Confira exclusiva com secretária de Saúde em JF, Ana Pimentel

Titular da pasta fala sobre perda técnica de doses, meta de vacinação em JF e riscos da terceira onda


Por Carolina Leonel

30/05/2021 às 07h00

“A nossa capacidade de ampliação de leitos é limitada, porque nós ampliamos muito. Chegamos à beira da capacidade máxima de ampliação”, avalia secretária (Foto: Fernando Priamo)

Há praticamente seis meses, a médica Ana Cristina de Lima Pimentel está à frente da gestão da Secretaria de Saúde da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), função desafiadora diante das circunstâncias estabelecidas pela pandemia de Covid-19, principalmente quando se leva em conta o papel da rede de saúde pública. Em meio a uma semana movimentada, na qual vieram à tona questionamentos sobre as perdas técnicas de vacinas e quando foi confirmada a infecção de um morador de Juiz de Fora pela variante indiana, a Tribuna entrevistou a titular da pasta, Ana Pimentel, que falou também sobre as principais estratégias que o Município tem adotado para tentar conter avanços e mitigar os efeitos da pandemia – que teve seu pior momento em boa parte dos últimos meses. Inicialmente, quando a Tribuna conversou com Ana Pimentel, na tarde de quarta-feira (26), a polêmica envolvendo a perda técnica das vacinas contra a Covid-19 ainda não havia surgido.

Após o episódio, a secretária voltou a falar com o jornal. Entre as principais demandas de sua gestão, a ampliação da rede de saúde e a operacionalização da vacinação contra a Covid-19 são as mais desafiadoras para a secretária. Ela acredita, entretanto, que o Município tem tido êxito diante do comprometimento de toda a equipe da saúde pública.

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– Tribuna – A polêmica envolvendo a perda técnica das vacinas na última semana gerou ampla discussão. O que, de fato, ocorreu?
– Ana Pimentel – O que aconteceu é que houve uma incompatibilidade da seringa em relação ao frasco multidose da Coronavac em alguns lotes. O Município vem comunicando isso ao Governo estadual sistematicamente. O Instituto Butantan orienta um tipo específico de seringa, chamada seringa de volume morto, para a aspiração das doses. Pelo fato de a seringa utilizada na vacinação não ser essa específica, não tem sido possível aspirar as dez doses do frasco, apenas nove. Então, o entendimento era, de fato, que o Município não recebeu essas doses, já que, quando recebemos dez mil doses, na verdade estamos recebendo nove mil, porque não é acessível aspirar todas as doses.

– Por que no memorando assinado pela senhora consta o total de quase 18 mil doses como perda técnica?
– Nós diferenciamos a perda técnica do número de doses não recebidas. No memorando, colocamos as duas informações juntas: o número de doses que, na prática, o Município não recebeu, por conta dessa incompatibilidade da seringa com o frasco, com as perdas técnicas, que, de fato, acontecem. Mas são situações diferentes. Por fazer um memorando rápido, acabamos condensando as duas informações juntas. A Secretaria de Saúde recebe muitos pedidos de informação, nós inclusive teríamos que ter uma equipe só para responder as solicitações de informação, tanto de órgãos internos como de externos. Mas no memorando acabamos colocando em um dado único, o que, na verdade, são informações diferentes.

– Essa doses consideradas perdidas foram repostas pelo Governo estadual?
– Uma parte destas doses foi, posteriormente ao envio do memorando, reposta para o Município nos 18º e 19º lote enviados. Mas ainda aguardamos o envio de outra parte. Nós estamos, inclusive, solicitando ao Estado que coloque no painel (de distribuição de vacinas) essas doses como repostas, porque, da forma que está, parece que o Município recebeu novas doses, e não que foi uma reposição.

– Existe a possibilidade destas seringas serem substituídas?
– Isso não é uma questão que cabe ao Governo municipal. Mas também não podemos responsabilizar o Governo estadual, porque entendemos como é o processo de licitação. O Governo estadual precisa ficar com as seringas que estão disponíveis no mercado. Ele não tinha disponibilidade de comprar outra. Quero, inclusive, dizer que nós recebemos as agulhas em tempo hábil para começar a imunização. Não nos cabe como Município dizer que existe uma responsabilidade por parte do Estado nesse caso. É realmente uma incompatibilidade técnica da agulha com o frasco.

– Então o problema na aspiração da Coronavac vai continuar ocorrendo?
– Sim, porque, por enquanto, essa é a seringa que temos disponível, e nós não temos acesso a outras seringas.

– Como tem sido a atuação da secretaria de Saúde frente a pandemia?
– Nós assumimos em janeiro com a cidade vivendo uma situação de colapso do sistema de saúde. Naquele momento, nós tínhamos cem leitos de UTI Covid SUS com a taxa de ocupação quase completa. Logo na primeira semana de governo nossas ações foram direcionadas para abertura de leitos. Abrimos 11 leitos no HU-UFJF e no HPS, o que deu suporte para esses primeiros meses de gestão. O Brasil tem uma das piores situações epidemiológicas do mundo, e Juiz de Fora reflete o cenário nacional. Exatamente nos piores momentos do pico no Brasil, geralmente temos os piores momentos em Juiz de Fora. Então, desde janeiro até agora, tivemos uma situação de ascensão de transmissibilidade viral muito intensa e vivenciamos o pico da epidemia na cidade entre março e abril, quando tivemos uma ocupação de leitos muito intensa, e nós atuamos em algumas direções diferentes. Fizemos um Plano de Contingência Municipal que se direcionou, ao mesmo tempo, em abrir mais leitos, chegando a 168 leitos UTI Covid exclusivamente SUS adulto. Ampliamos de um para dez o número de leitos UTI Covid pediátrico. Ampliamos a comunicação e o diálogo com a cidade, colocando carro de som nos bairros, intensificando as redes sociais e a comunicação institucional. Outra estratégia foi ampliar a capacidade de testagem do Município, além de toda a organização do nosso Programa de Operacionalização Municipal para a vacinação contra a Covid-19.

– Como está a situação da testagem hoje no município? Há previsão de ampliação?
– A Prefeitura tinha, exclusivamente, uma parceria com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que tem sido uma parceira de primeira hora do Município desde o ano passado para a realização de testes. Essa parceria se manteve nessa gestão, e nós ampliamos as testagens através de uma parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Além disso, compramos testes rápidos antígenos (swab). Esse teste é muito importante na hora da internação, porque ele vai ajudar a direcionar o paciente dentro do hospital. Quando ele é positivo, ele de fato é positivo, e quando é negativo, fazemos outro exame para confirmar. E a Prefeitura vai intensificar, significativamente, nas próximas semanas, a estratégia de testagens da Covid-19. Estamos aumentando a nossa capacidade de coleta para abranger um público maior do que está previsto hoje pelo Governo estadual. A nossa meta é testar todos os pacientes sintomáticos, e essa meta será viabilizada pela parceria com a Fiocruz e com a UFJF.

– Apesar de ainda altos, os índices epidemiológicos da Covid-19 estão estáveis. Este cenário é resultado da onda roxa?
– A onda roxa foi muito significativa para diminuir as taxas de contaminação do município, a gente consegue sim perceber a relação direta. Ao mesmo tempo, o aumento da imunização também foi importante para a diminuição do número de casos, tanto que a gente começa a ver uma diminuição no número de pessoas acima de 60 anos infectadas. Isso demonstra que a imunização tem eficácia. Mas nos últimos dois dias (segunda e terça), houve um crescimento no número de pessoas infectadas e na taxa de internação. Em relação às hospitalizações, nós acreditamos que seja resultado do feriado do Dia das Mães. Normalmente, entre dez e 15 dias após datas que são festividades consagradas e tradicionais na sociedade, notamos um aumento no número de internação. Ao mesmo tempo, para o aumento de pessoas infectadas, há a hipótese de que com o começo da imunização, depois que a pessoa toma a primeira dose, ela começa a relaxar em relação às medidas de prevenção, e isso pode impactar na taxa de transmissibilidade. É importante reforçar que só depois da segunda dose a pessoa está imunizada e, mesmo assim, é preciso manter o uso da máscara e não permitir aglomerações, porque o vírus continua circulando. Ainda existe o risco de contaminação de uma maneira mais branda. Ao mesmo tempo, a pessoa vacinada se torna um vetor para quem ainda não se vacinou. E é exatamente assim que podem surgir variantes.

– Há duas semanas, a Secretaria de Estado de Saúde informou que se prepara para uma eventual terceira onda de casos da Covid-19. O Município se prepara nesse sentido?
– Nós estamos em alerta e acompanhando, tanto os informativos da Fiocruz – que têm apontado a possibilidade de um recrudescimento da pandemia agora em junho -, como o Governo estadual, para que, caso isso ocorra no município, estejamos preparados. Por isso queremos aumentar a capacidade de testagem e de monitoramento. Esse é o passo que daremos agora. A nossa capacidade de ampliação de leitos é limitada, porque nós ampliamos muito. Chegamos à beira da capacidade máxima de ampliação, tanto da capacidade física dos hospitais, mas principalmente da disponibilidade de kits intubação e de profissionais de saúde. Neste momento, temos que investir em comunicação com a população, monitoramento, testagem e prevenção.

– Este monitoramento se refere aos novos casos suspeitos e confirmados apontados diariamente no boletim epidemiológico?
– Sim. Todas as pessoas que têm síndrome gripal nesse momento devem ser tratadas e acompanhadas como suspeita para a Covid-19. Se ela é sintomática, deve ficar em isolamento e ser monitorada para que, caso ela tenha algum sintoma de agravamento, procure o hospital. As UBSs (Unidades Básicas de Saúde) já fazem esse monitoramento. A Vigilância Epidemiológica também tem feito o acompanhamento de pacientes por telefone. O que a gente quer é ampliar esse monitoramento. Para isso, estamos fechando uma parceria com a UFJF, para que possamos ampliar o acompanhamento de pacientes que residem em áreas sem cobertura de UBSs. Hoje, os casos suspeitos são monitorados, por telefone, nas áreas em que há UBSs.

– O Governo do estado espera vacinar toda a população até o fim do ano. A senhora considera isso viável?
– Se continuarmos recebendo a mesma quantidade de doses que temos recebido nas últimas semanas, a previsão é de que, até o fim do ano, tenhamos, de fato, imunizado todas as pessoas da cidade. Além disso, já definimos que iremos articular a vacinação dos grupos prioritários paralelamente à imunização de públicos não prioritários por idade. O que precisamos é que o Governo federal envie os imunizantes para que possamos concretizar essas expectativas.

– Como a secretaria tem atuado em relação às queixas de fura-filas na vacinação?
– É importante destacar que a Secretaria de Saúde não tem atribuição de investigação. Nossa responsabilidade é a operacionalização (da vacinação). Do ponto de vista das reclamações que a gente recebe, a Ouvidoria de Saúde nos repassa. As dúvidas são respondidas. Quando recebemos queixas que têm a ver com o serviço público, especificamente, fazemos uma apuração e, caso seja identificado algo que precise ser analisado, protocolamos para as instâncias responsáveis de fiscalização. Até o momento, isso já registramos duas situações suspeitas, mas ainda não recebemos comunicado oficial sobre a investigação.

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– O Município tem feito estoque de segundas doses da vacina?
– É importante dizer que o Município tem muitas segundas doses a serem administradas, e que os imunizantes estão disponíveis para as pessoas, não estão faltando. Por três ou quatro dias o Município ficou sem segundas doses da Coronavac, mas já recebemos novas vacinas e elas estão disponíveis. Todas as pessoas que estão procurando estão tendo acesso, e estamos até conseguindo usar a Coronavac para fazer a primeira dose de novo. Isso só foi possível porque o Município fez reservas da vacina. Em relação à Coronavac, mesmo que venha orientação de usarmos todas as doses para a primeira aplicação, nós vamos guardar a segunda dose, porque não queremos arriscar. Nesta última semana, optamos por fazer isso também com a AstraZeneca porque também temos muitas segundas doses a serem feitas deste imunizante. Já as vacinas da Pfizer foram todas destinadas para a primeira dose. No formato em que ela está sendo distribuída para os municípios, ela precisa ser utilizada em até cinco dias. Então as doses recebidas na última segunda foram utilizadas até esta sexta-feira.

Qual é a capacidade de armazenamento de vacinas no Município hoje, principalmente com relação à Pfizer?
– Da forma como as vacinas da Pfizer estão sendo distribuídas hoje, o armazenamento pode ser feito pela própria Prefeitura. A nossa rede de câmara fria é o suficiente para fazer o armazenamento. Caso o Governo do estado envie as doses em outros formatos, que precisem de características mais específicas, como temperaturas ainda mais baixas, o Município já tem conversas prévias com a UFJF e também com a Embrapa. Mas, no geral, hoje nós temos uma grande capacidade. O Município tem capacidade de armazenar, hoje, o total de imunizantes necessários para vacinar o restante da população. Para nós é tranquilo, por exemplo, imunizar dez mil pessoas em um dia. O difícil é operacionalizar poucas doses, porque aí temos que abrir poucos postos de vacinação na cidade. Se recebêssemos entre 30 e 45 mil doses por semana, seria uma média excelente, pois conseguiríamos manter o ritmo de imunização muito rápido e armazenar essa quantidade tranquilamente.

– Qual é a sua análise sobre a possível retomada das aulas presenciais no atual cenário da pandemia?
– O que a gente tem debatido é que as condições sanitárias, considerando uma diminuição do número de casos, são aspectos fundamentais para a retomada das aulas. Para que isso seja viabilizado, a gente tem que ter um índice de reprodução viral (RT) contido, sem oscilações. As condições pedagógicas também são um aspecto fundamental. O Município tem feito a elaboração da sua rede. Já elaboramos protocolos de retomada das aulas, que é um passo importante, assim como a abertura de leitos pediátricos. O Município também está em processo bastante avançado de compra de insumos de higiene para as escolas – sabonete, álcool e máscara -, que são uma condicionante importante para essa retomada, que não pode ser um debate só teórico, precisa caminhar junto com essas estruturações.

– Como está o atendimento de outras demandas de saúde, as cirurgias eletivas, por exemplo?
– Nos piores momentos da epidemia na cidade, que ocorreu em boa parte dos meses deste ano, as cirurgias eletivas estavam suspensas, por orientação do Governo estadual, principalmente por conta da falta de kit intubação, já que as cirurgias eletivas também usam esses medicamentos. Como há dificuldade de compra desses insumos, a decisão foi pela suspensão. Quando entramos na faixa laranja do programa Juiz de Fora Pela Vida, estávamos nos preparando para retomar as eletivas, o que ainda não foi possível, mas queremos voltar o mais rápido possível. Em relação aos atendimento da atenção primária, por exemplo, é um projeto que está em reestruturação agora. Nesse caso, as condições sanitárias são o elemento decisivo.

– A senhora está há praticamente seis meses à frente da Secretaria de Saúde do Município. Quais desafios ainda se impõem?
– Nós montamos uma equipe altamente comprometida com a gestão do Sistema Único de Saúde. Montamos uma equipe majoritariamente de mulheres, como é uma marca da gestão da prefeita Margarida Salomão (PT), e que representa também uma característica do trabalho de saúde. Conseguimos mesclar equipes de servidoras públicas de carreira e de pessoas com trajetória universitária, com profissionais que vieram com experiência do Governo estadual. Temos tentado fazer com que o trabalho da nossa gestão seja o encontro com a história do Sistema Único de Saúde em Juiz de Fora, que pode, inclusive, ser apresentada com a história do Sistema Único no Brasil. Aqui foi um dos primeiros municípios do país a ter programa de saúde da família, por exemplo. Então, tentamos montar uma equipe muito comprometida com o SUS. Até por isso, tivemos uma resposta rápida ao desafio da pandemia, tanto na questão dos leitos como na própria estruturação da imunização no município, o que nos coloca uma esperança de conseguir também dar respostas aos desafios estruturais na cidade, porque eles existem, e a gente tem planejado, discutido, e elaborado projetos que virão nos próximos meses.

– É possível adiantar alguns desses projetos?
– Temos em andamento projetos para construção e reformas de UBSs. Nós também acolhemos o Canil, e a pauta da saúde animal é algo que nos é bastante caro. Queremos colocar na centralidade das discussões pautas importantes para o Município, como o aumento de casos de outras doenças, e, de um modo geral, pensar na ideia de uma cidade saudável. Já temos articulações bem constituídas com as secretaria de Agricultura, de Esporte e de Cultura, porque nós queremos envolver um projeto de cidade articulada dentro do território. Enfim, temos desafios que vão exigir dessa equipe o mesmo tipo de compromisso que está sendo dado em resposta à pandemia, e estamos nos preparando para que seja possível.

Tópicos: coronavírus / vacina

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