Justiça brasileira se adaptou à liberdade negocial

Por Estefânia Rossignoli

04/12/2022 às 07h00 - Atualizada 02/12/2022 às 18h19

Quando uma legislação é aprovada, é preciso aguardar um tempo, às vezes muitos anos, para se saber como ela se refletirá na sociedade e também nas decisões judiciais. Em 2019 foi criada a Lei da Liberdade Econômica, que foi decorrente de Medida Provisória, e trouxe uma importante modificação nas relações contratuais entre empresários. Foi criado o artigo 421-A no Código Civil que prevê: “Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.”

Antes dessa mudança vivíamos um período em que o Direito Privado Brasileiro, influenciado pela escola italiana, permitia com mais facilidade a intervenção do poder judiciário nas relações contratuais, sob a justificativa de se buscar uma maior equanimidade entre as partes, atendendo o preceito constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Como se pode observar no texto que foi reproduzido acima, a atual previsão legal determina a intervenção mínima dos órgãos judiciais nas relações particulares.

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Recentemente, em outubro deste ano, o STJ deixou claro que a mudança legislativa já faz parte das decisões judiciais. O informativo 754 trouxe o julgamento do Recurso Especial nº 1.799.039-SP e a ministra Nancy Andrighi, mencionando a alteração trazida pela Lei da Liberdade Econômica, afirmou: “O controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia.” E concluiu: “A cláusula que desobriga uma das partes a remunerar a outra por serviços prestados na hipótese de rescisão contratual não viola a boa-fé e a função social do contrato quando presente equilíbrio entre as partes contratantes no momento da estipulação.”

Vejam, foi estipulado entre as partes que caso alguém pedisse a rescisão de um contrato, mas ainda assim o serviço fosse prestado, não caberia pagamento e quem prestou o serviço fica no prejuízo. Isso em uma relação de consumo é considerado como cláusula abusiva, mas, pela atual previsão do Código Civil, numa relação paritária, como a empresarial, é permitido. Atualmente a lei permite que as partes assumam esse tipo de risco, não ficando caracterizado como quebra de boa-fé. É a autonomia da vontade que deverá prevalecer nestes casos.

Na época da aprovação da Lei da Liberdade Econômica, havia muitas dúvidas de como o judiciário brasileiro iria aplicá-la, pela profunda mudança que iria demandar na cultura jurídica; mas as decisões recentes, como a que aqui foi mencionada, demonstram que houve a devida adaptação e as partes precisam ter consciência que aquilo que pactuarem, ainda que no futuro lhes pareça prejudicial, será válido e deverá ser cumprido.

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Estefânia Rossignoli

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