“Ofegante epidemia que se chamava carnaval”

Por Marcos Araújo

03/03/2022 às 07h14 - Atualizada 02/03/2022 às 19h22

Eu gosto de carnaval, mas não sou do tipo que pula carnaval. Já brinquei em blocos e até já desfilei uma vez em escola de samba, mas, quando isso acontecia, era levado pelo impulso do momento. Não nascia de uma necessidade existencial de fazer parte dos eventos carnavalescos. Digo isso porque tenho amigos que passam o ano a esperar pela festa de Momo. Para eles, participar dos folguedos é vital.

Sou um folião fracassado. Sinto o carnaval como uma época em que as pessoas expressam suas emoções, colocam para fora suas fantasias e extravasam a felicidade. É uma forma de construir e celebrar uma alegria necessária. Mas também é resistência. Um jeito alegre de criticar as mazelas do nosso cotidiano, de despertar as consciências, de não deixar morrer nosso esperançar. Repito: gosto de carnaval, mas como um bom observador.

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Por isso, impossível negar que, sem as comemorações que, forçosamente, paralisam o calendário sob a pressão das serpentinas, o tempo parece outro. Com as festas oficiais canceladas e, claro, por motivos sanitários pertinentes, nossa noção de tempo ficou meio confusa. Aquela máxima quase que acordada pelos brasileiros de que “o ano só começa depois do carnaval” ficou em xeque. O pior é que ainda fica parecendo que 2022 é uma continuação mal acabada de 2021.

Infelizmente, ainda tem gente testando positivo para Covid-19 e pessoas queridas partindo, deixando nosso coração apertado. O índice de desempregados continua elevado. Tivemos que reviver as perdas na cidade de Petrópolis, motivadas pela falta de políticas públicas habitacionais que, ano após ano, faz mais vítimas em um país que não se cansa de desabar sobre nossas cabeças. Sem falar que ainda existe uma guerra, em meio à pandemia, acontecendo do outro lado mundo, matando pessoas e que, com certeza, seus impactos chegarão até nós.

Poxa! Está difícil fazer esse 2022 engrenar! A gente não sabe se essa Quarta-feira de Cinzas encerra um ano ou se é apenas o ponto de força que sustenta o ciclo que teve início lá em 2020 e nunca mais largou do nosso pé. É justamente pela falta de samba no nosso pé, motivada pela carência de carnaval, que serve como um rito de passagem, que estamos com essa sensação estranha de tempo.

Chico Buarque inclusive já cantou: “E um dia, afinal, tinham direito a uma alegria fugaz, uma ofegante epidemia que se chamava carnaval”. Gostando ou não, sendo folião ou não, o carnaval faz parte das nossas entranhas e serve para ditar nossa noção de temporalidade. Alguma coisa acontece entre a sexta pré-carnaval e a Quarta-Feira de Cinzas que nos renova e nos prepara para enfrentar o restante do ano.

Por isso, para deixar passar o ranço dos últimos anos, apesar de ser um folião fracassado, para o próximo carnaval, se alguém me convidar para brincar num bloco de rua, não vou me fazer de rogado. Vou vestir minha fantasia e deixar-me levar pelo impulso e pelo pulso contagiante dos corações carnavalizados.

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Marcos Araújo

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