Não somos peças etiquetadas e descartáveis

Por Marcos Araújo

28/11/2019 às 07h02 - Atualizada 28/11/2019 às 07h23

Quanto vale uma vida humana? Nesta semana que passou, essa questão teimou em não deixar meus pensamentos. As mortes de uma professora, que preparava o aniversário de cinco anos do filho, e de uma moradora de rua, que queria dinheiro para matar sua fome, me fizeram refletir sobre a possibilidade de atribuição de valor monetário ao que é o nosso bem mais valioso. Preço é algo que não cabe, quando uma vida está em jogo.

Pelo menos deveria ser assim, pois não há como estipular valor ao que não é mensurável, já que uma vida não pode substituir outra. É impossível comparar a vida com outra coisa a não ser com ela mesma. Toda vida vale exatamente o mesmo que outra.

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Todavia, infelizmente, neste mundo no qual o ter é muito mais importante que o ser, há quem consiga monetizar a vida. Há quem olhe para as pessoas e consiga enxergar, como em uma peça de roupa, uma etiqueta com cifras estampadas. Dependendo de interesses, principalmente dos financeiros, do tipo de política adotada, das circunstâncias sociais, a vida, que todos gostamos de pensar que não tem preço, tem, sim, para algumas pessoas.

Em Niterói (RJ), a vida de uma moradora de rua, por exemplo, custou apenas R$ 1. Zilda Henrique dos Santos Leandro, de 31 anos, conhecida pelos populares como Néia, foi baleada e morta no meio da rua, porque um homem não gostou de ser abordado por ela, que estava com fome e pedia R$ 1. Ele sacou friamente sua arma, atirou contra a mulher e continuou seu rumo, numa total atitude de desprezo pela vida do outro.

Em Juiz de Fora, a vida da professora Fabiana Filipino Coelho, de 44 anos, valia um celular e a quantia de R$ 135. Ela foi morta atingida por um tiro endereçado a um adolescente, 16, que tinha assaltado uma pedestre, na Rua Marechal Deodoro, no Centro. Ao tentar impedir a fuga do adolescente, um policial militar da reserva fez um disparo de arma de fogo, que acabou acertando a professora na região do abdômen. Ela simplesmente passava pelo local, sem ter nada a ver com o conflito, quando teve o seu caminho interceptado pela bala.

Vivendo à margem da sociedade, onde ele foi confinado por forças que sequer supõe existir, esse adolescente, por meios próprios, buscava uma maneira de vencer a sua pobreza. Do mesmo jeito, o policial, por meios próprios, para se defender da violência, usando uma arma própria, fez um disparo em uma rua de grande movimentação, atingindo a professora.

Se, ao longo dos anos, o Poder Público viesse, de fato, investindo recursos para sanar a violência e a pobreza, que muitas vezes andam juntas, a moradora de Niterói não estaria na rua para ser alvo da intolerância. O adolescente, pivô da morte da Fabiana, estaria, naquele horário, dentro de uma sala de aula projetando o seu futuro. Mas, vivemos a época do salve-se quem puder, enquanto os governos alimentam a máquina capitalista que, além dos mercados, quer regular o quanto vale a vida de cada um nós, transformando-nos em peças com etiquetas e descartáveis. Termino esse texto fazendo referência ao marido de Fabiana, que, em uma homenagem de despedida à esposa, afirmou que ela deixou um filho como semente neste mundo devastador e cruel. As sementes existem, mas é preciso preparar o terreno!

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Marcos Araújo

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