O show vai continuar
“Sabe que o show de todo artista tem que continuar”, compôs Aldir Blanc, que empresta seu nome à lei, criada em 2020, para auxiliar financeiramente a cultura em decorrência dos efeitos econômicos e sociais da pandemia. Mas deixar o show continuar está cada vez mais difícil. O mesmo governo que sancionou a Lei Aldir Blanc agora veta a Lei Paulo Gustavo, que previa o repasse de recursos federais a estados e municípios para o enfrentamento das consequências da Covid-19 sobre o setor cultural.
Para os artistas, o veto veio como punição. Uma forma de vingança, uma vez que as artes, incansavelmente, colocam-se contrárias ao autoritarismo que tenta engolir o Brasil. E assim devem se colocar, porque a verdadeira arte transforma e liberta. Tirar o pão de quem faz arte é roubar dos artistas sua força de produção e, covardemente, tentar criar barreiras que impeçam que a cultura alcance seu potencial transformador, capaz de alterar este estado de arbitrariedade, que ora se impõe sobre a sociedade.
Tratar a cultura como se nada fosse é um tipo de discurso que está cada vez mais frequente. Entre aqueles que apoiam o veto, fala-se pelo cotovelo que “artista é vagabundo”. Mas queria ver como seria a vida dessas pessoas sem ouvir música, sem dançar, sem assistir a séries e novelas, sem ir ao cinema, sem ter um quadro para preencher o vazio da parede e sem ter um livro de cabeceira.
Talvez só assim essas pessoas entendam o valor da arte e percebam que, sem ela, nossa vida perderia sentido, porque nos restaria somente a rotina, permeada de afazeres e regras, algo bem perto da escravidão. É preciso mudar o olhar para as artes e enxergá-las à parte da política partidária. Como bem disse a atriz Dira Paes, em entrevista sobre o tema, “a cultura é um bem social de cura”, o que ficou demasiadamente claro no período da pandemia, porque trouxe alento para os dias de confinamento.
Também é preciso ressaltar que a arte é um bem de mercado, porque gera recursos e empregos. E aqui não estou só falando dos grandes artistas e de seus megaeventos e das milionárias bilheterias do cinema, mas dos artesãos, dos músicos que alegram as noites nos bares, dos atores locais, dos artistas populares, do circo. Todas essas pessoas, que também são pais e mães de família, tiram o seu sustento da arte e foram, inegavelmente, impactadas pela pandemia. Muitas delas recorrem aos editais de financiamento cultural, que, na maioria das vezes, patrocinam eventos gratuitos, que permitem o maior acesso à cultura.
Atribuir aos artistas a alcunha de desocupados é leviano e cruel ao mesmo tempo e revela um total desconhecimento do que é a essência humana. Voltando à letra de “O bêbado e a equilibrista”, Aldir Blanc diz que a esperança dança na corda bamba de sombrinha. Ela é frágil, mas existe e, com ela, esperamos pela derrubada do veto, porque o show vai continuar.