“Não olhe para cima”

Por Marcos Araújo

20/01/2022 às 07h07 - Atualizada 19/01/2022 às 19h14

Na semana passada, escrevi aqui neste espaço a coluna com o título “O flautista mágico”. Em determinado trecho do texto, registrei: “Já sabemos que não é só uma gripezinha. Já sabemos que a cloroquina não serve para esse tratamento. Então, até quando esse tipo de discurso encontrará pessoas dispostas a escutá-lo?”. E essa frase, pelo que pude perceber, causou a indignação de muitos negacionistas. Logo que o texto foi publicado, apareceram os gritos daqueles que preferem fechar os olhos para a ciência. Como forma de se contraporem ao que o meu texto dizia, eles afirmaram: “já sabemos que a vacina não adianta para nada”, “já sabemos que as máscaras não adiantam para nada”.

Não adianta para quem, cara-pálida? Eu questiono! Não adianta para quem não se vacinou. Não adianta para quem resiste, de forma irracional, a não usar máscara. Dados que estão disponíveis para serem consultados livremente na internet mostram que a campanha de vacinação segue impactando de maneira positiva os números da Covid-19 no Brasil, com queda na média móvel de óbitos, assim como na média móvel de novos casos. Basta ter inteligência e bom raciocínio para ver que o cenário, antes trágico, está bem melhor.

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Quanto ao uso da cloroquina para o tratamento contra a Covid-19, farmacêuticas que fabricam o remédio no Brasil vieram a público para não recomendá-lo no tratamento da doença. Não sou eu quem está dizendo. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) concluiu que a hidroxicloroquina não funciona no tratamento contra a Covid-19 e alertou ainda que seu uso não recomendado pode causar efeitos adversos.

A organização internacional informou que o medicamento passou por uma análise de um grupo de especialistas e pacientes e recebeu “forte recomendação” contra o uso no combate ao coronavírus. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alertou que o uso de hidroxicloroquina contra o coronavírus não é recomendado. Então, a única conclusão possível é simples: contra fatos não há argumentos.

Quando vi as postagens de negacionistas rebatendo meu texto, foi impossível não pensar no filme “Não olhe para cima”, lançado pela Netflix, na véspera do Natal passado e dirigido por Adam McKay. O longa-metragem pega no pé de negacionistas e isentões de plantão.

O ponto forte do filme é justamente a aparição de um cometa no céu, que vai acabar com o planeta, algo que foi alertado por cientistas. Mas, enquanto o meteoro do tamanho do Monte Everest está prestes a colidir com a terra, a população está dividida. Há aqueles que olham para cima e realmente entendem que não há escapatória para o fim do mundo, e existem as pessoas que adotaram o movimento “não olhe para cima” e que acreditam que o mais importante é extrair riqueza do minério do cometa.

A arte imita a vida ou a vida imita a arte? Não tem como deixar de pensar no cometa de “Não olhe para cima” sem fazer uma analogia com o coronavírus. No filme, tanto a presidente quanto seu chefe de gabinete e outros figurões do governo ignoram a advertência dos cientistas por conta de problemas considerados “maiores”, como a eleição e polêmicas envolvendo assuntos sexuais.

Guardadas as devidas proporções, porque o longa mistura um pouco de sátira e drama, o roteiro bem que se assemelha com a realidade brasileira. E, claro, se a vida real muitas vezes deixa de fazer sentido, um filme não tem essa obrigação, mas, pelo menos, serve de reflexão para quem não aguenta mais tanta fake news e tantos discursos de caráter negacionista.

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Marcos Araújo

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