Quem lacra não lucra?

Por Estefânia Rossignoli

21/07/2021 às 07h00 - Atualizada 20/07/2021 às 17h12

Tema que muito me é caro no Direito Empresarial – e quem já leu minhas outras colunas já deve ter percebido – é pensar no papel da empresa na sociedade e como ela pode ser um instrumento de transformação e busca pela justiça social. Já tratei aqui sobre a função social da empresa, em seus dois caminhos, quando ela é necessária como meio limitador da atividade empresarial que não está cumprindo seu papel na sociedade e quando tal função é o fundamento jurídico para a criação de mecanismos de salvaguarda da empresa. Observem que quando falamos de função social, estamos falando de questões ligadas à atividade fim, por exemplo, uma fábrica de álcool gel que, diante do aumento da procura, aumente abusivamente seu preço, não está cumprindo seu papel social e deverá sofrer limitações do estado. Em compensação, uma loja que ficou com as portas fechadas por conta da pandemia e não está podendo exercer sua atividade, deverá receber auxílio governamental, e este não é apenas financeiro, para que não vá à falência.

Porém, e quando não estamos falando apenas do exercício da atividade fim, a empresa tem algum papel na sociedade? Uma empresa pode ajudar a sociedade a se conscientizar mais sobre questões ambientais, sociais, de classe, religiosas, políticas, dentre outras? Neste caso, não falamos mais em função social, mas em responsabilidade social. Esta consiste na integração voluntária das empresas com preocupações sociais e interação com a comunidade. É o momento em que as atividades empresárias vislumbram que seu papel na sociedade vai além de um simples instrumento de produção de lucros.

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Nas últimas décadas, assistimos um crescimento bem forte desta noção dentro do meio empresarial, em que as empresas começaram a se portar como socialmente responsáveis. Vimos aumento no investimento em desenvolvimento sustentável, em ações publicitárias pregando respeito e extinção de práticas preconceituosas, dentre outros exemplos. Neste contexto, muitas vozes defenderam que essas práticas empresariais tinham um único objetivo: aumentar a lucratividade. Há quem entenda que uma empresa que se coloca como socialmente responsável o faz apenas para ser bem vista aos olhos do seu público consumidor e com isso fidelizar cada vez mais sua clientela. Penso que pode ser hora de repensarmos.

Isso porque, há alguns anos, muitas empresas estão de fato “enfrentando” temas sociais espinhosos e que, infelizmente, ainda dividem muito a nossa sociedade. Digo infelizmente, pois é lamentável que as pessoas ainda se ofendam, por exemplo, com uma empresa que cria um comercial para defender as diversidades de famílias e mostre que para uma criança que é criada onde se tem amor e respeito, não importa qual a configuração desta família. Mas o que se viu há algumas semanas foi uma marca de alimentos ser atacada, até em rede nacional, ao vivo, por ter feito uma campanha publicitária com este viés.

E esta não foi a primeira vez que uma empresa usou de seu marketing para propagar ideias de respeito à causas como a LGBTQIA+, combate ao racismo e machismo e sofreu fortes ataques de grupos reacionários que fazem até campanha para afastar seus consumidores, valendo-se da máxima de “quem lacra não lucra”… Não se pode ter certeza se as empresas que se arriscam em se posicionar em tais temas, por muitos vistos como polêmicos, ganham ou perdem em termos de lucratividade, mas não é crível que esta postura tenha como único objetivo ganhar a clientela, pois para isso existem meios mais seguros. Quero sim acreditar que as empresas passaram a enxergar sua responsabilidade social e espero que continuem usando seus espaços para diminuir as injustiças sociais e, porque não, continuarem lucrando, mas que este não seja um fim em si mesmo.

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Estefânia Rossignoli

Estefânia Rossignoli

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