Um passeio pelas memórias de Vó Filó

Por Marisa Loures

01/06/2021 às 07h30 - Atualizada 31/05/2021 às 20h10

Magda Trece leva o leitor a visitar as memórias de sua infância, vivida em um casarão na pequena Mar de Espanha, a partir de novo livro da Coleção Vó Filó – Foto de Rafael Aguiar

Magda Trece acaba de lançar mais um livro, e esse nasce com gostinho da nossa infância. Dizem que é uma obra voltada para crianças, mas as recordações que lá estão arrebatam o coração até de um adulto, remetendo o leitor para a época em que as brincadeiras mais felizes eram aquelas realizadas por entre os lençóis que nossa mãe estendia no quintal de casa. “O varal de memórias de Vó Filó” (Trece Edições, 32), ilustrado por Monise Pedrosa, é o quarto título da Coleção Vó Filó, também composta por “Vó Filó: A caçadora de maravilhas”, “Vó filó em cadê o banho que estava aqui?” e “A esperança de Vó Filó”.

E é assim que começa a história: cai uma chuva forte, a luz vai embora, e as mascotes Lili Lilás e Esperança ficam com medo. Já que Vó Filó consegue enxergar maravilhas em qualquer situação, ela aproveita o momento e leva suas duas amigas para conhecerem seu “varal de memórias”, e aí as lembranças dela, que também são de Magda, conduzem o leitor a uma época de simplicidade e muito afeto. Sombras na parede, carrinhos produzidos com latas de sardinha, boizinhos que nasciam a partir de palitos espetados em batata e chuchu, além de casinhas feitas de caixas de fósforo, são apenas algumas das diversões que Filomena retirou de seu balaio repleto de retalhos. Televisão? Parecia um caixote e somente em preto e branco. Para telefonar, era preciso ir à estação telefônica da cidade.

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Sei que os livros de Magda Trece são adotados por cerca de 40 instituições. “O varal de memórias de Vó Filó”, por exemplo, acabou de ser gestado e já engrossou esse número. As professoras não se cansam de elogiá-la, derretendo-se pelo trabalho que ela desenvolve na literatura infantil. Por isso, resolvi, hoje, ceder o espaço desta coluna para três delas baterem um papo com a autora: Andréia Aroni (Colégio Nossa Senhora do Carmo), Livian Kneip (Colégio dos Santos Anjos) e Samanta Schmitz (Colégio Academia). Já aviso, leitor, que é difícil não se emocionar com essa nova história contada pela Magda e, ao longo desta entrevista, você já vai começar a entender por quê. Para conhecer todos os livros lançados por ela, acesse aqui.

Casarão onde Magda Trece viveu a infância, em Mar de Espanha, e que é retratado no livro “O varal de memórias” – Foto Douglas Veras

 

Para a professora Andréia Aroni, trabalhar com os livros de Magda  possibilita resgatar emoções que as crianças estão deixando de  sentir – Foto acervo pessoal

Andréia Aroni – O livro “A esperança de Vó Filó” foi escrito em 2019; nós não imaginávamos viver esse terrível pesadelo chamado Covid-19. A abordagem que você fez pareceu prever toda essa dor, as perdas, trazendo alento e conforto para os professores e as crianças que puderam ter contato com o livro. Você esperava que essa obra pudesse ser tão confortante e motivadora?

– Magda – Algo de muito especial aconteceu com esse livro, eu tenho certeza disso. Antes do lançamento dele, em outubro de 2019, ele havia praticamente esgotado, o que me fez partir para a segunda tiragem, que foi entregue pela gráfica uma semana antes da pandemia. E, quando tudo explodiu, eu com o livro na mão, me emocionei profundamente, pois ele retratava incrivelmente o que aconteceu: no livro, o mundo ficou cinza. E, na realidade, nós fomos jogados dentro do cinza do concreto das paredes de nossas casas. Muitos de nós perdemos a esperança diante de tanta dor. Enfim, realmente é como se fosse uma “previsão do caos”.  Diante disso, eu nunca imaginei que a busca pela esperança pudesse ser usada de forma tão linda e necessária pelos professores para trazer conforto e motivação para as famílias. Com certeza, isso teve um propósito maior do que nós podemos explicar.

Andréia – Ao escrever “O varal de memórias de Vó Filó”, em algum momento, você imaginou que fosse provocar choros, sorrisos, lembranças e até taquicardia em algumas pessoas que reviveram suas próprias histórias através de seu olhar sensível?

Ahhhhhh… é exatamente o que eu espero que aconteça, que o gatilho da memória seja disparado e que os retalhos pendurados no varal de cada um sejam leves, esvoaçantes e que provoquem sorrisos, choros, lembranças e até taquicardia sim. E tenho uma proposta para os professores ou pais: façam um varal em suas casas, peçam às crianças que coloquem seus retalhos com o dia mais importante de suas vidas, ou o dia da melhor gargalhada, ou o dia que sentiram medo, ou algum retalho que seja único para eles e que mereça ser costurado junto com os pais. Eu acho que será emoção à flor da pele.

“O varal de memórias de Vó Filó” ganhou ilustrações de Monise Pedrosa – Foto Monise Pedrosa
A professora Lívian Kneip trabalha a obra de Magda Trece com os alunos – Foto arquivo pessoal

Livian Kneip – Como surgem as suas ideias para escrever?

Às vezes, pelo simples desejo de abordar um tema, como no caso do “Varal de memórias”. Eu desejei registrar minha história, mas a maioria das vezes é pela escuta de conversas interessantes ou observação de detalhes. Há um tempo eu estava caminhando pelas ruas e passei por uma casa com uma varanda mínima cheia de latinhas com plantas que, tenho certeza, foram plantadas com requinte de carinho. Era tanta singeleza na varanda que parei, fotografei para não esquecer nenhum detalhe e decidi: “vou escrever sobre aquela casa, e vai dar uma linda história. Ela já está dormindo dentro de mim.”

Livian – Qual das tuas histórias te define?

– Minhas histórias têm muito do meio jeito atrapalhado e único de ser, todas têm um pouco de alegria, de magia, de graça. Como diz minha filha, eu deveria ser estudada pela Nasa pelas conexões loucas que faço na minha mente. Mas, sem dúvida, a Vó Filó me define integralmente:  no agir, no sentir e até no vestir, pois amo chapéus, tênis, bolinhas e muita cor. Mas, sobretudo, sou uma incansável caçadora de maravilhas. Eu nunca desisto de ver o belo nas coisas, e atualmente eu escolhi retratar a leveza, pois eu acho que as crianças merecem um sopro de suavidade.

Magda já lançou quatro títulos da coleção Vó Filó: “Vó Filó: A caçadora de maravilhas”, “Vó filó em cadê o banho que estava aqui?” , “A esperança de Vó Filó”  e “O varal de memórias de Vó Filó”- Foto Divulgação

 

Samanta também é professora e afirma que “O varal de memórias de Vó Filó” foi capaz de levá-la para os tempos de infância – Foto acervo pessoal

Samanta Schmitz – Magda, como você percebe a restrição da faixa etária para a literatura infantil, uma vez que não há essa classificação para adultos?

– Eu não gosto da restrição, eu acredito exatamente na amplificação de possibilidades de se apresentar o mesmo livro para diversas faixas etárias e provocar encantamento em cada uma delas, de diferentes formas. Para que isso aconteça, é necessária uma condução estratégica de quem vai promover o encontro do livro com o leitor. É delicioso quando uma escola me surpreende com a adoção de um dos meus livros nos dois seguimentos: Educação Infantil e Fundamental I. É nesse momento que eu me emociono com o leque de surpresas das respostas das crianças ao livro.

Samanta – E ao ler o seu livro “O varal de memórias de Vó Filó”, sua narrativa transportou-me para o quintal da minha infância com varais de arame farpado, bambus para levantá-los e moitas de capim que minha avó usava para quarar roupas. E para você, ao escrever este livro, como foi esse mergulho, essa emoção ao revisitar suas memórias?

– Senta que lá vem história… e essa é grande e forte! Quando eu decidi escrever esse livro, eu tinha em mente vários tópicos que eu gostaria de abordar, como tipos de plantas, mapas, brincadeiras. Fiquei três dias enchendo lixeira com rascunhos amassados, pois a história não vinha. Eu a desejava, mas ela ainda não havia nascido em mim. Finalmente, vencida pelo cansaço e um pouco de decepção, larguei tudo de lado e fui fazer outras coisas. Fiquei de molho por cinco dias, sem querer pensar no livro. Até que me fiz uma pergunta: “qual a lembrança de sua infância que te faz sorrir?” E, fechando os olhos que já sorriam harmoniosamente com a boca, revi minha mãe levantando com o bambu o varal lotado de lençóis extremamente brancos. Pulei do sofá para a cadeira, e o livro veio inteiro, com pressa, com ânsia de detalhes. Os detalhes eram tão importantes para mim que me fizeram ir ao casarão da minha infância e pedir permissão para fotografar janelas, portas e o quintal, para que a Monise Pedrosa, a ilustradora, pudesse tocar essas memórias e transportar para o livro, da forma mais autêntica possível. Mas, ao subir a escada do casarão, o coração saiu do compasso, e, ao pisar na sala, o choro veio desgovernado e intenso. Eu só conseguia dizer entre soluços para a querida Vanilda, atual proprietária do casarão, que era um choro de felicidade, pela infância linda que eu tive o privilégio de ter.

“O varal de memórias de Vó Filó”

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Autora: Magda Tree

Ilustradora: Monise Pedrosa

Trece Edições (32 páginas)

Acesse aqui para conhecer toda a obra de Magda Trece.

 

Trecho do livro “O varal de memórias de Vó Filó”

“A chuva caía de forma nervosa sobre o telhado, enquanto o vento, ahhhhh…, esse brincava solto de zigue-zague entre os pingos, descabelava as árvores, rodopiava os passarinhos corajosos, que teimavam em enfrentar a tempestade, e empurrava a chuva para molhar as samambaias, os antúrios e as espadas de São Jorque que enfeitavam a varanda de Vó Filó. Ela amava essas plantas, dizia que eram plantas ‘do tempo de sua mãe’.

Vó Filó estava na sala contando histórias para Esperança e para Lili Lilás…

A fumaça do café quente saía da caneca fazendo desenhos no ar…

Os bolinhos de chuva que Vó Filó não queimou eram de dar água na boca…

Esta era uma noite perfeita para aconchego e carinho.”

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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