Darth Putin e sua lição sobre democracia

Por Carlos Eduardo Paletta Guedes

17/04/2022 às 07h00 - Atualizada 13/04/2022 às 15h02

No universo kitsch das redes sociais, onde tudo vira meme, piada ou acusação, não demorou para aparecer personagem para lá de curioso: o Darth Putin do Twitter. No dia 04 de abril, ele escreveu: “Dia 40 da minha guerra de 3 dias. Meu exército não recuou de Kiev, foi uma operação especial de avanço para trás. Continuo sendo um mestre estrategista”. Como em toda guerra, o fator personalidade do líder conta muito. Podemos sempre especular se Putin é um grande estrategista ou se sua guerra foi um avanço para trás. Pelo que diz a última pesquisa de opinião russa sobre a guerra, ele vêm angariando forte apoio popular em seu país.

Em seu livro “Diplomacy”, Henry Kissinger diz que a característica mais marcante da Rússia é o paradoxo. Em constante guerra e expansão, ela se considera permanentemente ameaçada. E acrescenta: para sustentar seu regime e superar tensões dentre suas várias populações internas, todos os governantes russos invocam o mito de uma vasta ameaça exterior que, com o tempo, acaba por se tornar profecia autorrealizável que abala a estabilidade da Europa. O livro de Kissinger é de 1994, mas parece que foi escrito hoje.

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Deixando de lado a política dos palácios e chegando à cozinha das casas simples, pego outro livro da estante: “O fim do homem soviético”, de Svetlana Aleksiévitch, ucraniana que ganhou o Nobel de Literatura em 2015. Nessa sua obra de 2013, escrita a partir de centenas de entrevistas feitas na intimidade dos lares russos, um entrevistado confessa: “apesar de tudo, eu sou um imperialista, sou sim. Quero morar num império. O Pútin é o meu presidente”. O espectro de Philoteus de Pskov, que profetizou Moscou como a Terceira Roma, ainda assombra a Europa.

Para além desses elementos da cultura expansionista russa, temos ainda outra lente para observar esse conflito: a luta entre democracia e autocracia. Tudo indicava que as autocracias – governos conduzidos por uma única pessoa ou pequeno grupo que tem poder ou autoridade ilimitados – estavam levando vantagem sobre as democracias mundo afora.

Mas eis que Putin invade a Ucrânia. E algumas das fraquezas do modelo autocrático foram expostas ao mundo. O autocrata, afinal, pode decidir sozinho uma guerra que pode ser desastrosa para seu país. A divisão de poderes, a pluralidade de vozes na política e na imprensa, o aparato institucional cacofônico típico das democracias revelam seu valor quando as opiniões fluem livremente, criando contrapontos vindos de todos os lados, inclusive de especialistas que podem dar sua contribuição sem temor. Nas autocracias, onde o medo de desagradar o líder costuma ser comum e a incompetência é valorizada, o fluxo de informações nem sempre será o melhor e erros têm mais chance de ocorrer.

Voltamos, assim, à personalidade dos governantes, que tantas vezes preferem a companhia de puxa-sacos e incompetentes. Raymond Aron disse que o último livro que gostaria de escrever teria como tema o papel da burrice na História. Ainda não sabemos se a guerra de Darth Putin foi um ato de burrice ou não. Mas ele, sem querer, mostrou ao mundo algo que parecia esquecido: apesar de seus defeitos e divisões, a democracia vale a pena – desde que não caia na arapuca de corroer-se por dentro, sequestrada pela agressiva polarização entre progressistas sectários e reacionários ressentidos.

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Carlos Eduardo Paletta Guedes

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