, eu pensava muito nos números, e falar com pessoas já conhecidas, obviamente, seria mais interessante, na medida em que eu vivo do meu trabalho no Instagram e seus desdobramentos e preciso de patrocinadores e parceiros que se pautam em números para decidir que projetos vão apoiar, mas, na primeira conversa que tive com uma avó que nunca usou nem o WhatsApp, a dona Maria José, de 90 anos, percebi que me encantava mesmo era por saber que ela morava numa casa que foi construída na volta do pé de jabuticaba e que o sorriso dela ao contar que fugia da vaca na estrada para ir para escola era a melhor coisa que eu veria nos próximos dias. Essas avós que poderiam ser de qualquer pessoa são o nosso link com nosso passado, e eu entendi que aquilo era precioso para mim e para meus seguidores também, pois a resposta que se tem nas redes sociais é muito imediata”, comenta ela, que descobriu o universo da longevidade cuidando do pai.
Seu Adelair Toledo Dornellas era portador de degeneração corticobasal, e Natália tornou-se, literalmente, “A Mãe do Pai”, nome do projeto que ela criou para compartilhar, em seu blog e no Instagram, o dia a dia ao lado dele. Com a morte de seu Adelair, em outubro de 2019, a iniciativa deixou de existir, mas Natália já estava encantada pelos velhos e decidiu desenvolver o “Conversa de vó”. Ao que tudo indica, essa conversa vai longe, pode ganhar até um braço social. Natália está conquistando várias avós e vários avôs por aí e vai ter que ter fôlego e espaço na agenda para visitá-los quando a pandemia deixar.
Marisa Loures – Foi cuidando do seu pai, que era portador de degeneração corticobasal, que você descobriu o universo da longevidade, criando, assim, o projeto “A Mãe do Pai”. Conte-nos como era o projeto. E por que decidiu compartilhar com o público a experiência no enfrentamento a essa doença tão devastadora?
Natália Dornellas – Como a maioria das coisas que faço na vida, inclusive na profissional, o projeto “A Mãe do Pai” não foi planejado, eu simplesmente deixei fluir. Tinha desacelerado minha carreira para ajudar a gerir a nova vida do meu pai, que antes morava em Guarani, na Zona da Mata, e foi para BH comigo, e senti vontade de “falar” disso. Na época, estava sem fazer psicanálise e, como tenho muito mais facilidade para escrever do que para desabafar, contar nossas pequenas aventuras foi uma maneira que encontrei para encarar esse desafio de ver meu porto seguro perder sua autonomia e sua vivacidade. Os textinhos que eram curtinhos, como um tweet, saíam facilmente, sempre à noite, quando eu fechava um dia cheio de desafios, e iam para o Instagram, que virou o meu veículo de comunicação desde que deixei a grande imprensa em 2015.
– Transferir-se do papel de filha para, literalmente, o papel de a mãe do pai não é fácil. De onde tirava forças para dar conta de momentos de tanta dor? Quais artifícios você utilizava?
– A nossa força sempre foi o humor. Digo a nossa porque a minha família materna, infelizmente, carrega o traço genético da ELA, e minha mãe e avó terminaram suas vidas em cadeira de rodas, mas a gente sempre lidou com isso com leveza, dentro do possível, claro. Meu pai sempre foi divertido, cuidou de minha mãe exemplarmente e, assim como ela, tinha ótimas tiradas, desde que eu me entendi por gente. Na sua velhice, não foi diferente, ele ficou ainda mais divertido, falava pouco, mas, quando abria a boca, era sempre algo que merecia ser anotado, e eu anotava. Descobri que o humor poderia acalmar a dor e, em pouco tempo, eu já não sofria muito. Consegui entender que nós dois precisávamos daquele tempo juntos e que era muito privilegiada de poder parar tudo para cuidar dele, sair do home office no meio da manhã para vê-lo e desmarcar uma reunião porque ele me pediu para buscar um chocolate no meio da tarde. De verdade, não me sentia coitadinha, eu me sentia foda.
– E foi essa experiência vivida com seu pai que a fez descobrir o universo da longevidade. Hoje você se dedica ao “Conversa de vó”, uma visita virtual a personagens de todo o Brasil, mas também de várias partes do mundo. De que maneira essas conversas chegam até o público? O que você mais tem aprendido nesses encontros semanais com as avós?
– O “Conversa de vó” é um desdobramento do “Mãe do Pai” na medida em que eu não consegui continuar com o primeiro sem o seu muso inspirador. Com a morte do meu pai, em outubro de 2019, não via sentido em continuar a escrever sobre a gente, embora tivesse, inclusive, a proposta de uma editora para fazer um livro. Cheguei a catalogar os posts e começar a escrever textos que ligam uns aos outros, mas, sem meu pai, eu já não era mais “a mãe do pai” e, ao mesmo tempo, já não podia mais voltar para onde estava profissionalmente (a moda, o estilo de vida). Para passar para o outro lado da ponte, foi essencial ter iniciado, antes de sua partida, o projeto “De 80 a 100”, com o qual, ao lado do fotógrafo Fernando Lutterbach e sua esposa, a jornalista Carol Godoi, e do videomaker Júnior Reis, vínhamos visitando idosos entre essas duas idades (80 e 100) para fazer uma exposição e um minidoc. Quando estávamos na 12ª personagem do total de 21, a pandemia chegou e resolvi telefonar para algumas das que já havia entrevistado para saber como andavam. Dali para a live, no Instagram, foi um pulo. A primeira live teste aconteceu em julho de 2020 e de lá para cá eu não parei de fazer. As lives ficam no IGTV, também na rede social de compartilhamento de fotos, e muitas dessas histórias vão para o meu blog (nataliadornellas.com.br) e também viram colunas no portal da revista Claudia, onde tenho uma coluna com dois posts semanais. Quanto aos aprendizados, eles são muitos, a começar pela escuta. Sempre deixei que falassem comigo, mas hoje estou mesmo uma melhor ouvinte. Por mais que esse idoso tenha família e cuidados, ele normalmente tem vontade de conversar, de contar aquele caso que todos que convivem com ele já sabem, e eu estou lá para ouvir e deixar mais gente ainda saber, embora eu ache que eles não têm muita noção de quantas pessoas poderão ser atingidas. Nossa, é difícil mesmo listar os aprendizados porque cada um daqueles personagens é uma imensa biblioteca de saberes. Eu aprendo de receita de bolinho de chuva a orações, e são tantas frases e falas que eu venho coletando e transformando em posts de quotes que têm feito um sucesso danado. Dona Inesinha, que ainda não foi entrevistada, mas já tive o prazer de visitar quando a pandemia parecia melhor controlada, mora na roça, em Rio Pomba, e me disse assim: “Quando isso passar, vamos passear. Nós vamos feito formiga, cortando esses caminhos”. Tem alguma coisa melhor que isso?
– Como muitas das avós com as quais você tem contato não estão nas redes, algumas histórias chegam através de familiares. Aliás, você fez, na semana, uma “Live das netas”. E isso mostra que as pessoas querem falar com você sobre seus avós. Já parou para pensar por que isso está acontecendo?
– Confesso que não parei para pensar por que as pessoas querem me contar de suas avós ou mães. Sempre falo no feminino porque os personagens homens são muito mais raros. Acho mesmo que é orgulho, sabe? Particularmente, penso que é um luxo ter avós e pais vivos, já não tenho mais os meus, e o lugar do qual tenho mais saudade na vida é a casa da vó Edith, mãe de minha mãe, que, infelizmente, não existe mais. Ter avós para mim é uma ostentação maior que viajar de primeira classe e vejo que muitas pessoas sabem disso, mas talvez não tivessem para quem contar, até conhecerem o “Conversa” e me seguirem no Instagram.
– E como é a sua relação com as famílias dessas avós? Seu contato com essas mulheres e com seus familiares termina depois que a história é contada?
– Cada conversa é um laço, depois da live, ou da matéria para a coluna na Cláudia, eu fico louca para manter contato com as famílias, mas nem sempre consigo. Hoje trabalho só, sem nenhum assistente como sempre tive, e por isso tenho dificuldades de administrar meu tempo para estar mais presente na vida das minhas entrevistadas e suas netas e filhas, mas há algumas vantagens em ter um WhatsApp (ele muitas vezes me deixa louca) e poder mandar um “oi” que seja, de vez em quando.
– Os idosos são os que mais sofrem com o isolamento social por causa da pandemia. Às vezes, distantes de familiares, sem poder sair de casa por fazerem parte do principal grupo de risco, muitos estão tendo reflexos na saúde mental. Uma atitude simples, como participar de uma “Conversa de vó”, pode ser uma boa ajuda neste momento? Elas e eles querem uma boa conversa?
– Acho que uma boa conversa todos querem, inclusive avós e avôs. Meu pai amava conversar até com gente que nunca tinha visto, o que atrapalha um pouco é a interação com o Instagram, mas, sem ele, eu não teria feito o projeto. Eu sempre recebo alguns retornos de familiares dos meus convidados, e a maioria conta que a conversa os deixou mais alegres, deu um up mesmo na autoestima, pois muitos não acham que suas histórias de vida possam ser preciosas para quem não é da família.
– E por que é importante que nós conheçamos essas histórias de vó?
– Conhecer as histórias de avós e avôs é conhecer um pouco de nós mesmos, eu acho. Uma vez, alguém disse que ouvir e ver os vídeos do projeto era ansiolítico. Os nossos velhos têm um tempo que é só de quem já sabe que dá tempo para tudo, além disso, carregam conhecimentos que só a janela da vida traz, e suas vozes passam uma tranquilidade que pode mudar o dia de alguém. Ah, eu sou muito encantada para falar disso com precisão…
– Sei que todas as avós com as quais você conversou são especiais, tem lindas histórias de vida e muita lição a nos ensinar. Mas gostaria que elegesse uma dessas histórias de vó que ouviu e que nunca mais vai esquecer e compartilhasse conosco.
– Acho que as coisas que mais me marcam são as que me atravessam pessoalmente mesmo. Tenho várias coisas em mim que gostaria de mudar, melhorar, e, quando conversei com a avó Fernanda, lá de Portugal, ela me disse uma coisa que a ciência já vem falando (sobre neuroplasticidade), mas em suas palavras de mulher que viveu 84 anos. Muito alegre e comunicativa, eu recomendo muito a nossa live, ela me disse que nem sempre foi assim, que, na juventude, ela era “um pão sem sal’ e que optou por essa alegria e carisma que carrega hoje. Ela pivotou a vida e virou essa mulher que hoje todos querem ter por perto, acho isso muito sensacional.
– Sei que sua intenção é fazer o “Conversa de vó” crescer, criar um braço social para ajudar os avôs e avós. Conte-me quais são seus planos. O que você sonha para esse projeto?
– Meu primeiro sonho, claro, é que a vacina chegue a todos e eu possa fazer uma grande viagem para visitar todos os que já tive oportunidade de conversar – não gosto muito de chamar o que faço de entrevista, pois é muito solto. Não faço ideia de quando isso será possível e acho que vai demorar, mas, conseguindo isso, eu posso fazer algumas entrevistas “in loco” e ficar menos dependente do Instagram e do WiFi também. Já me perguntaram de livro e – por que não? – uma série para streaming ou YouTube, mas, neste momento, eu só quero conversar com elas e eles e dar envergadura para essa história e fazer com que mais gente saiba que seus patriarcas e matriarcas são preciosos. Um segundo sonho é poder viabilizar os desejos e necessidades de alguns deles, pois muitos precisam de cuidados médicos, melhores condições de moradia e também têm seus sonhos, mas para isso preciso atingir gente grande que possa ajudar a custear ou formar uma rede de pessoas que queiram e possam ajudar. Chegaremos lá.
Sala de Leitura – toda sexta-feira, às 11h35, na Rádio CBN Juiz de Fora (FM 91,30)