Porcina ou Raquel?

Por Marcos Araújo

06/02/2020 às 07h15 - Atualizada 05/02/2020 às 18h50

Ela começou a sua carreira bem novinha. Em 1965, na TV Excelsior, a jovem atriz, que havia acabado de deixar a adolescência, começou a galgar pequenos papéis até se tornar a grande protagonista de novelas, sendo reconhecida, até hoje, como a “eterna namoradinha do Brasil”. Mas, apesar dos longos anos de sucesso na televisão, Regina Duarte tenha que viver, a partir de agora, o personagem mais difícil de sua jornada na cultura brasileira. Não será fácil manter a pose como representante de um governo que já deu mostras que não tem apreço pelas artes, pela memória, pela história e pela riqueza cultural do país.

Antes de ter aceitado o casamento, metáfora utilizada por ela para classificar sua ligação com o governo, Regina deveria ter pesado muito bem os prós e contras dessa relação, que não tem se mostrado muito estável com outros consortes. Ela terá que se equilibrar na corda bamba para não desagradar àqueles que dizem que estão do lado dela, assim como também não amofinar os que estão do lado contrário. Já de início, a artista deveria ter mais comedimento em suas manifestações e não mergulhar de cabeça em uma seara que ela diz conhecer e dar conta, mas que é muito mais complexa e requer habilidade de diálogo e respeito às diversas visões de mundo que compreendem as matizes da arte brasileira.

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Acho arriscado para uma pessoa que tenha como objetivo o papel de conciliação, anunciar em sua conta no Instagram que está de “corpo e alma” com o governo, que repito, já demonstrou resistência ao que a arte nos dá enquanto forma de expansão de compreensão do mundo e o do outro. Um governo que, sem meias palavras, se pauta pelo autoritarismo, ditando o que nos pode chegar de sensibilidade e que se propôs a arregimentar profissionais conservadores para criar uma máquina de guerra cultural.

O também ator Pedro Cardoso, ao se manifestar sobre a aceitação de Regina ao cargo, disse que pouco importa quem seja a pessoa escolhida para a função, pois, o grande problema, é que essa pessoa terá que executar o plano de não cultura que ora está em voga. Regina terá condições de fazer algo diferente do que prega o governo? Se tentar pode ser destituída. Do contrário, mantida no cargo, será porque está trabalhando em prol de um projeto que vislumbra aparar qualquer liberdade da produção cultural.

Como bom brasileiro que sou, cresci assistindo à Regina na televisão. Há dois personagens interpretados por ela que não saem da minha cabeça e que fizeram o Brasil parar para acompanhar as suas novelas. O primeiro é a Viúva Porcina, de “Roque Santeiro”, uma mulher que vivia como viúva sem nunca ter sido, uma vez que jamais tinha sido casada com o defunto, que, aliás, também não era defunto. Na ânsia de se dar bem, Porcina vivia de enganação, sem nenhum tipo de escrúpulo ou remorso. Uma lógica bem parecida com a do tempo que vivemos agora.

A outra personagem era Raquel Acioli, da novela “Vale Tudo”. Uma mulher cheia de virtude, que colocava sua honestidade acima de tudo, para mostrar que não valia a pena fazer de tudo para se dar bem. Inclusive, era capaz de se colocar contra a própria filha, Maria de Fátima, para que o bem fosse coletivo. Esse tipo de personagem também teria muito a ensinar ao Brasil da atualidade. Resta-nos torcer para que Regina, se assim ela quiser, tenha a força necessária para mostrar ao governo que a arte não é inimiga e que a produção artística não precisa de filtros. Cabe a você também, Regina, decidir para qual lado irá pender: mais à Porcina ou mais à Raquel?

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Marcos Araújo

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