Assim nascem novos poetas
Iasmin Vitória Lopes Mariano, 16 anos. Laura Lúcia da Silva Bento, 15. Nyckolas Emanuel Pereira de Sá, 15. Em 2020, os três ainda eram alunos da Escola Municipal Prefeito Dilermando Cruz Filho. Foi no ambiente escolar que mantiveram um contato mais próximo com os livros e foi lá que eles também tiveram a oportunidade de se tornarem poetas e de verem seus versos publicados. Isso mesmo. Vivendo o isolamento social imposto pela pandemia desde março do ano passado, esse trio e mais um grupo de estudantes da instituição que atende os bairros Vila Ideal, Vila Ozanan, Furtado de Menezes e Olavo Costa aceitaram o desafio imposto pelo poeta Ícaro Renault e abraçaram o projeto “Olhares sobre a cidade”.
Realizada remotamente, a iniciativa contou com lives com vários artistas locais, feira poética e, claro, produção de poemas. E os versos não ficaram restritos aos autores e seus professores. Publicados no formato de um zine, eles foram parar nas mãos de toda a comunidade escolar por meio do material impresso distribuído pela escola, e a intenção da direção do Dilermando é fazer a publicação chegar a todos os colégios da rede municipal da cidade e aos departamentos da Secretaria de Educação.
“A poesia na escola já é algo presente há alguns anos. Ícaro Renault e Laura Conceição se tornaram grandes parceiros da escola ao longo do tempo, e a relação deles com os alunos é muito próxima. Vários outros projetos envolvendo a poesia foram realizados na escola e pretendemos continuar com essa prática, pois percebemos que os jovens nos falam muito através de seus versos. Nossa intenção maior é que o ‘fazer poético’ torne-se rotina na vida dos alunos e, consequentemente, na comunidade. Dar voz e vez aos alunos é missão de todos”, afirma Angélica de Oliveira Caçador Lisboa, coordenadora pedagógica da instituição.
Quem quiser conhecer os poemas do zine “Olhares sobre a cidade”, os textos estão disponíveis no Facebook e no Instagram da Escola Municipal Prefeito Dilermando Cruz Filho. Já adianto que, para 2021, Ícaro Renault planeja uma segunda etapa para esse trabalho. Ele e Laura Conceição querem levar o Mais Um Slam, ação de poesia falada que já desenvolvem desde janeiro de 2020, não só para o Dilermando, mas também para outras escolas da rede. Certamente, outros novos poetas nascerão daí. E, para a edição de hoje da coluna Sala de Leitura, preparei uma entrevista com a Angélica e com os poetas Iasmin, Laura e Nyckolas.
Marisa Loures – O que a escola buscava quando realizou o projeto “Olhares sobre a cidade”?
Angélica – Buscávamos formas de trabalhar com o Ensino Remoto e que pudesse ser atrativo aos alunos e ao mesmo tempo contemplar as habilidades da BNCC para cada conteúdo curricular. Neste momento, o poeta Ícaro Renault nos apresentou o projeto “Olhares sobre a cidade”, que tinha como objetivos discutir, na comunidade em que a escola está inserida, o gosto pela leitura, a produção poética e a confecção de um zine para distribuição. O corpo docente teve uma primeira reunião com Ícaro e dali traçamos juntos a metodologia para desenvolvimento do projeto. Estabelecemos em conjunto temas relevantes que precisavam ser tratados por nós e nossos alunos. Houve uma troca de informações e cada disciplina trabalhou o tema aliado ao seu conteúdo. Ícaro frisava o tempo todo a necessidade de o aluno ser protagonista no projeto, e, nessa linha, determinamos os temas a serem trabalhados dentro da realidade da comunidade: violência, machismo, oportunidade de trabalho, juventude, esporte, diversidade cultural, cultura e lazer, ocupação de espaços públicos, racismo e negritude, preconceito e desigualdade. Para iniciar o trabalho, utilizamos a figura do querido Flavinho da Juventude e seu Samba “Flavinho de todas as vilas” (Vila Ozanan, Vila Ideal, Vila Furtado de Menezes e Vila Olavo Costa). A escola está inserida nessas comunidades e Flavinho havia sido professor da escola. Fizemos um resgate histórico da sua luta racial, social e cultural, e ele esteve presente durante todo o segundo semestre de 2020.
– O projeto foi desenvolvido na escola durante a pandemia, em um momento em que o ensino está sendo realizado num formato que não é o ideal. No entanto, mesmo a distância, vocês conseguiram atingir os alunos com essa iniciativa. Como foi fazê-los se interessar pelo projeto? O engajamento foi o esperado?
Angélica – Gostaríamos de estar desenvolvendo o projeto dentro da escola com o contato direto com os alunos, mas isso não foi possível, portanto, nos adaptamos ao trabalho remoto com grupos de WhatsApp, por ano de escolaridade. A troca entre alunos e professores se deu nesse formato. É importante ressaltar que os professores trabalharam muito para que o trabalho conseguisse alcançar o objetivo, tiveram que estudar a comunidade, seus problemas e suas possibilidades. Mas, com certeza, muito mais do que as nossas pesquisas apontaram, foi com a devolutiva dos alunos que conhecemos, verdadeiramente, a comunidade das “Vilas”. Para trazer o interesse dos alunos, Ícaro gravou alguns vídeos conversando com eles sobre a importância de conhecer sua realidade e lutar por mudanças e escreveu uma poesia específica para o projeto. Além disso, foram realizadas três lives pelo instragram da escola, apresentadas pelo Poeta Ícaro Renault. A primeira foi realizada no dia 7/11 com WSMC (Ex-aluno), Laura Conceição, que já é parceira da escola há algum tempo, e os sambistas e compositores Carlos Fernando Cunha e Paulinho da Letra. Os dois primeiros falaram sobre a relação da escola com a arte e cultura, e Carlos e Paulinho sobre a relação de Flavinho com o samba e a história da cidade. A segunda live, também apresentada por Ícaro, teve a participação de artistas negros da cidade. Participaram a poeta e contadora de Histórias Vanda Ferreira, o ator Adelino Benedito, a Poeta Hemily Amorin e Fernando Valério, ator, contador de histórias, morador da comunidade e professor da escola. A terceira live fizemos com os alunos e professores da escola e teve como tema a poesia, e eles puderam declamar suas obras. Nesse período, os alunos já estavam debatendo os temas e sendo instigados pelo Ícaro a produzir poesias. A Professora de língua portuguesa Rosângela Henriques realizou, pelo meet, uma oficina de poesia para alunos e professores para que todos fossem capazes de auxiliar com o gênero literário. E, no dia seguinte, pela mesma plataforma, Ícaro conversou com os alunos sobre poesia marginal e fez intervenções poéticas. Realizamos em dezembro a Feira Cultural on-line em que as poesias dos alunos e professores foram exibidas nas redes sociais da escola, e a interação com a comunidade foi excelente. E, para terminar, em dezembro, realizamos, pela plataforma Google Meet, um sarau de poesias e a confecção dos zines que estão sendo distribuídos às famílias e enviados para a Secretaria de Educação.
– Gostaria que se apresentassem…
Iasmim – Adoro ler, assistir a documentários. E era uma pessoa muito tímida, mas, depois que descobri a leitura e a poesia, melhorei bastante. Adoro ajudar as pessoas, sou muito sincera. Amo música e adoro cantar.
Laura – Sou uma menina negra mais orgulhosa pela cor, nascida e criada em uma periferia, uma menina extrovertida, amiga, que gosta de ajudar as pessoas sempre que precisam, uma garota que adora cantar.
Nyckolas – Tenho 15 anos de idade, moro em Juiz de Fora desde quando eu nasci. Sou uma pessoa bem alegre e humilde. Frequento a Assembleia de Deus, gosto de aprender coisas novas, adoro ir à igreja, gosto também de jogar futebol, vídeogame e tocar bateria.
Ser jovem no século XXI
Por Iasmim Vitoria Lopes Mariano
Ser jovem é sinônimo de sonhar
De correr risco e se aventurar
Experimentar novas sensações
Num borbulhar de emoções
E desejar transformações
Querer ver acontecer
Algo novo ao amanhecer
Ver seu sonho florescer
Jovem, coração inquieto
Ainda que seu futuro seja incerto
Sua alma espera por certo
Que a felicidade esteja por certo
Pousando lá no final
Algo que aponte para a paz
Que acalme o coração
E transforme o mundo em uma canção
– O que a poesia representa para vocês?
Iasmin – A poesia representa tudo aquilo que comove, que sensibiliza e desperta sentimentos.
Laura – A poesia é tudo, envolve sentimos, emoções que nos fazem sentir próximos do escritor, e não nos faz sentir sozinhos. A poesia dá lições para nossa vida.
Nyckolas – É uma maneira de expressar seus sentimentos. Falar sobre alguma realidade que a pessoa vive ou compartilhar acontecimentos ao longo de sua vida para as outras pessoas se motivarem. Incentivar as outras pessoas a olharem o mundo com outros olhos.
– Como foi seu processo de escrita? Precisou fazer pesquisa? Teve ajuda de alguém?
Laura – Não foi nada fácil esse processo, ainda mais envolvendo a literatura, pois eu não gostava de ler livros, mas, com a ajuda de professores, passei a me interessar mais.
Iasmin – O meu processo de escrita foi demorado, mas queria muito escrever sobre tudo que discutimos nos grupos de WhatasApp da escola e que o Ícaro provocava. Para isso, tive a ajuda da professora Flávia Cedrola, que dá aulas de oficina literária.
Nyckolas – Foi bem tranquilo, apenas expus aquilo que estava dentro de mim. Não fiz pesquisa alguma, porque a sociedade em que estou inserido é um laboratório. Minha mãe que me ajudou a abrir minha mente sobre o meu futuro e o meu potencial.
– O que sente quando para para pensar que sua poesia está rodando nas mãos de vários alunos?
Iasmin – Sinto muita gratidão e não posso deixar de agradecer ao Ícaro e aos professores da Escola Municipal Dilermando Cruz Filho. Hoje estou no Ensino médio e tive que ir para outra escola, mas os ensinamentos do Dilermando vão me acompanhar.
Laura – Eu ainda não sabia que estava tendo uma repercussão assim, mas fico feliz e cada fez mais orgulhosa de mim.
Nyckolas – Sou muito grato. Sinto que eu posso estar motivando os Jovens que são o futuro de nossa sociedade a estarem indo em busca dos seus sonhos. Espero que aqueles que vierem a ler possam se agarrar a essa esperança de terem seus sonhos realizados, se esforçando a cada dia e lutando para que, no final, possam ter êxito. O maior incentivador dos meus sonhos sou eu mesmo.
A mulher é importante!
Por Laura Lúcia da Silva Bento
Pena que, para os ignorantes e machistas,
somos apenas fracas.
Mas as mulheres não desistem
pois, enquanto tiverem forças,
vão mostrar pra que elas existem!
Machista, que só olha para o próprio umbigo,
Violência não resolve nada.
As mulheres não ficam mais paradas.
Veja só o tanto que conquistamos!
De enfermeiras a presidência,
de militares a professores.
E tudo isso conquistamos sem violência.
– Inspirada pela sua poesia eu pergunto: o que é ser jovem no século XXI?
Iasmin – Ser jovem é sinônimo de sonhar, de correr risco e se aventurar, experimentar novas sensações, num borbulhar de emoções. Com responsabilidade e entendendo nosso papel de luta na sociedade.
– Você escreveu três poemas para o zine. Sinto uma indignação na sua escrita. Indignação em virtude do machismo e em virtude do que o homem está fazendo com o meio ambiente. Estou certa?
Laura – O ser humano está destruindo o meio ambiente de uma tal forma, sem se importar com as gerações futuras, pode ser visto nas queimadas, desmatamento, desperdício de água e no acúmulo de lixo nas ruas. O machismo na sociedade está muito grande e muito vergonhoso. Ainda vemos mulheres apenas em casa porque acham que o lugar delas é apenas ali, ainda vemos mulheres sem conseguir um serviço bom. Mas, pelo menos hoje em dia, conseguimos ver muitas mulheres se destacando em grandes papéis na sociedade, papéis que só os homens ocupavam. Nós, mulheres, temos que continuar lutando fortemente contra o machismo dessa sociedade. E os machistas, tanto homens quanto mulheres (porque tem mulher também), precisam aprender que somos todos iguais, e precisamos que isso seja colocado em prática todos os dias, para começarmos a melhorar a sociedade em que vivemos.
Juventude
Por Nyckolas Emanuel Pereira de Sá
Somos jovens inexperientes
Temos uma vida inteira pela frente
Mas já temos sonhos para o futuro
Começando com esforço, os nossos sonhos com Deus vamos conquistar
E esquecendo este mundo perverso
Os nossos sonhos vão se realizar.
– Você escreveu uma poesia que fala que a juventude possui sonhos que vão se realizar no futuro. Quais são os seus sonhos, Nyckolas?
Nickolas – Meu sonho é ter um mundo mais justo e mais cheio de amor, menos julgamentos e que eu possa contribuir para isso com as minhas atitudes diárias. Construir minha família e me realizar profissionalmente.