“Os surdos não querem uma educação inclusiva e, sim, uma escola bilíngue”, afirma a professora e escritora Jéssica Gravino
Acumulando experiência como intérprete de Libras nas escolas, a professora juiz-forana Jéssica Gravino percebeu que, na contramão do que se espera, o aluno surdo fica completamente isolado na sala de aula. “Ocorre uma verdadeira exclusão e não inclusão, pregada nas escolas, porque os colegas de turma vinham me perguntar sobre qualquer dúvida, e os professores também. Acabava que eu estava sendo a protagonista. Eu auxiliava como uma intermediária de comunicação, mas entendo que o aluno surdo precisava se comunicar diretamente, porém os demais não sabiam Libras”, lamenta ela, que resolveu “revolucionar” essa falta de comunicação existente, criando um projeto bilíngue (Libras e Língua Portuguesa) com a proposta de atender um público que vai desde os pequeninos até os maiores que estão matriculados no Ensino Médio.
Essa é a história que está por trás da origem da “Turma dos dedos falantes”, cujo primeiro livro – “Turma dos dedos falantes na escola” – acaba de ser lançado, apresentando um conteúdo interativo para as crianças. A cada página, o leitor mirim é convidado a pegar o celular e apontar a câmera para o QR Code que ali está, sendo levado para um ambiente de interação. No meio da narrativa, a garotada é convidada a fazer sinais em Libras, assistir a vídeos no site do projeto e a fazer teatro, entre outras atividades. “Como pais e professores conseguiriam aprender? Com algum material. Mas pesquisar conteúdo na internet não é viável nem completo. Então, temos o livro agora para chegar às escolas e casas dos brasileiros. Juntei minha experiência em sala de aula e meus anos lecionando, e o resultado foi esse livro maravilhoso”, comemora.
Embora só agora, aos 28 anos, Jéssica tenha se lançado como autora de livros, aos 15 anos, ela já tinha o desejo de escrever. Faz dois anos que ela começou a procurar uma editora, mas não teve sucesso, o que a levou a investir no mercado independente. Já sua relação com a Língua Brasileira de Sinais vem desde a infância, período em que fazia mímicas para se comunicar com uma prima que é surda. Depois, estudando em um colégio interno em Petrópolis, onde havia um coral de Libras, ela se apaixonou de vez pelo idioma. Formou-se em Pedagogia e em Letras, fez pós-graduação em alfabetização e letramento e em Libras e mestrado em educação.
Nesta primeira aventura contada em livro, ela convidada a meninada a conhecer uma turminha de uma escola inclusiva. No primeiro dia de aula, deparando-se com a barreira de se comunicar com um amigo que é deficiente auditivo, os estudantes encaram o desafio de aprender a Língua Brasileira de Sinais. Para conhecer o projeto e adquirir a “Turma dos dedos falantes na escola” o endereço é www.dedosfalantes.com.br .
Marisa Loures – Entendo que o livro é uma parte de uma iniciativa bem maior. O que é o projeto “Turma dos dedos falantes”? O que mais vem por aí?
Jéssica Gravino – Esse é o primeiro livro de uma linha até o Ensino Médio. O projeto visa ensinar libras de uma maneira inclusiva, lúdica e interativa, junto com o celular. Queremos promover o bilinguismo nas escolas: Libras & Língua Portuguesa. E, com o livro, o professor ou os pais têm esse material como apoio e, assim, ambos aprenderão Libras.
– Além de contar a história dessa turminha dos dedos falantes neste livro, você proporciona ao leitor mirim a possibilidade de interação. Ao longo do texto, por exemplo, o leitor é convidado a parar para assistir a vídeos disponíveis no site do projeto, a fazer dinâmica em forma de teatro e a se arriscar a fazer alguns sinais em Libras. A proposta é que a criança sinta-se dentro da história?
– Acreditamos que a criança precisa ser protagonista do seu aprendizado, então é convidada a realizar alguma ação em todas as páginas do livro para que fique gravado em sua mente. O aluno precisa internalizar o que está se passando na história, mesmo sem perceber que estamos inserindo nele um pensamento inclusivo. Pelo QR Code, os cegos e surdos também podem ter cesso completo ao material. Para os cegos, temos o braile indicado na capa e, assim, ele pode escutar a audiodescrição. Para os surdos, temos a interpretação em Libras, pois sabemos que nem todos os surdos sabem a língua portuguesa.
– E, nas escolas regulares, o que é necessário para que, verdadeiramente, ocorra uma boa inclusão de alunos e alunas com surdez?
– Há a necessidade de a escola, particular ou pública, ser toda bilíngue. Precisamos oferecer uma comunicação plena de funcionários, alunos, pais, professores. A presença do intérprete é importante, mas não uma inclusão total. É uma medida paliativa. A eficaz é todos se envolverem nesse mundo silencioso.
– Por falar nisso, está em tramitação um projeto de lei que prevê o ensino de Libras como obrigatório para todos os alunos e não só para os que possuem deficiência auditiva. O que pensa a respeito? É uma iniciativa importante?
– A iniciativa de a Libras ser obrigatória é muito boa e o ideal. Cada pessoa que contribuir um pouquinho com esse projeto já seria legal. Os surdos não querem uma educação inclusiva e, sim, uma escola bilíngue, onde todos da escola saibam essa língua. Com um contato diário com a língua, todos ficarão fluentes, porém todos precisam se envolver. O Brasil ainda é atrasado nesse quesito, mas podemos começar a mudar esse quadro.
– De maneira geral, os docentes estão preparados para oferecer um ambiente adequado para a inclusão? O que é preciso para que isso aconteça de verdade?
– Infelizmente, os docentes não têm essa matéria na faculdade com o devido valor. Seis meses é muito corrido, e eles não saem fluentes em Libras. É necessário ter mais cursos, mais comunicação verdadeira e direta entre aluno e professor. Inclusive, eu mesma dou curso para adultos. Geralmente, são professores que estão em busca de se aprimorar mais, mas isso é a minoria.
– Como diz no site do projeto, fala-se muito sobre a surdez e a comunidade surda, mas poucos se interessam e, muitas vezes, acabam desistindo no meio do processo de aprendizado da segunda língua. Por que isso acontece? O que pode ser feito para mudar essa situação?
– Como qualquer língua, há um processo de aprendizagem demorada. Muitos acham que é uma mímica, algo fácil, e acabam se frustrando. É difícil, mas é possível. Há a necessidade de dedicação para a língua. Caso pare, vai perder o que já aprendeu. A Libras tem sua própria gramática e especificações, então, é um processo longo. Como os surdos têm dificuldades com a Língua Portuguesa, se não tiver intérprete, o aluno fica isolado, sem amparo. O intérprete ajuda, mas não resolve 100%. Precisamos é de mais envolvimento da sociedade e amor ao próximo.
– Quais projetos você faz para a “Turma dos dedos falantes na escola”?
– Quero que o livro chegue a todos os lares e escolas brasileiras para que a libras seja divulgada mais ainda. Que vá desde o Ensino Infantil até o Ensino Médio. O livro viralizar é um primeiro passo. Ter esse primeiro contato e desbloqueio com a Libras é muito importante. Quero fazer treinamentos para professores para que possam ensinar os alunos nas escolas. Quero fazer um projeto maior e levar a Turma dos Dedos Falantes até locais, como parques, bancos, consultórios. Imagine ter uma placa em algum ponto turístico: “Aqui tem a turma dos dedos para fazer a interpretação de libras”. Um sonho que um dia pode se tornar realidade.
“Turma dos dedos falantes na escola”
Autora: Jéssica Gravino
Conheça o site do projeto Dedos Falantes.