Profissionais avaliam ausência do futebol de JF na elite estadual e em nacionais

Após 15 anos, cidade deixa de possuir representante no Módulo I do Mineiro e Séries B, C ou D do Brasileiro


Por Bruno Kaehler

18/12/2020 às 06h00- Atualizada 18/12/2020 às 07h34

É um fato que o futebol de Juiz de Fora não passa por um grande capítulo em sua história. Para muitos profissionais e torcedores, aliás, há um cenário dos mais desafiadores e caóticos, tanto por conta da pandemia, mas, principalmente, em virtude dos sucessivos rebaixamentos registrados pelo Tupi; e um 2020 do Tupynambás para se esquecer dentro das quatro linhas, após o retorno à elite estadual. A conjuntura de resultados traz como consequência a ausência de um time da cidade na elite do Campeonato Mineiro ou em uma competição nacional, organizada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em 2021, o que não acontecia há 15 temporadas.

No atual panorama, somente em 2022, se Galo ou Leão retornarem à elite estadual na próxima disputa do Módulo II, JF voltará a ser representada na primeira divisão mineira. A partir disso, só há possibilidade de uma vaga na Série D do Brasileiro para 2023, ou seja, a cidade seguirá sem um time adulto em nacionais por, pelo menos, mais duas temporadas.

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Diante disto, a Tribuna conversou com especialistas da área, seja na gestão de clubes locais ou na cobertura deles, atrás de uma resposta nada simples de ser resumida: o que levou Juiz de Fora a não ter um representante na elite do futebol mineiro e em torneios nacionais após 15 anos de participações?

Legenda: Baeta e Tupi voltarão a se enfrentar em 2021, mas pelo Módulo II do Mineiro (Foto: Fernando Priamo)

A defasagem organizacional e o romantismo esportivo

Dois pontos são enfatizados pelo professor Heglison Toledo, formado em Educação Física na UFJF, com especialização em Treino Esportivo de Alto Rendimento, mestrado em Psicofisiologia do Exercício, doutorado em Gestão do Esporte e Pós-Doutorado em Esporte. O primeiro é a necessidade de se reiterar e contextualizar que “o esporte de alto rendimento não é várzea. Faz parte de uma indústria de comércio que gira em torno de 8% do PIB nacional. Transportar uma fatia para o município impacta na economia da cidade e, aí, entram as políticas públicas no esporte. Mas o esporte gera um forte impacto na rede hoteleira, bares, restaurantes, transporte. A microeconomia gira.”

O segundo, ainda conforme Toledo, também supervisor do JF Vôlei e vice-coordenador do Futebol UFJF, projeto de extensão referência na formação de jovens futebolistas da cidade e região, é um diagnóstico do que tem levado ao atual cenário do futebol profissional da cidade.

“São vários fatores, alguns técnicos e outros estruturais. A primeira coisa é que qualquer projeto esportivo precisa partir de uma tríade: equipamento, onde vai se fazer os treinos e os jogos; recursos humanos, que envolve a diretoria e a comissão técnica; e os recursos financeiros. Tem que partir dessa premissa”, inicia Toledo. “Em Juiz de Fora tem-se uma característica de que o que aconteceu no passado vai se repetir no futuro. Existe esse imaginário social, de um certo romantismo esportivo. Só que os tempos mudaram e, dentro desses 15 anos, houve espaço suficiente para preparar-se em relação aos recursos humanos e à capacitação de formação de pessoas. Isso a própria UFJF sempre fez. Temos vários ex-alunos em posição de destaque em várias modalidades, não só no futebol. Aproveitar a capacitação, que deve ser constante, haja visto que a própria CBF tem requisitado seus cursos, a licença aos treinadores.”

Conforme Toledo, é transparente a evolução do esporte ao longo do tempo, assim como a defasagem juiz-forana. “A cidade parou no tempo porque não se preocupou com as mudanças estruturais. Em determinado tempo ficou preocupada apenas com o suporte do Poder Público e o apoio irrestrito da imprensa, que tem que ser feito e sempre foi bem feito. Só que isso não foi aproveitado”, explica.

Há, ainda na estrutura dos recursos humanos, o pouco investimento na formação. “Nos últimos 15 anos não houve praticamente. A UFJF vem se destacando nos últimos tempos justamente por isso. A partir do momento que passou a ter equipamentos adequados, mais o recurso humano, que já era de qualidade, você começa a ter destaque esportivo, como vários atletas hoje comprovam, caso do Max no Flamengo, do Jhon Jhon no Grêmio, o Wesley no Atlético-MG, entre outros (todos jogadores que passaram pelo Futebol UFJF). Os recursos humanos são o coração de qualquer projeto.”

Aliado a isso, chega-se, então, no terceiro ponto da tríade: o recurso financeiro. “Como no passado era forte o apoio do Poder Público, não se pensou em estruturar-se para caminhar com as próprias pernas. E hoje existe um confronto em que o esporte mundial evoluiu tecnicamente, de maneira que está mais difícil, sofisticado, precisa de elementos técnico-científicos e conhecimento em geral para estar inserido nesse cenário. E não houve isso por parte das entidades esportivas da cidade, salvo o JF Vôlei, que desde o seu embrião, já vem com esse pensamento de formatar essa tríade”, garante Toledo.

Captação retrógrada

Dentro disso, o comportamento econômico do esporte mudou. “Estamos passando por um momento ainda mais desconhecido pela pandemia e pelos avanços tecnológicos, mas a captação tem que vir por diversas áreas e não somente na tradicional, o patrocínio direto. O clube precisa estar organizado juridicamente. Falo de governança, transparência, uma série de instrumentos de gestão para que possa, por exemplo, pleitear uma lei de incentivo. Do diagnóstico que a gente fez, somente o JF Vôlei, o Bom Pastor e alguma outra entidade tem essa condição. Isso tudo tem que ser alimentado ao longo do tempo. E entender que só a lei de incentivo não basta. É um processo muito burocrático. E essa comunicação entre a captação e o empresariado não foi saudável nos últimos anos. Todo esse somatório impacta diretamente nos resultados esportivos.”

Por meio destes fatores, a chance de sucesso no planejamento se eleva significativamente. “É bom lembrar que quando você faz uma ótima gestão, gera resultado, mas nem sempre o esportivo. Podemos citar o Flamengo, que apesar do ano passado, em 2020 já foi eliminado de duas competições. E quando você tem uma gestão desastrosa, impacta no resultado esportivo. A exemplo do Cruzeiro nos últimos anos. É importante que se tenha essa compreensão.”

O clube que não se organiza, paga

Para o jornalista Ivan Elias, do Portal Toque de Bola e uma das referências na cobertura esportiva local, o futebol atual – não apenas em Juiz de Fora – não permite grandes equívocos de gestão, sobretudo nas consequências econômicas.

“Embora não conheça as dificuldades financeiras e não gosto muito de generalizar porque cada um tem seus méritos e erros, ficou claro que sem o mínimo de planejamento, além de organização e estrutura, realmente complica. E hoje em dia isso custa muito financeiramente aos clubes, não só do futebol mineiro, como os grandes (de outros estados), caso do Botafogo agora. Se não se organizar minimamente – sabemos das dificuldades, mas são muitos erros -, o declínio técnico gera a queda, a perda de receita e tudo fica ainda mais complicado.”

Por isso, ainda segundo Ivan, os clubes voltam a um cenário de não ter sequer calendário na temporada. “É até um argumento para não se investir muito porque só joga por três ou quatro meses. A tendência é de que se faça cada vez mais o feijão com arroz.”

Em campo, o equilíbrio técnico também é crescente, punindo quaisquer erros cometidos. “No caso do Tupi, mesmo sendo Módulo II, se não tiver organização, também não sobe, porque temos uma tendência de achar que se tem tradição e saiu da primeira (divisão), volta com facilidade. E o Tupynambás pagou por um erro lá no começo, uma preparação errada. Um treinador errado (Paulo Campos, que deixou o Baeta após a 1ª rodada do Mineiro) antes do início do campeonato. Aí perde o equilíbrio totalmente.”

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‘A perspectiva é que a gente volte em definitivo’

O Tupynambás teve, esportivamente, um ano desastroso sobretudo pelo rebaixamento do Campeonato Mineiro. Soma-se isto ao adeus, no último domingo (13), na segunda fase da Série D do Brasileiro. Responsável pela formatação do elenco do Baeta, o vice-presidente de Futebol do clube, Cláudio Dias, atendeu a Tribuna e avaliou a temporada da equipe.

“No Mineiro, o Tupynambás teve uma estrutura muito boa, e os patrocinadores colaboraram muito, mas tivemos muitas lesões e atletas que nem conseguiram jogar. Com isso, nunca colocamos nossa equipe principal em campo. Além disso, vimos no percurso que o time não estava bem e contratamos atletas de referência, mas que não deram o resultado que imaginávamos. Dois times têm que cair e, infelizmente, o Baeta foi um deles, muito prejudicado pela pandemia também. Contratamos cinco atletas (para o retorno do Estadual) que não chegaram (por conta da Covid-19), analisa, emendando na situação da Série D.

“Passamos em uma chave muito pesada, com Brasiliense e Gama, que têm dinheiro, além de Atlético-BA e Bahia de Feira, que possuem bons resultados recentes no Estadual, todos com uma estrutura muito melhor que a nossa. Fomos eliminados, no entanto, para uma Aparecidense que não tem uma boa estrutura, mas foi muito melhor treinada do que a nossa equipe, que é muito boa. O resultado não refletiu o que jogamos, mas com atleta expulso e alguns suspensos, não fomos com força total e ficou mais complicado”, explica.

Apesar dos resultados em campo, Cláudio vê uma agremiação muito mais preparada, hoje, para a elite mineira. “O Tupynambás não estava estruturado nos últimos anos porque a gestão anterior deixou muitas dívidas e preferimos sanear o clube do que extrapolar, gastar o que não temos. O Baeta hoje tem todas as certidões negativas, o que poucos clubes do país possuem. Nossa intenção era sanear o clube e isso foi feito. Infelizmente saímos de forma precoce da Série D, não estaremos no Brasileiro, os dois times da cidade fora, mas a perspectiva é que a gente volte e de forma definitiva. É pedir desculpa ao torcedor pela queda, mas agradecê-lo por estar sempre ao lado do clube. Estamos fazendo um planejamento a longo prazo. Teremos novidades para que possamos voltar para a elite e ficar”, garante.

O diretor, que também é o atual presidente do Conselho Municipal de Desportos de JF, ainda destacou aguardar a posse da nova prefeita, Margarida Salomão (PT), com o novo secretário de Esporte e Lazer, Marcelo Matta, e outros nomes desta e de outras pastas, para aproximar o clube do Poder Público. “Tupi e Tupynambás precisam de um investimento à altura da cidade. Vamos esperar a nova administração assumir e ver o apoio ao esporte, porque não adianta se não houver verba. São vários os fatores que prejudicam o melhor andamento do futebol de Juiz de Fora.”

‘O Tupi teve uma má administração no futebol’

Em 2015, o Tupi comemorava o histórico acesso à Série B do Brasileirão, disputada no ano seguinte com um rebaixamento que iniciaria uma sucessão de quedas até o descenso do Mineiro do ano passado, já também sem vaga sequer na quarta divisão nacional. Em seu primeiro ano da nova gestão do Alvinegro de Santa Terezinha, o presidente José Luiz Mauller Júnior, o Juninho, credita a falta de representatividade de Juiz de Fora nas competições mais importantes à gestão passada no Carijó.

“Foi uma má administração do futebol. Tivemos uma possibilidade ímpar porque o time ascendeu à Série B, teve chance de se estabilizar no cenário nacional. Mas houve uma série de erros nas contratações, em avaliações equivocadas que levaram a gente a perder essa posição que é muito difícil de ser conquistada. E isso automaticamente foi se transformando em dívidas. Gerou uma turbulência muito grande no clube e culminou com o rebaixamento ao Módulo II do Mineiro, o que foi a gota d’água”, opina.

Para o mandatário, no entanto, há mais fatores. “A cidade, hoje, também não está muito focada na parte esportiva. E não só no futebol. Você não vê muitos atletas de ponta de Juiz de Fora nas principais equipes do Brasil. Quando isso acontece é por conta de um investimento próprio. São esportistas que vão disputar campeonatos de MMA, jiu-jítsu, judô e outras modalidades com dinheiro do próprio bolso.”

Há uma necessidade, conforme o presidente, do investimento estrutural para que se forme categorias de base fortes e, por consequência, possa se buscar um equilíbrio técnico-financeiro. “O futebol passou a se tornar dependente da base, porque antigamente não era, você conseguia descobrir talentos com muito mais facilidade. Hoje o esporte é muito mais exigente, dinâmico, então mesmo que JF fizesse um trabalho de base com as condições necessárias, teria um sucesso provisório como foi com o Tupi (vice-campeão mineiro sub-20 de 2019), por conta do trabalho de empresários. Tanto que não sobrou quase ninguém daquele time. Mas acho que hoje o Tupi está no caminho certo, porque qualquer clube que almeja ter uma base precisa de estrutura, e o nosso centro de treinamento vai nos fazer caminhar de forma correta no futebol, que é valorizar a base, mantê-la quando necessário e aproveitá-la na equipe principal.”

Tópicos: tupi / tupynambás

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