Precisamos falar sobre a morte

Por Marcela Morales

19/02/2023 às 07h00 - Atualizada 19/02/2023 às 10h11

O cineasta franco-suíço Jean Luc-Godard morreu no dia 13 de setembro de 2022, aos 91 anos. Um dos grandes diretores da história do cinema, sua morte foi lamentada por cinéfilos. Mas a sua morte também chamou a atenção do público para uma controvérsia ética e jurídica. Ele recorreu ao suicídio assistido.

Uma fonte da família contou para um jornalista do “Libération” que a escolha pelo suicídio assistido “foi uma decisão dele”, informando que “ele não estava doente, estava simplesmente exausto”.
De acordo com o bioeticista Julian Savulescu, o suicídio assistido ocorre quando um terceiro (em geral um médico) intencionalmente ajuda uma pessoa a se matar. É o caso, por exemplo, de uma pessoa que voluntariamente decide morrer e autoadministra uma dose letal de um fármaco prescrito por um médico.

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O suicídio assistido não se confunde com a eutanásia, termo que deriva do grego eu (boa) e thanatos (morte). Apesar da distinção conceitual, é inegável a proximidade entre ambos. Podemos afirmar que são espécies de um mesmo gênero: a morte voluntária. Nesse gênero, a vontade do paciente é requisito necessário, e o consentimento, fundamental.

No Brasil, tais práticas são proibidas por lei – quem administrar diretamente ou fornecer dose letal para alguém pode responder pelos crimes de homicídio ou de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio.

Mas, nas últimas duas décadas, presenciamos uma guinada legislativa em vários países, que passaram a permitir tais práticas. É o caso de Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Argentina, Uruguai, Japão e Suíça. No Canadá isso ocorreu graças a um caso de repercussão. Gloria Taylor recebeu o diagnóstico de esclerose lateral amiotrófica (ELA) e, consequentemente, uma certeza: em poucos anos seus músculos enfraquecerão progressivamente até o ponto em que não conseguirá mais andar, falar, usar as mãos, mastigar ou engolir. Não conseguirá mais respirar. Ela não quer passar por isso e prefere morrer antes.

Gloria Taylor foi, então, à justiça. Se a Constituição canadense garante ao cidadão o direito à liberdade, por que sua decisão não será respeitada? Ela quer aproveitar o pouco tempo que lhe resta enquanto ainda consegue andar, falar, comer e respirar. Quando chegar o momento em que isso não for mais possível – o momento em que a sua existência não coadunar mais com o que entende ser uma vida digna, ela quer que alguém coloque um fim nesse sofrimento. Seu argumento jurídico: as leis que a impedem de receber ajuda para morrer são incompatíveis com o direito à liberdade previsto constitucionalmente. Após ouvir especialistas (médicos, filósofos, bioéticos), a juíza Lynn Smith decidiu pela inconstitucionalidade das leis que proíbem ajuda médica nesses casos. Se a nossa capacidade de escolha autônoma não for respeitada, o que nos resta de dignidade e liberdade?

Apesar da compreensível dificuldade que temos para conversar sobre a morte, passou da hora de começarmos um debate público sério e responsável sobre o tema. Finalizo com o filósofo grego Epicuro: “A arte de viver bem e a arte de morrer bem são uma só”.

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Marcela Morales

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