Milton Hatoum: “Se for para escolher um tema, prefiro falar de literatura. A política me amargura muito”

Por Marisa Loures

17/09/2019 às 12h19 - Atualizada 17/09/2019 às 17h02

 

Homenageado do Festival de Literaura de São João del Rei, Milton Hatoum passa pela cidade histórica dias 18 e 19 deste mês e se prepara para lançar o livro “Pontos de fuga”, em novembro – Foto Victor Affaro/Época

Há pouco mais de quatro anos, o amazonense Milton Hatoum debruçava-se sobre uma nova trilogia – “O lado mais sombrio” – quando disse, em entrevista para a Folha de S. Paulo, que o essencial de toda sua experiência estaria naqueles livros se viesse a publicá-los. Declarou, ainda, que estava se preparando para não escrever mais e que, depois deles, talvez, não tivesse mais nada a dizer. O primeiro título – “A noite da espera” – foi publicado em 2017. O segundo – “Pontos de fuga” – já vai ser lançado em novembro deste ano. E o escritor, autor do aclamadíssimo “Dois irmãos”, felizmente, não pensa em parar. Ele, inclusive, é o homenageado da edição 2019 do Felit – Festival de Literatura de São João del Rei, que acontece até o dia 22 de setembro, e é esperado na cidade histórica para participar de mesas de debates nos dias 18 e 19.

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“Falei aquilo num susto, porque, às vezes, a gente fala as coisas e, dependendo até do gesto das mãos, da cabeça, do olhar… Estava muito cansado naquela entrevista. Aí eu disse: ‘ah, depois dessa trilogia, serão quase 1000 páginas, vou dar um tempo, vou parar um pouco’. Mas, agora mesmo, no ano passado, surgiram tantas ideias. O passado, na verdade, é quase inesgotável. Se você espremê-lo com força, sai muita coisa. E eu dependo muito da minha experiência de vida para escrever meus romances e contos, e até crônicas. Então, hoje, não poderia afirmar que, depois dessa trilogia, vou parar de escrever. Acho que não, acho que sempre há alguma coisa para se dizer”, dispara ele, sem medo, contudo, de paralisar sua pena, caso seja necessário.

“Agora, se não houver nada a dizer, também paro, porque é um ato de coragem você parar. Talvez mais corajoso do que escrever qualquer coisa. Acho que sempre escrevi o que senti profundamente como uma questão a ser transfigurada pela linguagem. Se essa questão não for verdadeira dentro de mim, não vale a pena escrever, pegar um tema qualquer na internet, ou nas notícias de jornal, e escrever. Não seria capaz de fazer isso, porque tudo o que eu escrevi está profundamente ligado à minha vida e com as minhas leituras, é claro”, afirma o escritor, conhecido por eternizar sua Manaus em suas obras.

A propósito, Hatoum vem denunciando as atrocidades cometidas com sua terra desde os anos 1970, e, nos últimos dias, lamentou a devastação da Amazônia escrevendo o poema “O fim que se aproxima”. “Amazonas: mito grego/ menos antigo que os mitos da Amazônia./ Os que vivem no cosmo há milênios/ são perseguidos por mãos de ganância,/ olhos ávidos: minérios, fogo, serragem, fim./ Quem são vocês,/ incendiários desde sempre,/ ferozes construtores de ruínas?”.

A conversa que tivemos para esta edição e para a entrevista que vai ao ar na rádio CBN Juiz de Fora, no próximo sábado, transcorreu em cerca de 30 minutos. Hatoum lamentou a destruição da Amazônia e falou sobre sua vida e obra. Aos 67 anos, comemora a homenagem que está recebendo no Felit e avisa que quer falar sobre literatura. Se depender dele, política não entra na pauta de discussão.

Marisa Loures – Você é amazonense. Viveu lá até a adolescência. Seus romances falam sobre Manaus.  Aliás, você escreveu um poema, nos últimos dias, intitulado “O fim que se aproxima”, denunciando a devastação da sua terra. Para quem sempre alertou sobre as atrocidades cometidas naquela região,  o que acontece lá soa como uma tragédia já anunciada?

Milton Hatoum – Infelizmente, a devastação da Amazônia não começou nos últimos anos. Na verdade, a devastação, com mais intensidade, começou na década de 1970, quando grandes áreas da floresta foram queimadas, e isso em pleno Regime Militar. E até foi filmada uma cena do primeiro grande incêndio da floresta pelo cineasta Jorge Bodanzky, no filme Iracema – uma transa amazônica”. E essa devastação nunca mais parou. Dos anos 70 para cá, com maior ou menor intensidade, isso tem acontecido. E não só a queima da floresta, mas também a questão da mineração. Isso é lamentável, porque o Brasil não quer conhecer a riqueza da floresta. Há alternativas econômicas para a exploração da Amazônia, e essas alternativas não passam por questões de gado, plantação de soja ou pela exploração de madeira e minérios. Há, por exemplo, milhares de espécies de peixes e frutas. Isso parece que é totalmente negligenciado pelas autoridades. Não só federais, mas também governos regionais. Eu me lembro que, em 1978, publiquei um livrinho chamado “Amazonas, palavras e imagens de um rio entre ruínas”, e eu já falava sobre essa devastação. Quer dizer, quem estava ligado na Amazônia, quem era de lá, quem já tinha algum conhecimento dessa região, já sabia que essa devastação seria difícil de ser freada. É lamentável, porque não é uma questão só de ser um patrimônio do planeta. A queima da floresta vai prejudicar os agricultores do sudeste, do sul, do Brasil todo. E tanto isso é verdade que vários representantes do agronegócio estão verdadeiramente preocupados com isso. Nossa exportação será prejudicada. Há uma consciência planetária ecológica que as pessoas não estão levando em consideração, e o que é mais lamentável nisso tudo é a invasão de terras indígenas. Os indígenas são os que mais conservam a natureza, porque a vida deles é inseparável dela. Os alimentos, uma relação simbólica com a natureza. Toda a cosmogonia dos mitos indígenas. Os indígenas e os caboclos ribeirinhos não queimam grandes áreas da floresta, eles queimam pequenas partes para fazer um assado, para plantar. Agricultura de sobrevivência. Então, vai prejudicar a economia do país e também o nosso simbolismo, o simbolismo que a Amazônia representa. E o Cerrado também, e a Mata Atlântica, todos os biomas. É uma tragédia tudo isso.

– Em uma entrevista para o jornal O globo, de 31 de agosto deste ano, você disse que, hoje, o grande livro sobre a Amazônia é o do Davi Kopenawa (com Bruce Albert), “A queda do céu”. Qual é a Amazônia que esse livro traz que outras obras já publicadas não trouxeram?

Esse livro foi feito ao longo de mais de 20 anos. O antropólogo francês Bruce Albert fala a língua dos yanomami, conviveu com eles durante décadas e traduziu, com eles, durante todo esse tempo, as narrativas orais do Davi Kopenawa. É um livro de uma ambição incrível, porque fala de tudo. Fala das origens dos yanomami, da mitologia, da cosmogonia, fala dos inúmeros embates contra a invasão das terras yanomami. Ele tem uma perspectiva antropológica, histórica, de confissão pessoal, da tragédia dessa “queda do céu”, que é uma metáfora ao mundo que está desabando em torno deles, que é fantástica. Não havia nada parecido antes. Inclusive, tem um prefácio maravilhoso do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, que fala muito da importância desse livro. Alguns dizem, e eu concordo, que, do ponto de vista da importância da representação da região, ele tem algo parecido com “Grande sertão: veredas”. Claro que não é uma ficção. Então, para entender essa importância da cultura indígena, da cultura amazônica, que é profundamente indígena, acho que as pessoas deveriam lê-lo. Até pensei que uma edição mais concisa dele fosse fundamental para professores e estudantes do Ensino Médio, por exemplo, porque falta para a gente, na grade curricular, a disciplina socioambiental. Não podemos desprezar a natureza. Nós fazemos parte dela.

“Por coincidência, houve essa guinada na vida política brasileira e coincidiu de os livros, mais ainda o segundo, que se chama “Pontos de fuga” e será lançado em novembro, ter uma relevância com o que está acontecendo hoje. O segundo volume parece ainda mais atual, porque toda a brutalidade daquela época parece que ecoa de modo bastante forte nos dias de hoje, porque muita coisa que estamos sofrendo vem daquela época. A própria devastação da Amazônia, a decadência do ensino público, que foi abandonado, as nossas cidades que foram mal planejadas, tudo isso é decorrência daquele período não democrático”

– Em 2017, você publicou “A noite da espera”, o primeiro livro da trilogia “O lugar mais sombrio”. A Ditadura Militar já aparecia em outras obras suas. E, agora, ela é tema desse seu novo trabalho. O momento político brasileiro tem responsabilidade nessa sua decisão de voltar a falar sobre os anos de chumbo?

Foi uma infeliz coincidência, eu diria. Comecei essa trilogia há mais de 10 anos, no final de 2007, início de 2008, quando terminei a novela “Órfãos do eldorado”. E a minha ideia era reconstruir, simbolicamente também, e um pouco com sentido histórico , a vida de um grupo de estudantes muito jovens em Brasília e depois em São Paulo. São os dois primeiros volumes da trilogia. Por coincidência, houve essa guinada na vida política brasileira e coincidiu de os livros, mais ainda o segundo, que se chama “Pontos de fuga” e será lançado em novembro, ter uma relevância com o que está acontecendo hoje. O segundo volume parece ainda mais atual, porque toda a brutalidade daquela época parece que ecoa de modo bastante forte nos dias de hoje, porque muita coisa que estamos sofrendo vem daquela época. A própria devastação da Amazônia, a decadência do ensino público, que foi abandonado, as nossas cidades que foram mal planejadas, tudo isso é decorrência daquele período não democrático, porque os prefeitos não eram eleitos pelo povo, era tudo feito com o velho autoritarismo brasileiro. Houve um retrocesso enorme. Não quero dizer que os últimos anos do governo Dilma foram excelentes. Houve problemas sérios, econômicos. Já apontei isso em outras entrevistas. Não podemos também achar que estava uma maravilha. Não estava. Mas o percurso político foi muito estranho. Uma anomalia que nos jogou nesse período sombrio. Aliás, o nome da minha trilogia é “O lugar mais sombrio”.

– Por falar nesse novo trabalho, um dos personagens chama-se Lázaro. Não sei se é coincidência, mas o personagem central do seu conto “Bárbara no inverno” também tem esse nome. É a mesma pessoa? Alguns autores se apegam tanto aos personagens que criam que não conseguem se livrar deles. Você cria um laço forte com os seus?

Dou muita importância para a construção dos personagens, porque o romance se desenvolve a partir dos conflitos internos e externos dos personagens, da relação entre eles, da relação deles com o mundo. Gosto de romances que tenham personagens fortes e complexos. Não sei se é o caso dos meus livros. Talvez nem seja. Mas me esforço para que seja. O Lázaro do conto “Bárbara no inverno” tem alguma relação com o Lázaro de “A noite da espera”, mas não é o mesmo. O que há é um trânsito de personagens entre meus livros. Por exemplo, o Ranulfo, tio Ran, do “Cinzas do Norte”, reaparece em alguns contos de “A cidade ilhada”. No “A noite da espera”, tem um coronel que aparece no “Cinzas do norte”. Enfim, eles vão transitando de um livro para outro, mas isso não é nenhum achado. Acontece desde Balzac, desde o século XIX, e, depois, durante a literatura moderna e contemporânea. Isso é comum. Mas tenho uma relação forte com eles, eu penso muito nos personagens antes de escrever. Eles não são jogados aleatoriamente, há uma concepção de personagem. O Martim, que é o narrador principal de “A noite da espera”, eu não queria que ele fosse um militante político. Ele não é isso. O desespero dele, a angústia dele não passa pela política, passa pela separação da mãe. Aliás, alguns personagens são mineiros, e alguém já me disse que é o meu romance mais mineiro. Em Brasília, no final dos anos 60, tinha muitos amigos mineiros.

– O primeiro livro – “Relato de um certo oriente”- foi publicado em 1989. “Dois irmãos” só veio em 2000. Por que esse hiato de 11 anos? Como é seu processo de escrita? Precisa de um tempo de maturação?

É exatamente isso, porque é esse tempo de maturação que o escritor, no meu caso, pelo menos, necessita. A literatura não lida com o tempo presente, ela fala mais do passado. Quer dizer, ela traz o passado para o presente, transforma o passado numa questão do presente, agita as águas do passado. E foi importante eu ter esperado tanto tempo. Escrevi outras coisas nesses anos entre um livro e outro. Escrevi coisas que não publiquei, inclusive, e que eu não devia mesmo ter publicado. Mas eu fiquei pensando muito tempo na história, na forma, também, de “Dois irmãos”. Tanto que, quando comecei a escrever, no final de 1997, não consegui mais parar. Até me demiti da Universidade Federal da Amazonas, onde eu dava aula, mudei de cidade. Morava em Manaus, vim para são Paulo, só para escrever. Foi uma espécie de alforria, porque eu não tinha tempo para preparar cursos e ler, e, ao mesmo tempo, escrever romance, porque sou muito lento. Escrevo a mão. Em Manaus, também, eu já estava muito amargurado, vendo minha cidade ser destruída. Aliás, é um tema de “Dois irmãos”, porque a destruição da Amazônia é a destruição, também, das suas cidades. A gente, às vezes, esquece que as grandes metrópoles da Amazônia, Manaus e Belém, foram destruídas. O centro histórico foi parcialmente ou quase totalmente destruído, e isso me amargurava muito. Talvez pelo meu apego ao espaço da infância. E isso não é coisa de velho não. Eu sentia esse apego quando era jovem, porque eu andava pelas praças, frequentava os lugares históricos de Manaus. E isso um mineiro pode sentir, um paulistano, qualquer habitante de Juiz de Fora. Você sente que aquele edifício histórico que foi demolido, aquela praça que não existe mais, tudo aquilo é uma barbárie, é uma ofensa ao passado, porque as crianças e os jovens não vão entender mais a sua cidade. Como ela foi? Não é nostalgia. É apenas um respeito à memória urbana que foi construída pelos homens e pelas mulheres. Isso tem uma história, e a gente não pode dar as costas para a história. Por isso é que acho que os prefeitos deveriam pensar muito nessa questão, a questão da preservação da memória urbana. Isso é fundamental para você não se perder.  Hoje, aqui em são Paulo, você vai a alguns bairros e já não existe mais nada do que foi há meio século, por exemplo, ou há 30 anos, porque, em São Paulo, a destruição, é brutal.

– Depois desse livro de estreia, que foi muito bem recebido pela crítica, mas não muito pelo público, “Dois irmãos” foi um sucesso. São milhares de exemplares vendidos. Minissérie na Rede Globo, adaptação para quadrinhos. Você arrisca apostar numa causa para esse sucesso? Ele foi um divisor de águas na sua carreira?

“Dois irmãos” foi um sucesso aos poucos, ele não estourou como um best-seller. Ele se tornou um livro que hoje tem mais de 200 mil exemplares vendidos, o que é muito para o padrão brasileiro. “Relatos de um certo oriente” é um livro mais difícil para certo tipo de leitor. Do pondo de vista formal, é mais sofisticado. O leitor tem que ficar muito atento para mudança do narrador em cada capítulo. Mesmo assim, é um romance que ainda é muito lido hoje. E ele vai ser filmado, também, no ano que vem, pelo Marcelo Gomes, que é um cineasta pernambucano. É claro que será um filme, também, mais sofisticado. No entanto, a minissérie de “Dois irmãos” é muito sofisticada. Surpreendentemente, alcançou uma audiência enorme. Nem o diretor Luiz Fernando Carvalho nem a equipe, ninguém esperava uma audiência tão grande. Mas acho que deu certo, é uma adaptação belíssima, gostei muito. Também ajudou a divulgar o livro. O “Cinzas do norte” também vai ser filmado. Não sei o motivo, mas acho que todos os meus livros caíram nas graças de alguns cineastas. Um dos contos de “A cidade ilhada”, “O adeus do comandante”,  já foi filmado pelo Sérgio Machado e, no ano que vem, será exibido.

– E você tem apego aos seus livros? Acompanha as adaptações que são feitas para a televisão ou para o cinema?

Tenho apego ao leitor. Ele é sempre soberano. Agora, ciúmes, o que vão fazer com o roteiro, não tenho uma relação de proprietário com meus livros. Quando você publica, os livros pertencem aos leitores. Não fiquei monitorando cada roteiro. O “Órfãos do eldorado” também foi filmado, pelo Guilherme Coelho. Nem li o roteiro dele. Eu li o roteiro da Maria Camargo, de “Dois irmãos”, que é maravilhoso. Agora, no roteiro do filme do conto “O adeus do comandante”, do Sérgio Machado, não apenas li, como dei várias ideias  no argumento, escrevi algumas coisas, porque era preciso expandir o conto para se tornar um longa-metragem. Mas não tenho esse apego.

“Gostaria de falar mais de literatura em São João, porque, quando falo em política, fico amargurado. Não que eu evite isso, mas, se for para escolher um tema, prefiro falar de literatura. A política me amargura muito, e acho que as pessoas querem ouvir mais o escritor. O que eu penso sobre a literatura, a importância dela, no mundo de hoje, para a construção do nosso imaginário, a construção simbólica, a construção histórica, para a leitura da nossa história.”

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– Por fim, você passa por São João del-Rei, nos dias 18 e 19, para participar da 13ª edição do Felit, como autor homenageado. Como você recebeu essa homenagem e como vai ser sua participação?

A homenagem foi um gesto muito generoso dos organizadores do Felit, sinto uma enorme admiração pela literatura produzida em Minas. Até diria que uma grande parte da melhor literatura brasileira foi feita em Minas Gerais. Nosso maior prosador, Guimarães Rosa, Pedro Nava, são incontáveis. Sei que, em Minas, há grandes leitores também. Tenho vários leitores, inclusive, estudantes que escreveram dissertações e teses sobre a minha obra. Gostaria de falar mais de literatura em São João, porque, quando falo em política, fico amargurado. Não que eu evite isso, mas, se for para escolher um tema, prefiro falar de literatura. A política me amargura muito, e acho que as pessoas querem ouvir mais o escritor. O que eu penso sobre a literatura, a importância dela, no mundo de hoje, para a construção do nosso imaginário, a construção simbólica, a construção histórica, para a leitura da nossa história. São esses os temas que eu gostaria de abordar e de conversar com os leitores mineiros.

 Sala de Leitura – Sábado, às 10h5, na Rádio CBN Juiz de Fora. Blog no site da Tribuna (www.tribunademinas.com.r)

 

Poema inédito, de Milton Hatoum, sobre a Amazônia:

O fim que se aproxima

Amazonas: mito grego
menos antigo que os mitos da Amazônia.

Os que vivem no Cosmo há milênios
são perseguidos por mãos de ganância,
olhos ávidos: minério, fogo, serragem, fim.

Quem são vocês,
incendiários desde sempre,
ferozes construtores de ruínas?

Os que queimam, impunes, a morada ancestral,
projetam no céu mapas sombrios:
manchas da floresta calcinada,
cicatrizes de rios que não renascem.
atrás da humanidade amazônica?

Que triste pátria delida,
mais armada que amada:
traidora de riquezas e verdades.

Quando tudo for deserto,
o mundo ouvirá rugidos de fantasmas.
E todos vão escutar, numa agonia seca, o eco.

Não existirão mundos, novos ou velhos,
nem passado ou futuro.

No solo de cinzas:
o tempo-espaço vazio.

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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