A Rodrigo Rodrigues


Por Juliana Netto

30/07/2020 às 07h00


“Foi Covid. Não, não foi”. “Foi trombose venosa cerebral, mas querem colocar a culpa no coronavírus”. “Porque ele devia ter comorbidade.” “Porque era obeso”. “Porque viajou nos dias de pandemia”. “Porque trabalha na Globo”. “Porque é flamenguista”. “Porque critica esse ou aquele presidente”. “Porque”, “porque”, “porque”. Confesso, Rodrigo, que doeu ler tanta coisa a seu respeito nos últimos dias. As tantas mensagens carinhosas de seus amigos e colegas de trabalho. E as várias outras, de pessoas que não lhe conheciam, mas que tentaram desqualificar sua perda.

Neste verdadeiro Fla-Flu que vivemos, lamentavelmente, até você – um cara que parecia ser tão do bem – foi vítima. Possivelmente vítima do vírus e certamente vítima de uma sociedade insana, que muito opinou – e ainda segue opinando – sobre sua causa mortis. E esqueceu que o atestado de óbito, a partir de agora, passa a ser o de menos, Rodrigo. Que você não estará mais fisicamente presente na vida dos seus amigos, da sua família, das pessoas que conheciam um cara muito além daquele rosto que a gente via na TV. Para nós, expectadores, assusta, choca, mas rapidamente passa. Para quem lhe conhecia na intimidade, não será bem assim, não é?

PUBLICIDADE

Julgo poder falar com conhecimento de causa, RR. Meu pai, vítima de trombose, como você, partiu também muito de repente. Você, com 45 anos. Ele, com 56. Alguns, até hoje, teimam em dizer que foi de infarto, o que eu não me importo, mesmo sabendo que não. Afinal, diferença não fará. Nem eu sabia exatamente o que era uma trombose. Imagino que para seus familiares, trombo ou coronavírus também pouco importam neste momento. Eles queriam é que você não partisse, ainda mais tão jovem. Como eu queria que meu pai tivesse ficado bem mais.

Pauta de luto no esporte não é a das melhores, você deve saber bem disso, Rodrigo. Esporte combina com vida, saúde, alegria, vibração. O ano começou péssimo com a partida de Kobe Bryant, em janeiro, ficou triste com as pausas nas competições a partir de março e fica ainda mais sem graça sem você no SporTV.

Você certamente aprendeu na faculdade que o jornalista nunca deve concorrer com a matéria. Não era para você ter virado assunto essa semana. Talvez uma fala mais polêmica no Troca de Passes, uma nova música da sua banda de rock, um livro recém-lançado… Mas a sua morte? Desnecessária.

Que nesse lugar para onde você foi, as criaturas estejam menos doentes da alma, Rodrigo. E sejam mais empáticas. Que até discutam esse gosto meio duvidoso pelo Flamengo, seu brinco estilo roqueiro, algumas opiniões esportivas que por vezes não agradaram, mas que, em hipótese alguma, polarizem sua morte. Que você seja acolhido sem que discutam antes se foi ou não Covid.

Você não merece isso. Nenhuma das quase 90 mil vítimas do coronavírus aqui no Brasil. Ninguém, acometido por doença alguma. Perda é perda, e todos fazem falta. Você fará. O esporte fica mais triste. O jornalismo esportivo também. Que, no plano que você estiver agora, as coisas estejam mais sadias, RR. Fique bem!

O conteúdo continua após o anúncio

Tópicos: coronavírus

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.