Novo caso envolvendo bem de família e contrato de locação: a complexidade do Direito
STJ proferiu decisório que negou penhora do bem de família, mesmo em uma situação em que ele foi usado como caução
Em minha última coluna aqui neste espaço, tratei da decisão do STF que considerou como constitucional a regra que permite a penhora do bem de família do fiador nos contratos de locação comercial. Com isso, uma pessoa que figurou como fiadora em um contrato de locação não residencial poderá perder o imóvel que tem como residência.
Após esta determinação do STF, o STJ proferiu outro decisório que também envolve a possibilidade de penhora de bem de família e o contrato de locação, mas desta vez entendendo que a ela não é possível. Vejam bem, antes de mais nada, é preciso esclarecer que não são situações idênticas em que os Tribunais Superiores proferiram decisões conflitantes ente si. Os casos são diferentes, mas nos mostram o quanto o Direito pode ser complexo e que cada situação concreta vai demandar uma análise específica da aplicação da regra legal e dos entendimentos jurisprudenciais.
No caso mais recente, o STJ estava julgando uma situação em que o locatário do contrato de locação comercial havia oferecido como caução o seu único imóvel de residência familiar, ou seja, um bem de família. Quando da realização do contrato optou-se por usar a garantia do caução e ao invés de se valer do depósito em dinheiro, que é mais comum em termos práticos, deu-se o imóvel como objeto garantidor. Após a sobrevinda do inadimplemento e o pedido do locatário para executar a garantia, ou seja, levar a penhora o imóvel, o devedor invocou a regra da proteção ao bem de família e alegou a impenhorabilidade do seu único imóvel de residência. Após várias discussões nas instâncias inferiores, o Tribunal Superior entendeu que não haveria exceção à proteção do bem de família neste caso (diferente da situação do fiador em que há exceção expressamente prevista na lei) e que, portanto, mesmo o bem tendo sido dado como caução, ele não pode ser penhorado.
O que se vê é que o Tribunal não levou em consideração a questão da boa-fé, afinal de contas o locatário havia oferecido, de forma espontânea, o bem como garantia. É preocupante que se esteja abrindo margem para um comportamento antiético em situações similares, já que é possível que potenciais locatários se valham da oferta da caução para ter certeza que o contrato será feito, mas depois não cumpram o pagamento e não sofram a perda do bem, gerando inadimplemento e insegurança para o credor.
Além disso, os dois casos, mesmo sendo fática e juridicamente diferentes, resultam em uma verdadeira contradição. Uma pessoa que figurou como fiadora pode perder o bem de família e a alegação é que ela já estava consciente desta possibilidade ao aceitar ser a garantidora. Já a outra pessoa que, também de forma consciente, ofertou seu bem de família como garantia, não irá perdê-lo. Como disse, não são situações idênticas, mas são similares e pode gerar uma sensação de injustiça e de descrédito na sociedade. Mesmo com toda a complexidade do Direito, seria importante que as decisões judiciais “conversassem” entre si, que elas fossem proferidas de forma mais analítica, já que, por mais que cada caso seja diferente, a justiça é uma só.