Ismair Zaghetto estreia no romance com ‘O almirante e a bailarina’

Por Marisa Loures

03/07/2017 às 15h47 - Atualizada 03/07/2017 às 15h47

Com o livro, Ismair Zagheto inicia a coleção “Vidas”, que se constituirá, ainda, do romance “Maria Madalena do Brasil” – foto de Felipe Couri.

Com primor, Ismair Zaghetto fez história no jornalismo da cidade. Atuou em redações de jornal, estúdios de rádio e TV e lecionou antropologia e sociologia. Foi a fundo em suas pesquisas e nos entregou três livros sobre a historiografia de Juiz de Fora. Também já flertou com a ficção, escrevendo a coletânea de contos, “Chá com Procópio Ferreira”, lançada em 2012. Revelando, aos 83 anos, certa impaciência para a pesquisa, ele, agora, quer mesmo é permanecer no universo ficcional e lança “O almirante e a bailarina” (280 páginas), primeira obra da coleção “Vida”, que se constituirá, ainda, do romance “Maria Madalena do Brasil”.

Ainda que seja novato no romance, Ismair cria uma trama com a segurança de um veterano no gênero. Ao ler as primeiras linhas da obra, o leitor já vê ali os ingredientes de uma apaixonante história: amor, aventura e emoção. Fernando de Aragão Dornell é um almirante de esquadra, posto maior no círculo de Oficiais Generais da Marinha, renomado cientista e bonito homem. “Moreno, vasta cabeleira negra, olhos grandes e amendoados. Queixo firme e sorriso impecável. Elegante em seus quase dois metros de altura, gentil. E para alegria de tantos corações que por ele suspiravam, solteiro.” É filho de nobres espanhóis e vai se envolver em um relacionamento arrebatador, fora dos rígidos padrões sociais de suas origens.

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“Busquei a Marinha, exatamente, para ampliar o choque, a distância social entre os dois protagonistas. Eles vão se encontrar de forma inesperada. A história começa na Espanha Franquista, dos anos 50, 60 e 70. Aquela Espanha cruel da ditadura de Franco. Tem um sequência no Rio de Janeiro e prossegue rumo ao Pantanal”, conta Ismair. O lançamento de “O almirante e a bailarina”, segundo o autor, foge a formalidades, o que justifica a não confecção de um convite impresso, e está programado para a próxima quinta-feira, dia 29 de junho, às 19h30, no Alameda Mall (Rua Moraes e Castro 300 – Alto dos Passos).

Marisa Loures – “O almirante e a bailarina” inicia-se na Espanha, ainda franquista. Qual a importância desse recorte histórico para seu livro?

Ismair Zaghetto – Esse recorte tem dois aspectos. Um é definir a personalidade do pai do protagonista. O protagonista não nasceu na Espanha, mas o pai dele, sim, nasceu na Espanha franquista. Quero mostrar que aquele que vem a ser o pai do protagonista não se filiava ao conservadorismo cruel e intolerante de Francisco Franco, é uma pessoa profundamente humanitária e vai influenciar muito na formação do filho, que será o almirante. Um dos membros dessa família vem para o Brasil. O filho já mostra esse pendor para o exercício da humanidade, na sua forma mais delicada e sensível, ao se recusar a continuar desenvolvendo as lides empresariais que o pai instalou no pantanal mato-grossense. Ele foi se alistar na marinha, falou que não queria ser apenas um cidadão rico, de berço. Queria ser marinheiro, gosta do mar.

 Seus personagens são tão detalhados que nos dá a impressão de serem pessoas reais. Eles existem de verdade?

– A namorada do meu neto falou exatamente isso: “É curioso ver seus personagens, Ismair. Por que você os detalha tanto?” Para torná-los críveis. Passei a vida toda lendo, leio muito, e essas leituras, sobretudo de histórias, me levam à conclusão de que uma história que você conta é tanto mais crível quanto crível é o personagem. É uma forma de torná-lo bem humano, cruel, terrível ou não, exatamente calçando esses aspectos de sensibilidade e de não sensibilidade.

– Há alguma obra e escritor que tenham te inspirado na escrita desse livro?

– É possível que muitos tenham me inspirado. Vivi muito, li muito, conheci muita gente, já vivi tudo de tudo e talvez um pouco mais. Então, tudo que existe de pessoas, fatos, situações, numa história que eu conte, não posso dizer que seja mera coincidência, porque pode não ser, em virtude dessas situações. Em 50 anos trabalhando em jornal, rádio e televisão e lecionando, por, pelo menos, 40 anos, conheci tudo que você possa imaginar. Por isso, nem sempre, pode-se dizer que você não está copiando alguma coisa. É aquela velha história do plágio, daquele cidadão que plagia sem saber que está plagiando pelo recorte intrínseco da mente que nele permaneceu.

Definitivamente, finquei o pé na ficção e por uma razão muito simples: completei também o ciclo do pesquisador. O pesquisador completou o ciclo dele, digamos assim, no complemento do nível de paciência. Já não tenho mais paciência para o exercício da pesquisa. A redação ainda me dá muito prazer, porque a ficção não te traz o compromisso histórico e documental. Pode até trazer o compromisso histórico, mas o documental não.

– É seu quinto livro, sendo três voltados para a historiografia de Juiz de Fora e um conto, e o primeiro romance. Em qual gênero você se sente mais à vontade?

– Com “Mello Reis e o sonho da metrópole e da cultura”, completei o ciclo do historiador. Definitivamente, finquei o pé na ficção e por uma razão muito simples: completei também o ciclo do pesquisador. O pesquisador completou o ciclo dele, digamos assim, no complemento do nível de paciência. Já não tenho mais paciência para o exercício da pesquisa. A redação ainda me dá muito prazer, porque a ficção não te traz o compromisso histórico e documental. Pode até trazer o compromisso histórico, mas o documental não.

– Mesmo tendo encerrado o ciclo do pesquisador, o jornalista está ali presente na ficção?

– Sempre presente. Quando falo que nada é mera coincidência, talvez o jornalista esteja exatamente ali, recortando, valorizando a informação, calçando a história, ilustrando o verniz do personagem, buscando aqueles aspectos de veracidade que nos impulsionam a alicerçar o ciclo de uma história. Ali, você está contando e remontando. Ter completado o ciclo do pesquisador, não te exclui da necessidade de pesquisar coisas. Nesse momento, por exemplo, estou pesquisando muito sobre Salvador, cidade que conheço de três visitas. A segunda obra da coleção “Vidas” é toda desenvolvida na capital da Bahia. Então, isso está me levando a ter que pesquisar muito sobre o cotidiano dessa cidade.

– Quando começa a escrever ficção, já tem o final em mente?

– Engraçado que, como jornalista, já fiz essa mesma pergunta a escritores que entrevistei, e eles me diziam, exatamente, que não tinham o complemento da história, tinham o start dela, mas o desfecho não. Pode até parecer certo laivo de frescura falar isso, mas o personagem ganha um fôlego tão forte que, não raro, é ele que ele te conduz.

– Para um homem que viveu muitos anos em redação, é possível manter-se distante das discussões, longe da produção jornalística, nesse momento da nossa política brasileira? Dá vontade de escrever algo sobre o assunto?

A gente se envolve sempre. Acho que qualquer pessoa que tenha qualquer tipo de formação humana ou acadêmica, é muito atraída por esse cotidiano que o impacta tanto. Para nós de comunicação, acho que impacta mais ainda. Você não fica indiferente a isso de forma alguma. Às vezes rindo, às vezes lamentando profundamente, como, no momento, lamento profundamente. É ter esperança.

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Trecho do livro  “O almirante e a bailarina”

“E mais: aos 37 anos, era o mais jovem membro do Almirantado brasileiro, que passara boa, senão a maior parte de sua vida profissional em palestras, seminários e congressos internacionais. Tudo nele era singular. Sua carreira meteórica fora impulsionada pela projeção científica que proporcionava ao país. Na sua área de estudos – as correntes marinhas -, sempre foi considerado maior autoridade do planeta.

Provavelmente, a promoção a almirante – posto maio na Círculo de Oficiais Generais da Marinha, e só concedido em caso de guerra, talvez ocorresse em tempo não muito distante, por tudo que seu trabalho trazia ao prestígio do país. Afinal, ele era uma singularidade.

Além de todos esses predicados, um homem bonito. Moreno, vasta cabeleireira negra, olhos grandes e amendoados. Queixo firme e sorriso impecável. Elegante em seus quase dois metros de altura, gentil. E, para alegria de tantos corações que por ele suspiravam, solteiro.

Não que ele não namorasse, e bastante, mas relacionamento duradouro, nem pensar. ‘Isso vai ter o tempo certo’, dizia para poucos amigos mais íntimos. Mesmo porque tinha à sua frente um zagueiro implacável e difícil de ser ultrapassado: sua mãe. Ciúme patológico, dona Carmen buscava logo espantar quem se aproximasse muito. Não poucos namoros do militar deixaram de prosperar por sua interferência.”

“O almirante e a bailarina”

Autor: Ismair Zaghetto

Editora: Editar (280 páginas)

Lançamento dia 29 de junho, às 19h30, no Alameda Mall (Rua Moraes e Castro 300 – Alto dos Passos).

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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