“Minha poesia é atravessada pelo que sinto e eu sinto tanto!”, conta Carol Canêdo
Carol Canêdo disse-me, nesta entrevista, que ela tem dias de chuvas de palavras. Mas também tem dias de silêncio. Fez essa afirmação, de maneira tão poética, quando eu quis saber como ocorrem seus momentos de criação. Em sua poesia, não se aplicam regras. Também não há hora marcada para seus escritos nascerem. Carol aprendeu que “a noite, a solidão e o chuveiro são bons despertadores” para a poesia que ela faz. “Essa pergunta me faz lembrar Clarice que, certa vez, declarou que fazia questão de manter-se escritora amadora, já que a obrigação tornaria sem sentido sua escrita”, comenta a juiz-forana, formada em Letras pela UFJF.
Depois de guardar na gaveta, por vários anos, a poesia que escreve, Carol decidiu, finalmente, compartilhá-la com os leitores e escreveu os versos que hoje estão em “Poesia 365 – minha dose diária” (Paratexto, 384 páginas). O livro traz versos para cada dia do ano e foi todo escrito em dois meses, em um único arquivo de Word. Nele, Carol faz confissões. Não esconde que há dias de tombos, tempestade, mas também de esperança de um recomeço. O difícil momento que vivemos no Brasil e no mundo também está refletido em sua escrita.
“Poesia 365 – minha dose diária” acaba de ganhar as livrarias, e a ideia de publicá-lo manifestou-se em 2020, logo depois de Carol ter lançado o perfil @nus_versos no Instagram. Ela nos entrega uma poesia de versos livres, de linguagem simples. E a intenção da autora é que essa obra apresente-se para o leitor como um convite para uma conversa. “Meus versos só serão poesia no encontro com seu sentir. Só ali, no provocar das reflexões, no desconforto da vulnerabilidade, na chuva das emoções, na combustão dos sentimos, na construção do sentido é que a poesia Acontece. Meio minha, meio sua.”
Marisa Loures – Carol, você escreve desde a infância. Como se deu seu encontro com as palavras.
Carol Canêdo – Acredito que, desde muito cedo, esbarramos em pistas sobre o lugar que viemos ocupar no mundo. A palavra sempre me atraiu em todos os seus aspectos: o som, a forma, o significado, o poder e até as máscaras que a compõem. Claro que, inicialmente, isso não era consciente, mas, olhando em retrospecto, percebo que o jogo me encantava. Ser capaz de decifrar aquele código formado pelas letras e acessar aqueles lugares antes desconhecidos, foi como se uma luz se acendesse para mim. Eu era uma criança extremamente tímida, e a escrita parecia ser um bom lugar para me esconder.
– Inspirada pelos versos de 6 de janeiro, pergunto: e por que você escreve?
– Porque a palavra não se contenta com o espaço que ocupa dentro de mim, então ela escapa em busca de liberdade. Enquanto os sentimentos, as emoções, as histórias e as reflexões permanecem anônimos e represados internamente, eles possuem uma potência, às vezes, destruidora. Ao receberem nome, voz e papel, ao mesmo tempo em que perdem essa força negativa, assumem a face bonita que a palavra escrita lhes confere. Escrevo para que não se perca a parte bonita do que sinto e compartilho para que ela encontre significado em outras pessoas.
– Sua formação é em Letras, pela UFJF. Sua passagem pela academia refletiu no seu fazer literário?
– Entrei na faculdade esperando um curso de gramática e encontrei a liberdade da pesquisa. Esbarrei na língua enquanto expressão da subjetividade e da cultura e enquanto instrumento de comunicação, de contestação e de transformação. Descobri a prosa poética de Guimarães e fui surpreendida por uma poesia sem rima, sem regra, sem “sofisticação”, mas cheia de lirismo e de realidade. Do meio do sertão, da boca de um jagunço, nascia poesia, e aquilo era fascinante. Então por que insistíamos em mantê-la restrita a um nicho tão específico? Meu fazer literário é constituído por uma linguagem simples, por versos livres e pela expressão dos meus valores, dos meus posicionamentos e das minhas crenças.
– Você diz que “somente durante a pandemia encontrou o desconforto e a incerteza suficientes para compartilhar seus versos”. Por que este momento a encorajou? E como o livro foi gestado?
– Porque o medo do que as pessoas pensariam sobre o que eu escrevia e sobre minhas novas escolhas pareceu sem fundamento diante da incerteza que a vida apresentava. Depois de experimentar compartilhar meus versos no Instagram, acordei um dia com o projeto do livro pronto, inclusive com o título, faltava apenas o texto. Eu queria que os versos pudessem levar uma dose de carinho, reflexão, provocação ou conforto a quem os encontrasse e que chegassem a pessoas que não tinham o hábito desse tipo de leitura. Todos os detalhes do livro foram escolhidos de acordo com esse objetivo: linguagem, acabamento, diagramação, capa e até o preço.
– “ofereço meu silêncio/não porque me faltem palavras/ mas porque perdi o desejo/ de usá-las”. Como alguém que tem uma história tão íntima com as palavras consegue lidar com esse silêncio?
– O texto exige pausas. Algumas são só o tempo de respirar. Outras requerem a resposta do interlocutor (às vezes, a resposta é um silêncio constrangedor). E há ainda as pausas definitivas. O silêncio é a pausa. Ele é o tempo da minha digestão, é o espaço às palavras e ações do outro, é a minha fuga e é a minha desistência. Eu preciso dele tanto quanto preciso das palavras porque ele traz significados importantes. Embora eu tenha consciência disso, esses significados podem ser extremamente incômodos e nem sempre dou conta de suportá-los.
– Ao ler seus versos, tenho a impressão de que eles são biográficos. O leitor encontra ali a confissão de que há dias de tombos, tempestade, esperança de um recomeço. Eles dizem muito sobre a Carol? E como é a experiência de se abrirpor meio deles?
– Há um tempo, escrevi (e ainda não havia compartilhado): meu verso é confissão arrancada a torturas. Inclusive, o nome da minha página (@nus_versos) foi escolhido por conta dessa nudez que aparece na minha poesia. Há tantas questões em torno da exposição do corpo, mas o impacto de uma alma exposta é absurdamente mais forte. A escrita não é um lugar de conforto para mim, ao contrário, ela fala sobre e a partir das minhas vulnerabilidades, imperfeições e dores, e não há como isso ser confortável. Para amenizar, eu me escondo no conceito do “poeta fingidor” (Fernando Pessoa) e brinco com o que sinto, vivo ou imagino, mas a verdade é que dá um medo danado!
“Ver o Brasil ser levado à contramão do mundo e ver tanta gente sendo arremessada em abismos, chega a ser sufocante. E por tantos que não têm voz, eu preciso usar a minha. Nos meus versos, atualmente, cabe o protesto contra o que não tolero: racismo, homofobia, machismo, ditadura, ignorância.”
– E o que estamos vivendo no Brasil e no mundo está refletido em seus versos?
– Minha poesia é atravessada pelo que sinto e eu sinto tanto! Eu sinto muito quando penso na violência do que vivemos atualmente. Ver o Brasil ser levado à contramão do mundo e ver tanta gente sendo arremessada em abismos, chega a ser sufocante. E por tantos que não têm voz, eu preciso usar a minha. Nos meus versos, atualmente, cabe o protesto contra o que não tolero: racismo, homofobia, machismo, ditadura, ignorância. Talvez, se as escolas fossem equipadas com arte, ciência e sensibilidade, não estaríamos neste lugar de agora. Eu me sinto no meio de um grande equívoco de interpretação.
“Eu espero que o leitor converse com meu livro, que rabisque, que discorde, que reflita. Eu espero que ele construa sentido a partir do que encontrar ali e que faça meu texto virar poesia na vida dele.”
– Segundo você, seus versos só são poesia quando provocam reflexão. Como é a sua relação com o leitor? O que espera dele?
– Eu só me senti uma escritora quando um leitor me disse a seguinte frase: “era exatamente isso o que eu precisava ouvir hoje”. Enquanto leitora, eu pensei isso tantas vezes sobre os textos que encontrei. Eu sempre tratei o livro como uma conversa: grifava, anotava comentários, divergia do autor, lia partes escolhidas ao acaso e interpretava de modo muito pessoal. Eu espero que o leitor converse com meu livro, que rabisque, que discorde, que reflita. Eu espero que ele construa sentido a partir do que encontrar ali e que faça meu texto virar poesia na vida dele.
– Esse projeto encerra-se com a publicação do livro?
– O meu projeto de levar poesia a lugares onde ela normalmente não habita não tem data para terminar. Eu poderia dizer que ele vai me acompanhar para sempre, mas aprendi que a vida muda e nossos desejos e necessidades também. Os planos, a curto prazo, incluem transformar em livro as dedicatórias que escrevi para cada leitor do “Poesia 365”. Espero abrir 2022 com “Te dedico”.
“Poesia 365 – minha dose diária”
Autora: Carol Canêdo
Editora: Paratexto, (384 páginas)