Marinus Adrianus Sleutjes registra suas memórias em “As aventuras de um holandês no Brasil”
Marinus Sleutjes nasceu na Holanda pouco antes da 2ª Guerra Mundial, e ela o acompanhou durante boa parte da infância. “Guerra, sofrimentos, bombas passando por cima de nossa casa, e eu sendo arrancado do meu berço para ser levado para o bunker. Até 1942, minha lembrança não registrou nada, a não ser um medo profundo do ser humano”, conta ele que, quando vivia o sonho do pós-guerra ao lado dos pais e dos irmãos, viu surgir “mais uma nuvem negra”.
A Indonésia era possessão holandesa e entrou em guerra com a Holanda pela sua independência. Jovens que tinham entre 15 e 25 anos de idade foram chamados pelo exército holandês para lutarem, e, provavelmente, dois de seus irmãos seriam convocados. “O perigo era não haver tempo suficiente para salvar os filhos mais velhos da guerra da Indonésia”, relata o filho de Maria Anna e Adrianus Martinus Sleutjes.
O ano era 1949. A ideia do patriarca dos Sleutjes foi enviar Jan e Johan para trabalhar no Brasil. O destino era a Holambra, onde formaria uma cooperativa que seria destinada a cem famílias de imigrantes católicos. O primeiro veio num navio, que embarcou em março daquele mesmo ano. O segundo deixou o país em que nasceu sete meses depois, em outubro. Somente no dia 16 de dezembro de 1949, o menino Marinus, seus pais e seus outros irmãos vieram para terras brasileiras a bordo do Duque de Caxias, um velho navio que fizera o transporte dos soldados brasileiros para a guerra mundial.
Aqui, Marinus graduou-se em filosofia pura e em agronomia. Tornou-se professor. Profissão que exerce há 40 anos. Casou-se com Maria Helena, construiu família e, aos 80 anos de idade, completados em janeiro de 2019, ele volta a essa e muitas outras histórias em “As aventuras de um holandês no Brasil” (Gryphon Edições, 248 páginas). Na próxima sexta-feira (15), o autor recebe o público para uma Noite de Autógrafos, às 19h, no Espaço Excalibur.
“Migrantes, nômades, andarilhos, peregrinos, forasteiros, aventureiros… – há uma inquietação inata no recôndito anseio humano. E a história nada mais é do que efeito – com frequência efeito cruel – da incontida voracidade pela conquista do espaço, do desbravamento do destino, como se o homem brotasse dentro de uma concha, e a primeira imposição fosse rompê-la. Nesse livro, prezado leitor, verás, ouvirás, os golpes que fazem abrir essa concha ancestral – uma família radicada numa terra que remonta a vários séculos decide partir… o desconhecido é seu destino”, escreve o escritor Luiz Almeida sobre as memórias desse apaixonado pelo Brasil.
Marisa Loures – O escritor Luiz Almeida diz que “quando o homem resolve contar sua vida, relatar suas memórias, se vê, muitas vezes, diante da inquietante pergunta: valerá à pena?” Diante da obra já escrita e lançada, refaço a pergunta: Valeu a pena?
Marinus Sleutjes – Sim, valeu muito a pena. Não só para deixá-la registrada para meus filhos e netos, mas também para os mais de 350 descendentes de meus país no Brasil. Além do mais, todo o holandês vai se sentir compelido a ler este livro. E o livro já está na Holanda e em Portugal.
– Ao deixar o país de origem, sua família deu um salto para o desconhecido. Aos olhos de uma criança, essa mudança devia ser uma grande aventura. Ao chegar ao Brasil, ainda tão menino, quais foram suas primeiras impressões sobre essa nova terra e quais as primeiras lembranças que o senhor ainda guarda desse novo país?
– Viemos para evitar que meus irmãos mais velhos fossem convocados para a guerra pela independência da Indonésia. Iríamos para o Canadá, mas a urgência nos fez vir para o Brasil. A laranja era um sonho. Só ganhávamos uma laranja por ano com o selo de “Rio Bonito. RJBrazil”. O que mais me impressionou, na serra de Santos para São Paulo, foi a Mata atlântica, alta e pujante. Mas não vi laranjeiras, nem índios ou cobras. O maior susto foi a multidão de pessoas na Estação da Luz ! O que é isso? Não pode ser Brasil. Diziam que só havia índios!
“A Segunda Guerra Mundial me afetou demais. Vi a morte de perto várias vezes. E vivi o dia da vitória, o dia em que os soldados dos aliados passavam pelas ruas da minha cidade recebendo vinhos e queijos e cantavam seus hinos. Os sinos da igreja não pararam de tocar, e o povo dançando na rua. Vitória, liberdade. Sim, a liberdade, a livre iniciativa, o direito de empreender. Era o espírito do povo holandês que renascia.”
– O senhor conta que nasceu antes da Segunda Guerra Mundial e que a grande guerra acompanhou a sua vida em boa parte da sua infância. Como foi crescer como testemunha desse conflito, e o que essa experiência acrescentou à visão de mundo do homem que o senhor se tornou?
– A Segunda Guerra Mundial me afetou demais. Descrevo estes episódios vividos nos capítulos 5, 6, 7, 8 e 9. Foram meus primeiros anos de vida contados pela minha irmã mais velha que hoje vive na Holanda. Vi a morte de perto várias vezes. E vivi o dia da vitória, o dia em que os soldados dos aliados passavam pelas ruas da minha cidade recebendo vinhos e queijos e cantavam seus hinos. Os sinos da igreja não pararam de tocar, e o povo dançando na rua. Vitória, liberdade. Sim, a liberdade, a livre iniciativa, o direito de empreender. Era o espírito do povo holandês que renascia. Planejar, executar e vencer.
– O adjetivo aventureiro cabe como uma luva no senhor, uma vez que carrega consigo muitas histórias de locais por onde passou e de pessoas que conheceu. Essa experiência o ajudou a compreender melhor a singularidade da humanidade, que é, ao mesmo tempo, tão igual em qualquer parte do mundo?
– O povo holandês é sempre muito aventureiro, aventurou-se pelos mares e conquistou outras terras. Isso parece fazer parte do nosso DNA. Conhecer pessoas é o que mais gosto. E o mais bonito nisso é que as pessoas são tão iguais e tão diferentes. Pode ser um paradoxo, mas todas elas têm alguma coisa a nos dizer, a nos acrescentar, a nos ensinar. Somos todos tripulantes do mesmo barco: a terra.
– O senhor relata no livro que já voltou à Holanda. Como foi reencontrar a sua terra natal e a sua gente? O que o deixa impressionado nesta Holanda de agora?
– Que país bonito é a Holanda! As flores, a limpeza, a vida controlada, o zelo do povo holandês são admiráveis.Tudo é perto e plano, então podemos ir de bicicleta…
– Hoje o senhor se sente mais brasileiro ou holandês?
– É difícil responder a esta pergunta porque há em mim algo muito profundo referente ao mundo holandês, algo que vem de muitas gerações, mas há em mim, também, um grande fascínio pela beleza da natureza e as potencialidades do Brasil. Amo o Brasil e podem ter certeza de que, quando o Brasil joga com a Holanda, torço pelo Brasil. Sim, sou mais brasileiro.
Sala de Leitura – Toda quinta-feira, às 9h40, na Rádio CBN Juiz de Fora
“As aventuras de um holandês no Brasil”
Autor: Marinus Adrianus Sleutjes
Editora: Gryphon Edições (248 páginas)
NOITE DE AUTÓGRAFOS
15 de fevereiro, às 19h, no Espaço Excalibur (Rua São Mateus 265 – São Mateus)