PL 4188 – Uma clara defesa dos interesses do sistema financeiro

Por Estefânia Rossignoli

19/06/2022 às 07h00 - Atualizada 20/06/2022 às 08h04

Um tema parece estar rondando minhas participações aqui neste espaço e agora ele surge de uma forma extremamente preocupante: questão da penhorabilidade do único imóvel de residência de um devedor, o conhecido bem de família. Nas minhas últimas duas colunas, eu tratei de questões que envolvem este tema no âmbito do contrato de locação. Agora vamos tratar do PL 4188/2021 que provavelmente muitos leitores ouviram falar nas últimas semanas. Trata-se de um projeto de lei, aprovado na Câmara dos Deputados em 01/06/2022, que permite que bancos e instituições financeiras possam penhorar o único imóvel de uma família para quitar dívidas.

De autoria do poder executivo e denominado como projeto que “institui um marco legal para o uso de garantias destinadas à obtenção de crédito no País”, dentre outras previsões, traz a possibilidade de as instituições financeiras penhorarem um bem de família de um devedor, desde que ele tenha sido dado em garantia no momento da realização da contratação do crédito.
Em um primeiro momento, tal projeto pode até soar como coerente, afinal, está se falando de uma situação em que o devedor, de “livre e espontânea” vontade, ofereceu o imóvel como garantia no momento que buscou o crédito na instituição financeira.

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Porém, a expressão da frase anterior não foi colocada entre aspas à toa. Desde que o projeto foi aprovado na Câmara, o que se tem questionado é se de fato os devedores, no momento em que muito provavelmente estão passando por crise financeira, estarão realmente com a vontade livre ao ofertarem seu único imóvel como garantia, podendo ficar sem a casa própria em caso de inadimplência. Isso em um momento de grave crise econômica, em que as famílias brasileiras estão endividadas e a fome assola grande parte do país.

Para quem teve a oportunidade de ler minha última coluna, esta manifestação de agora pode parecer contraditória, pois naquele momento eu defendi que o locatário não poderia oferecer o bem como garantia e depois alegar bem de família. Mas trata-se de situações distintas. Em um contrato de locação, na maioria das vezes, há paridade entre partes contratantes. Agora estamos diante de uma relação com grande disparidade em que as instituições financeiras possuem o poder econômico nas mãos e o consumidor está em situação de vulnerabilidade.

A verdade é que o projeto de lei tem uma clara intenção: proteger os interesses do sistema financeiro, em detrimento da dignidade da pessoa humana. Não é possível crer nos motivos apresentados pelo poder executivo e pelos Deputados que o aprovaram na Câmara, que alegam que a intenção é diminuir os riscos do inadimplemento e consequentemente tornar o crédito mais barato, fomentando a economia. Isso é o mesmo que acreditar que a cobrança de despacho de bagagens iria baratear as passagens e que a reforma trabalhista iria aumentar os postos de trabalho formal.

O famigerado projeto partiu para a análise no Senado sob muitas críticas e espera-se que o desfecho por lá seja diferente, isto é, que os senadores o rejeitem, ao menos na parte da penhora do bem de família. No momento que estamos vivendo, é preciso que o direito projeta os mais vulneráveis e não que os deixe ainda mais expostos.

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Estefânia Rossignoli

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