O mito da neutralidade política

Por Bruno Stigert, advogado e professor da Faculdade de Direito da UFJF. Mestre pela UERJ e doutor pela UFF

16/06/2021 às 07h00 - Atualizada 16/06/2021 às 18h35

Recentemente, o debate em torno do que se convencionou chamar “isenção política” ganhou novos ares no Brasil com a manifestação da atriz Juliana Paes, criticando (concordo neste ponto) comportamento dos membros da “CPI da Covid” no depoimento de Nise Yamaguchi, ao dizer que sofre cobranças por não militar publicamente escolhendo um dos lados políticos. Confesso que a afirmação me intrigou por várias razões, porém vou me ater a duas: (1) a primeira é uma pergunta retórica. Qual será a opinião da atriz sobre os adesivos nos bocais de tanques de carros com a então presidenta nua e de pernas abertas? Não encontrei no mundo digital opiniões da atriz sobre o fato; (2) o segundo ponto será objeto das reflexões a seguir. É possível ser verdadeiramente isento no mundo da vida? Quem nunca replicou a conhecida afirmação de Dr. Luther King sobre o silêncio dos bons ser preocupante diante dos gritos dos maus? Portanto, é possível ser neutro?

Neutralidade, justiça e bem são temas importantes nas filosofias política e moral das sociedades democráticas contemporâneas. Vejo com ceticismo o argumento de neutralidade diante de tantas crenças presentes nas sociedades pluralistas. O termo “neutralidade” ou “isenção” deveria ser usado com mais cuidado, pois pode ser compreendido de muitas maneiras. Ora, toda comunidade e/ou pessoa se orienta por valores, e seria dificílimo adotar certa posição sem algum tipo de ônus social, o que deve ser encarado com naturalidade.

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Neutralidade na arena social e política, a meu sentir, só pode ser entendida como exigência para que o Estado deixe de proteger ou acomodar meios que impulsionam concepções de bem comum muito específicas/radicais. Essa é a “isenção” ou “neutralidade” possível. Se as instituições básicas da sociedade e as políticas públicas forem adaptadas de acordo com alguma concepção de bem específica, a neutralidade, em alguma medida, se transforma em adesão.

A política não é um fim em si, como também não é a democracia, ambas são constitutivas de um processo no qual os cidadãos tornam-se conscientes da interdependência entre eles. De Kant a Rawls, passando por Habermas, nossa leitura é no sentido de não haver posição eticamente neutra sobre o que é justo em uma sociedade. No mínimo seria uma visão “pós-metafísica” empreendida por um agente que foge, no mínimo, da justificação de suas posições.

Enfim, a fina percepção de Martin Luther King permanece atual e nos permite, por vezes, fazer ilações diante de pretensas posições “isentas” e sem justificações, num mundo que abriga diversas concepções de vida. Aliás, nunca é exagero lembrar que existem mais que duas concepções, e equilíbrio não é sinônimo de imparcialidade.

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