Alternativa para a crise, delivery veio para ficar

Serviços de entregas, comumente usado por estabelecimentos de alimentação, tem servido como alternativa para movimentar demais setores durante epidemia do coronavírus


Por Leticya Bernadete

10/05/2020 às 07h05

Em poucos dias, a loja de colchões Ortobom, localizada na Avenida Barão do Rio Branco 2.821, teve que transformar suas vendas físicas em vendas on-line, em sua totalidade. Com o fechamento do comércio em 20 de março, a empresa precisou inovar no atendimento e adotou o delivery – serviço de entrega em domicílio. O estabelecimento é um exemplo entre outros que precisaram rever seu modelo de negócio em meio aos impactos econômicos causados pela pandemia do novo coronavírus. Uma pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) apontou que cerca de 44% dos pequenos negócios de Minas Gerais estão aptos a realizar as atividades via internet, mesmo que parcialmente. Destes, 16% passou a oferecer o serviço durante a crise. Especialistas ouvidos pela Tribuna apontam que é preciso que as empresas se renovem em momentos de desequilíbrio econômico, acompanhando as mudanças de hábito dos consumidores.

O serviço de delivery é uma dessas alternativas e deve ganhar cada vez mais adesão entre os mais diferentes segmentos comerciais.
Para a mudança no modelo de negócio, a empresa intensificou estratégias de marketing e ampliou a divulgação do seu número do aplicativo WhatsApp, canal escolhido para primeiro contato com os clientes e para realizar o atendimento. De acordo com o CEO do estabelecimento, Emerson Alves, a campanha buscou apontar os motivos pelos quais as pessoas poderiam precisar dos produtos vendidos na loja. “Fizemos uma publicidade mostrando a razão de delivery de colchão, o porquê seria interessante: os bebês continuam nascendo; às vezes, as camas quebram; pessoas estão se mudando (atendemos vários clientes que vieram de outras cidades para cá); o colchão está velho e precisa de mais conforto. Isso gerou engajamento de divulgação.”

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No início, a empresa encontrou determinada resistência por parte dos clientes, entretanto, a divulgação tem ajudado a ganhar a confiança dos consumidores. Apesar do tempo no atendimento ter sido ampliado – o que durava cerca de 30 minutos leva, agora, até duas semanas – e ter ocorrido uma queda em relação às vendas físicas, o sistema de delivery tem ajudado o estabelecimento a se manter durante a atual conjuntura. Segundo Alves, a loja também adotou uma ação que oferece 100 dias de teste para os clientes. “Com isso, começamos a vender os colchões melhores, então aumentou nosso tíquete médio e passamos a atender clientes mais exigentes também”. conta. “Com essa ideia de testar o produto por 100 dias, eles acabaram começando a comprar, porque, realmente, se não se adaptar, pode trocar por um outro modelo depois ou até receber o dinheiro de volta.”

Com o fechamento do comércio em março, loja de colchões precisou inovar no atendimento e adotou o serviço de entrega em domicílio (Foto: Divulgação)

Mudança de consumo

As atividades econômicas respondem a incentivos e a mudança no gosto do consumidor. Na situação atual, com grande parte do comércio fechada, este consumidor está sendo obrigado a experimentar novas experiências, de acordo com o professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Fernando Perobelli. Desta forma, estabelecimentos têm aproveitado para aderir ao serviço, entretanto, outros ainda resistem. “Muitas empresas que ainda não estavam investindo no delivery achavam que ter ponto de venda é importante. Não que o ponto de venda não seja importante, mas você tem que encontrar caminhos para que seu produto chegue ao consumidor e esses caminhos devem ser os caminhos mais diversos. Nesse momento, o grande caminho é o delivery”, diz. “A crise é o momento de oportunidade, é o momento de criatividade.”

Nesta circunstância, o serviço de delivery tem ajudado a mover o sistema econômico de uma forma conhecida como “efeito dominó”: a movimentação de um setor faz com que os demais setores também se movimentem. Apesar de ocorrer de maneira mais lenta do que o habitual, as alternativas encontradas pelos empreendedores permitem que o sistema não paralise em sua totalidade. “O delivery tem sido uma das molas de movimentação da economia, porque ele tem ligado o produtor e o vendedor ao consumidor”, explica Perobelli.
Para o especialista, a pandemia do coronavírus e seus impactos econômicos deve alterar o hábito dos consumidores, agregando cada vez mais valor ao delivery. Isto, em especial, a um fator ligado à aprendizagem, em que pessoas que não eram acostumadas a usarem o serviço passaram a depender do mesmo. “Acredito que teremos uma tendência de crescimento desse tipo de atividade econômica.”

Lojas buscam alterar modelo de negócio

Normalmente usado por estabelecimentos ligados à alimentação, o delivery está sendo adotado por diferentes setores. Também buscando se adaptar em meio ao fechamento do comércio, as Óticas Carol passaram a realizar entregas de lentes de contato, entre outros tipos de atendimentos de maneira remota.

Segundo um dos franqueados em Juiz de Fora, Ricali Rodrigues, poucos dias após a publicação do decreto que limitou as atividades econômicas na cidade, a loja implantou o delivery para as lentes de contato, mas também para entregar aos clientes os óculos que já estavam prontos. “Caso o cliente quiser alguma coisa indispensável, também estamos preparados até para fazer um atendimento na casa dele, se for necessário”, explica.

A empresa também apostou na divulgação on-line do delivery para chegar até os clientes, que já têm apresentado feedbacks positivos do serviço. “Até entendemos que isso será um canal que não vai poder acabar, provavelmente, que continuará existindo depois disso tudo.”

Galeria Secreta adianta lançamento do site para iniciar suas vendas on-line (Foto: Fernando Priamo)

Crise antecipa estratégia

A loja colaborativa Galeria Secreta viu a necessidade de adotar o delivery antes do que havia planejado. O estabelecimento iria lançar um site no final deste ano, mas as circunstâncias levaram a antecipar a adesão às vendas on- line. “Foi um processo super rápido, mas que ainda está em construção”, conta o administrador da Galeria, Gustavo Monteiro. “Foi uma forma que encontramos para continuar e, principalmente, fazer com que as mais de 100 pequenas marcas que temos na loja continuem também, porque elas iriam ficar sem vender nesse tempo todo.”

Por ser uma medida repentina para tentar driblar os impactos do fechamento do comércio, o estabelecimento tomou outras ações, como marcar horário com o cliente para retirar determinado produto na loja. “Dentro da loja, só quem entra sou eu. Eu faço o pacote do cliente com o que ele pediu, higienizo e vou lá fora de máscara entregar para ele”, explica Gustavo. A loja também criou um esquema de drive-thru, em que os clientes não precisam descer do próprio carro para pegar o produto.

O estabelecimento atende, também, pelas redes sociais, forma encontrada para estar mais próximo dos clientes e auxiliá-los no processo de compra. Para se adaptar ao novo modelo, a Galeria Secreta está atuando com equipe de entregadores, preparando-os para evitar o contágio pelo coronavírus. “A pessoa paga de forma antecipada – pelo boleto ou pelo link de pagamento do cartão de crédito – para que não tenha que fazer nenhum tipo de contato com o entregador. O pedido já sai da loja com a entrega e o produto pagos, então o entregador só tem que deixar na portaria.”

Foto: Fernando Priamo

Cerca de 44% das empresas podem realizar delivery, aponta pesquisa

Momentos de crises exigem que as empresas repensem sua forma de atuar no mercado, especialmente porque os clientes também mudam seu comportamento de consumo, de acordo com o gerente regional do Sebrae Minas, João Roberto Marques Lobo. “As empresas precisam se reinventar para não perder mercado e, em algumas circunstâncias, até ampliar mercado em plena crise. Assim tem sido, por exemplo, com uma série de empresas que têm buscado delivery, principalmente empresas da área de alimentos e bebidas, mas também de outros segmentos.”

A pesquisa do Sebrae, sobre o impacto econômico nos pequenos negócios de Minas em meio à pandemia da Covid-19, mostrou que cerca de metade dos entrevistados (53%) disseram que sua atividade permite o atendimento dos clientes de forma remota/via internet (9% ainda não realizaram as adaptações necessárias para atender de forma remota e 44% estão aptos a realizar as atividades de forma remota, mesmo que parcialmente). Dos que estão aptos, 84% já atendia os clientes de forma remota antes da crise e 16% passou a atender recentemente.

O levantamento também buscou conhecer as principais dificuldades destacadas entre os empresários para o atendimento via internet (ver arte). Entre elas, estão a falta de estrutura logística para entrega (19%), falta de sistema de tecnologia adequado (18%) e falta de funcionários capacitados para operar o sistema de tecnologia (11%).

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“Várias empresas acusaram que, apesar de ter iniciado nesse novo modelo de negócios, havia dificuldade para continuar trabalhando nisso. É importante as empresas se reinventarem, mas como elas não fazem isso de forma planejada, elas acabam atropelando o processo e tendo dificuldades de fazer essa nova operação”, aponta o gerente regional da Sebrae.

Para Lobo, as empresas que foram levadas a mudar a forma de negócio repentinamente e sem planejamento, passando a oferecer delivery, por exemplo, terão que reestruturar tal serviço para que seja possível se consolidarem no mercado. “Muitas vão conseguir, mas outras também que tiveram dificuldades e não conseguiram propiciar uma experiência positiva para o cliente, vão ter que voltar atrás e vão ter que abrir mão de trabalhar com esse tipo de serviço”, alerta.

Aplicativos versus redes sociais

En meio às diversas possibilidades de oferecer atendimento remoto aos clientes, muitas empresas têm optado por realizar o serviço por meio das redes sociais. Entretanto, por mais que elas ofereçam facilidade no contato com os clientes, a estrutura não é tão adequada quanto plataformas próprias para vendas on-line e delivery, segundo o gerente regional do Sebrae Minas, João Roberto Marques Lobo. Os aplicativos para tal finalidade trazem maior segurança tanto para clientes quanto para empresas, evitando fraudes por meio de perfis falsos, além de oferecer auxílio no momento de realizar a entrega do produto. “Lógico que você paga por isso, algo em torno de 10% a 18% do valor de venda do produto para poder utilizar essas plataformas profissionais de venda, entretanto, você tem mais segurança, mais disposição, consegue divulgar mais o seu produto e, melhor ainda, você tem o que chamamos de gestão de vendas.”

Segundo Lobo, a gestão de vendas inclui oferecer alternativas de pagamento aos clientes bem como segurança pós-venda. Caso ocorra algum problema, tais plataformas podem mediar e auxiliar vendedor e consumidor. “Isso não tem nas redes sociais? Tem, mas não é tão profissional e garantido quanto essas plataformas de venda. Infelizmente, quando você trata isso pelas redes sociais, elas não se cercam de todas as garantias para eventuais processos de delivery.” Além disso, conforme o gerente regional do Sebrae, o próprio consumidor se sente mais seguro utilizando as plataformas de vendas virtuais já consolidadas no mercado.

Apesar de empresas de diferentes segmentos estarem experimentando, pela primeira vez, a venda remota e delivery, de acordo com Lobo, o consumidor já estava aderindo cada vez mais ao serviço. “Como tem sido muito positivo, nós temos visto que o aumento dessas vendas delivery tem tido uma aceitação muito grande, é natural que, após essa crise, o consumidor se mantenha nessa experiência de consumo”, afirma.

Tópicos: coronavírus

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