Novo caso envolvendo bem de família e contrato de locação: a complexidade do Direito

STJ proferiu decisório que negou penhora do bem de família, mesmo em uma situação em que ele foi usado como caução

Por Estefânia Rossignoli

08/05/2022 às 07h00 - Atualizada 06/05/2022 às 21h12

Em minha última coluna aqui neste espaço, tratei da decisão do STF que considerou como constitucional a regra que permite a penhora do bem de família do fiador nos contratos de locação comercial. Com isso, uma pessoa que figurou como fiadora em um contrato de locação não residencial poderá perder o imóvel que tem como residência.

Após esta determinação do STF, o STJ proferiu outro decisório que também envolve a possibilidade de penhora de bem de família e o contrato de locação, mas desta vez entendendo que a ela não é possível. Vejam bem, antes de mais nada, é preciso esclarecer que não são situações idênticas em que os Tribunais Superiores proferiram decisões conflitantes ente si. Os casos são diferentes, mas nos mostram o quanto o Direito pode ser complexo e que cada situação concreta vai demandar uma análise específica da aplicação da regra legal e dos entendimentos jurisprudenciais.

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No caso mais recente, o STJ estava julgando uma situação em que o locatário do contrato de locação comercial havia oferecido como caução o seu único imóvel de residência familiar, ou seja, um bem de família. Quando da realização do contrato optou-se por usar a garantia do caução e ao invés de se valer do depósito em dinheiro, que é mais comum em termos práticos, deu-se o imóvel como objeto garantidor. Após a sobrevinda do inadimplemento e o pedido do locatário para executar a garantia, ou seja, levar a penhora o imóvel, o devedor invocou a regra da proteção ao bem de família e alegou a impenhorabilidade do seu único imóvel de residência. Após várias discussões nas instâncias inferiores, o Tribunal Superior entendeu que não haveria exceção à proteção do bem de família neste caso (diferente da situação do fiador em que há exceção expressamente prevista na lei) e que, portanto, mesmo o bem tendo sido dado como caução, ele não pode ser penhorado.

O que se vê é que o Tribunal não levou em consideração a questão da boa-fé, afinal de contas o locatário havia oferecido, de forma espontânea, o bem como garantia. É preocupante que se esteja abrindo margem para um comportamento antiético em situações similares, já que é possível que potenciais locatários se valham da oferta da caução para ter certeza que o contrato será feito, mas depois não cumpram o pagamento e não sofram a perda do bem, gerando inadimplemento e insegurança para o credor.

Além disso, os dois casos, mesmo sendo fática e juridicamente diferentes, resultam em uma verdadeira contradição. Uma pessoa que figurou como fiadora pode perder o bem de família e a alegação é que ela já estava consciente desta possibilidade ao aceitar ser a garantidora. Já a outra pessoa que, também de forma consciente, ofertou seu bem de família como garantia, não irá perdê-lo. Como disse, não são situações idênticas, mas são similares e pode gerar uma sensação de injustiça e de descrédito na sociedade. Mesmo com toda a complexidade do Direito, seria importante que as decisões judiciais “conversassem” entre si, que elas fossem proferidas de forma mais analítica, já que, por mais que cada caso seja diferente, a justiça é uma só.

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Estefânia Rossignoli

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