Jorge Lenzi: “Ao poeta, tudo falta, e é por isso, também, que ele escreve”

Por Marisa Loures

10/08/2021 às 08h00 - Atualizada 10/08/2021 às 16h33

Em “Serurbano”, livro a ser lançado na próxima sexta-feira, 13, o poeta Jorge Lenzi reflete sobre a solidão humana nas cidades – Foto: acervo pessoal

Uma citação de Rubem Alves abre “Serurbano” (Paratexto, 200 páginas), novo livro de Jorge Lenzi. “O que eu escrevo não é o que eu tenho; é o que me falta.” E o que falta ao poeta e que agora está registrado nos versos que ocupam as páginas dessa obra? Pergunto ao autor juiz-forano. “Ao poeta, tudo falta, e é por isso, também, que ele escreve. Porque escrevendo tenta suprir com os poemas suas deficiências sensoriais. São esses os registros que podem ser encontrados no livro, as necessidades dessa complementação. Porém, isso não acontece porque, ao se sentir completo/completado, o poeta não mais produzirá”, responde, poeticamente, Lenzi. Ele lança “Serurbano” com apoio da Lei Murilo Mendes de Incentivo à Cultura na próxima sexta-feira, 13,  às 20h. O evento será on-line, com transmissão no Instagram e no canal do YouTube da Paratexto.

Como tema central, “Serurbano” traz a solidão humana nas grandes cidades. Um isolamento que, contraditoriamente, aumenta, à medida que nos tornamos cada vez mais dependentes dos novos aparatos de comunicação. “Serurbano/ Lobo isolado da matilha/ que carrega no laptop/ sua própria ilha/ e se entope/ de desinformação”, dizem os versos do primeiro de uma série de 50 poemas, alguns deles acompanhados por fotos, de Antônio Augusto Alvarenga, que retratam cenas do cotidiano de um grande centro.

PUBLICIDADE

“O ‘Serurbano’ é um grito contido e seco, um desabafo sorrateiro e ensurdecedor da alma de um ser repleto de vivências, consistência e, com a insistência do poeta turrão que na contramão do tempo nunca vai abrir mão de sua elegância”, assevera, no prefácio, Thiago Miranda, convidado a declamar as poesias para o audiolivro que, em breve, estará no blog de Lenzi. Já a descrição das fotografias ficará por conta de Patrícia Almeida. O autor ainda disponibilizará, como bônus, alguns videopoemas.

Jorge Lenzi já foi desenhista, operador de computador e atendente de departamento de pessoal. Formou-se em História e fez pós-graduação em História do Brasil. Também foi professor. Descobriu-se poeta aos 18 anos. E foi aí que nasceu sua primeira criação literária. Sempre teve uma relação muito próxima com as palavras. Publicou “Entalhes, poemas de Jorge Lenzi” e “Pensamentos apócrifos”. É membro da LeiaJF – Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora.

Marisa Loures – Você foi desenhista, operador de computador, atendente de departamento pessoal. É formado em História. Foi professor. Quando se descobriu poeta?

Jorge Lenzi – Ser poeta, para mim, é ter a capacidade de captar a poesia que se apresenta na natureza, na vida, e transformá-la em poemas, em música, em arte. Durante muitos anos, li muitos livros e ouvi muita música, que são traduções poéticas. Carregava em meu íntimo uma bagagem se formando. Quando saí do exército, em 1974, em plena Ditadura Militar, tinha comigo um silêncio imposto durante dez meses. Senti uma imensa vontade de externar todo aquele sentimento represado. Produzi, então, o que julgo ser meu primeiro texto poético, juntando trechos de letras de músicas, acrescentando pensamentos meus. Essa foi a minha “descoberta” como poeta.

– No primeiro poema, a definição de “Serurbano”: “lobo isolado da matilha/que carrega no laptop/sua própria ilha.” Essa poesia, esse livro, diz muito sobre você?

O livro fala sobre solidão, paixão e violência, sentimentos que se interligam nos habitantes da urbe, entre concretos e ferragens. Como ser que vive nesse contexto e como poeta que produz e reproduz, através de observações, essas vivências, todos os poemas, têm um pouco de mim. Mas, em muitos momentos, essas observações se complementam com a criatividade, com a intenção de fazer parecerem verdades vividas. Afinal, todo poeta é, no fundo, um fingidor.

-Descobrimos na orelha escrita por Antônio Augusto Alvarenga que você sempre teve percepção da solidão humana nas cidades. Ter essa percepção, de alguma forma, sufoca? “Serurbano” é um grito de desabafo?

É verdade, eu sempre tive essa percepção, mesmo porque, como filho único, estive sempre sozinho. E o “Serurbano” tem, sim, a intenção de ser um desabafo, mas tem também a pretensão de, conforme digo, remexer as águas tranquilas do lago da acomodação. Mais do que ser somente um desabafo, quero que os poemas tirem as pessoas de sua “zona de conforto”. Quero que, quem “entrar” nesse livro, saia diferente, de alguma forma.

– Seu livro é publicado em um momento em que, por causa do isolamento social da pandemia, as pessoas estão ainda mais solitárias, com seus aparatos tecnológicos. Esse isolamento imposto pelo coronavírus perpassa seus poemas? Por que escolheu este momento para lançar “Serurbano”?

Realmente, a pandemia agravou essa dependência tecnológica, essa fuga isolacionista e essa ilusão comunitária, que já se observava há tempos. Os poemas, de uma forma direta ou indireta, falam sobre a solidão, mas não necessariamente imposta pelo coronavírus. Porque todos eles foram escritos em momentos muito distantes desses que vivemos hoje. Por tocarem num assunto que entendo ser universal, salvaguardando características geográficas e temporais, os poemas acabam por refletir essa situação atual. Sobre o lançamento, foi uma coincidência, porque o livro deveria ter sido lançado em 2019, no máximo 2020. Nesse aspecto, o confinamento pode favorecer para que o “Serurbano” seja mais tocante, melhor compreendido.

– E como foi o processo de escrita de “Serurbano”?

O processo de escrita dos poemas e seus momentos de produção foram, de certa forma, catárticos, sofridos e, ao mesmo tempo, tranquilizadores. Parece confuso, mas foi, e é desse jeito. Escrever é um processo solitário e demorado. Os poemas foram sendo escritos ao longo de alguns anos, reflexos de diversas situações e observações. No momento em que decidi organizar um conjunto deles para que resultassem num livro, passei por outro estágio de tensão, porque tive que ir ao meu “baú de guardados” e recolher os poemas que tivessem uma sintonia entre si, uma coerência de pensamentos, uma ideia central enfim. Essa linha que costura os cinquenta poemas é, primordialmente, a solidão. A partir daí, eu me vi na necessidade de uma releitura, reavaliação e recomposição de alguns deles para que se ajustassem ao projeto global.

O conteúdo continua após o anúncio

– Aonde espera que seus versos cheguem?

Essa é “a pergunta”! Antes de qualquer resposta, devo dizer e agradecer à Lei Murilo Mendes de Incentivo à Cultura. Sem ela, seria impossível esse projeto ter qualquer sonho realizável. Espero que os poemas cheguem bem no fundo de corações e mentes, sendo um componente de transformação. Como já disse anteriormente, tenho a pretensão de que, quem ler o “Serurbano”, saia diferente de como entrou. Esse é o objetivo.

“Serurbano”

Autor: Jorge Lenzi

Editora: Paratexto (200 páginas)

Lançamento on-line: 13 de agosto, às 20h. Transmissão no Instagram e no canal do YouTube da Paratexto.

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade pelo seu conteúdo é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir postagens que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.



Leia também