Democracia em perigo

Por Bruno Stigert

14/08/2022 às 07h00 - Atualizada 12/08/2022 às 19h01

Na última quinta-feira, em diversas localidades e Instituições do país, foi lida a “Carta às Brasileiras e Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito”. Tal carta faz referência direta à “Carta aos Brasileiros”, lida em 1977 pelo Jurista Goffredo da Silva Telles Jr. O documento de 1977 denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção permanente em que vivíamos. Ademais, conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Dez anos depois o Brasil efervescia constitucionalmente e começava a criar a Constituição cidadã de 1988.

A democracia foi a alternativa que a humanidade elegeu contra a força bruta. No lugar das armas dos tempos sombrios, palavras. No lugar das guerras, debates públicos. Em um ambiente em que há pessoas que preferem clubes de tiro a escolas, armas a livros, a democracia brasileira está em alerta, 55 anos após a Carta de Goffredo Telles. A retórica é inevitável: por que uma nova Carta mais de meio século depois?

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Democracia é a capacidade de um povo se autogovernar. Nela, os cidadãos são concebidos não como meros destinatários das normas jurídicas e decisões políticas do Estado. São antes, coautores, uma vez que os Estados Democráticos de Direito lhes asseguram uma efetiva participação no processo de elaboração destas normas: são sujeitos e não mero objeto de dominação no espaço público

Os campos político e jurídico assumem atualmente o papel mediador entre valores pessoais e coletivos. Embora possamos afirmar que ambos possuem uma natureza própria, a experiência jurídica e a experiência política estão ligadas, sendo extremamente importantes para a convivência pacífica da sociedade.

A Carta pró-democracia não foi feita e assinada por pessoas “sem caráter”. Ela manifesta o sentimento de parcela importante da sociedade brasileira, de estudantes a setores relevantes da economia do país. A Democracia só se realiza na prática quando as pessoas se autocompreenderem como dignas de igual respeito e consideração, e a política deve demonstrar deferência por todos os projetos de vida e por todas as identidades coletivas.

O convite pela defesa da democracia no Brasil é sintoma preocupante do fenômeno da recessão ou retrocesso democrático no país. Tal fenômeno é notório nos últimos anos em países como Hungria, Polônia, Rússia e Venezuela, permitindo antecipar algumas características. Nos exemplos mencionados a erosão democrática aconteceu pelas mãos de Presidentes e primeiros-ministros eleitos pelo voto popular, que uma vez no poder pavimentaram lentamente um modelo autoritário e de concentração de poderes no Executivo. Em seguida, perseguem oposição, limitam a liberdade de expressão, enfraquecem as cortes constitucionais indicando juízes submissos (ou realizam atos públicos incitando violência), promovem mudanças constitucionais para ampliação de período de permanência no poder e advogam por reeleições sucessivas. Nesses modelos, friamente arquitetados, cada tijolo é colocado sem violação direta à ordem constitucional vigente. O resultado, no entanto, é terrível: supressão de liberdades, abuso de poder pelas maiorias eventuais e o fim de eleições verdadeiramente livres e competitivas.

Só quem conheceu a sombra sabe a luz que é viver em uma democracia de verdade. Imperfeita, sim! O “pior dos regimes, à excepção de todos os outros”(Churchill).

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Bruno Stigert

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