Os sorrisos voltaram a aparecer
Fui ao supermercado e notei que havia algo diferente no ar. Entre um corredor e outro, tentei descobrir o que tinha mudado. Mas o que procurava estava na cara: era o sorriso. Nas ruas, também percebi a mesma diferença. Com a flexibilização do uso de máscaras, os sorrisos voltaram a aparecer. E não são apenas os sorrisos que estão de volta, mas todas as expressões faciais que, por muito tempo, ficaram reservadas ao ambiente familiar, onde não havia a necessidade de proteção.
Ao me dar conta disso, fiquei tomado por uma grande sensação de alívio. Eu sei que os olhos, como se diz, são a “janela da alma”, mas, apesar de toda a beleza que são capazes de transmitir, não conseguem, sozinhos, dar conta de todas as expressões que usamos no nosso dia a dia para a comunicação com as outras pessoas. Eu já estava cansado de tentar descobrir se, por debaixo da máscara, as pessoas estavam felizes ou mal-humoradas, se estavam receptivas ou ensimesmadas. Se aquele simples ato de cumprimentar com um pequeno sorriso afável tinha sido percebido pelo outro ou não. As máscaras, que tão bem vinham cumprindo seu papel de prevenção, nos roubaram um pouco de nossa capacidade de “ler as pessoas”.
Foram vários meses que estivemos cerceados das feições dos outros, com nosso foco voltado apenas para o olhar, na difícil busca de decifrar alguma expressão que, facilmente, seria sinalizada por um sorriso. E aqui peço desculpas ao olhar, porque sei da força que ele é capaz de transmitir, mas essa ficou ofuscada nos últimos meses. Durante o tempo sob o domínio da máscara, acredito, piamente, que muitos encontros fortuitos entre conhecidos foram perdidos em apatias, e que, entre desconhecidos, tenha reinado o desinteresse, a negligência e até mesmo o abandono. Levante a mão quem ficou no “vácuo” depois de não ter sido correspondido após um leve sorriso escondido pela máscara.
E não posso deixar de me lembrar daqueles que, para ouvir o que o outro dizia, precisavam retirar a máscara. Essas pessoas, irracionalmente, abaixavam sua máscara, acreditando que, assim, seus ouvidos melhor entenderiam o que o outro dizia, sem compreender que estavam, na verdade, impedidas da leitura labial, que é importante para a compreensão do diálogo.
As expressões faciais são fundamentais para que possamos conhecer o que os outros nos sinalizam sobre suas intenções ou emoções. Quando conversamos, se o outro nos indica uma expressão facial negativa, não precisa nem dizer, porque logo entendemos que é melhor mudar de assunto ou encerrar o diálogo se não quisermos ficar em uma “saia justa”. Essa “leitura do rosto” nos ajuda, inclusive, até a detectar se alguém está falando mentira, o que mostra o quão ela é essencial nas nossas interações e na consolidação das relações sociais.
Vale ressaltar, claro, que, quem quiser continuar usando máscaras, deve ser respeitado, assim como aquele que preferir não utilizá-las mais. O bom senso sempre deve prevalecer. Que seja bem-vindo, de novo, esse tempo sem máscaras, de sorrisos abertos e muitas caras e bocas!