A mentira faz parte do jogo democrático?

Por Bruno Stigert, advogado e professor da Faculdade de Direito da UFJF. Mestre pela UERJ e doutor pela UFF

24/11/2021 às 07h00 - Atualizada 24/11/2021 às 16h22

Introdução

O presente texto propõe uma reflexão crítica sobre as fake news e os prejuízos que elas provocam para as democracias contemporâneas. Nossa hipótese segue a premissa de que a mentira não é protegida pela liberdade de expressão e deve ser sempre combatida pelo Estado e rechaçada pela sociedade.

I – Contextualizando o tema

A pós-modernidade é reconhecida pelo fetiche da velocidade. Ideias e argumentos circulam em quantidade e agilidade jamais experimentadas, o que não significa qualidade, obviamente. Esse fetiche trouxe consigo o problema das denominadas fake News e com elas as seguintes indagações: propagar mentiras é a mesma coisa que usar o direito de expressar livremente opiniões e ideias? Qual a diferença entre liberdade de expressão e fake News?

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II- Significado e alcance da liberdade de expressão

Há quem afirma que a liberdade de expressão não deve tão-somente proteger a difusão de argumentos simpáticos e comuns a todos, mas também aqueles com as quais nós não concordamos. O remédio contra as más ideias deve ser a divulgação de boas ideias e a promoção do debate, não da censura. Do outro lado, há quem defenda que as manifestações de intolerância não devem ser admitidas, porque violam princípios fundamentais, como os da igualdade e da dignidade humana.

O pensador norte-americano Ronald Dworkin formula duas justificações para a liberdade de expressão: uma instrumental e outra constitutiva. A primeira sustenta que a mais ampla liberdade de expressão permite a melhor escolha política, protegendo o povo contra a tirania e inibindo a corrupção. Já a constitutiva, por seu turno, apoia-se na ideia de que o Estado deve tratar seus cidadãos como agentes morais individuais e responsáveis, que devem poder ter acesso a qualquer tipo de informação ou de opinião, para, assim, tomar suas decisões. Nesse sentido diz o autor que “o Estado insulta seus cidadãos e nega a eles a sua responsabilidade moral, quando decreta que não se pode confiar neles para ouvir opiniões que possam persuadi-los a adotar convicções perigosas ou ofensivas”.

III- Mentira não é liberdade de expressão, tá ok?

O que são as chamadas fake news? Como e em que medida elas são prejudiciais à democracia? Qual é a relação entre fake news e liberdade de expressão? Como enfrentar o problema?

Em breve síntese, o termo será aqui proposto como uma notícia ou ideia, parcial ou totalmente inverídica, intencionalmente circulada para enganar uma pessoa ou grupo, influenciando seu comportamento, com propósito de obter alguma vantagem específica e indevida. Um exemplo atual e amplamente conhecido foi a campanha contra as urnas eletrônicas. Após espalhar que provaria as fraudes nas eleições de 2018, na intenção de acumular capital político para aprovar uma proposta de emenda constitucional, o atual Presidente brasileiro teve que assumir publicamente que mentiu. No ponto, a informação falsa (urnas adulteradas) e a intenção de obter vantagem indevida (colocar em dúvida eventual derrota nas eleições de 2022) foram nítidas.

A proliferação incontrolável de fake news tem provocado impactos negativos nas relações sociais e políticas brasileiras. Informações falsas são jogadas no mundo virtual (principalmente nas redes sociais) para abalar instituições, agentes públicos e polarizar ideologias fortes, como as religiosas, por exemplo. Diferente do que ocorre no exercício da liberdade de expressão, as notícias falsas não agregam pessoas e ideias. Pelo contrário, separam concidadãos que dividem o mesmo projeto de país e mundo. Tal estratégia resulta ou pode resultar em seríssimas e irreversíveis implicações, basta lembrar o movimento antivacina e a propagação da informação mentirosa dos kits covid aptos a salvarem vidas. A livre circulação de mentiras não se equipara a livre circulação de ideias, já que inexiste nela o principal elemento: a boa-fé que se pressupõe no embate de opiniões fundamentadas.

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Bruno Stigert

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