As ondas e marés sonoras de Cinnamon Tapes

Cinnamon Artista Paulista apresenta, neste domingo (30) na Necessaire canções de seu álbum de estreia, produzido pelo ex-baterista do Sonic Youth


Por Júlio Black

28/09/2018 às 20h15

Primeiro álbum de Cinnamon Tapes (no detalhe), alter ego musical de Susan Souza, foi gravado entre 2016 e 2017 nos Estados Unidos (Foto: Mô Bertuzzi/Divulgação)

Às vezes, beeeeeem de vez em quando, por um feliz acaso, temos a oportunidade de fazer descobertas tardias e tentar recuperar o tempo perdido. Um exemplo: “Nabia”, álbum de estreia de Cinnamon Tapes, é um dos melhores discos lançados por aqui em 2017 e estava por aí, nessa interminável nuvem de oportunidades chamada internet, merecendo ser descoberto. E que pode ser melhor conhecido graças ao show que a cantora faz neste domingo (30), às 19h (abertura da casa), na Necessaire, que também terá apresentação de Gabriel Acaju.

Lançado pela Balaclava Records e também disponível para aquela audição esperta nos serviços de streaming, “Nabia” é um belo apanhado de canções que transitam entre os mais diversos temas: o feminino e o feminismo, alegrias, tristezas, solidão, misticismo. Tudo embalado por uma sonoridade que se encaixa confortavelmente entre o rock alternativo de baixas rotações, para se ouvir contemplando o horizonte (imaginário ou não), e também ecos da música folk, todas cantadas ora em português, ora em inglês.

PUBLICIDADE

É como se fosse uma melancolia que – olha só a ironia – te joga para cima, capaz de despertar o interesse de Steve Shelley, do finado Sonic Youth, que produziu o álbum no estúdio de sua antiga banda, em Hoboken (EUA), e também tocou todas as baterias do disco. Quem também participou das gravações foram Emil Amos (Holy Sons, Grails, Om) e Paulo Kishimoto (Forgotten Boys).

E quem é Cinnamon Tapes? Trata-se do nome artístico da cantora, compositora e instrumentista paulista Susan Souza, que durante bons anos até participou de alguma banda ali e aqui, mas tinha como dedicação principal o jornalismo. Tudo isso mudou quando ela decidiu que era hora de ir largando aos poucos o ofício de jornalista e se assumir como artista em tempo integral. Ao escolher um alter ego musical, as referências são próximas e afetivas: “Cinnamon” faz referência à canela, especiaria que ela diz apreciar e cujos sabor e aroma lhe trazem conforto; “Tapes”, por sua vez, veio de seu hábito na infância de criar músicas em fitas cassete.

“Nabia”, o nome do álbum, remete à deusa da mitologia pré-Galícia que protege as águas. “Sempre gostei de símbolos e de personagens mitológicas femininas”, diz, acrescentando que este também era seu nome no ICQ, serviço de mensagens instantâneas antepassado do MSN, Skype e WhatsApp.
Para sua primeira vez em terras juiz-foranas, Cinnamon Tapes virá sem sua banda, numa apresentação estilo voz e guitarra, formato que eventualmente assume em sua turnê, que passou esta semana por Belo Horizonte (quinta), São Paulo (sexta) e está programada para este sábado (29) no Rio de Janeiro. “Fiquei muito feliz com o convite, acho que a noite será ótima! Pelo que pude sacar do som do Gabriel Acaju, será uma noite bem confessional e intimista. Espero que a galera que for ao Necessaire também curta esse passeio mais quietinho, de canções introspectivas.”

De jornalista a artista, mas sem atropelos

O processo que levou a jornalista Susan Souza a se tornar Cinnamon Tapes pode ser considerado um desses momentos em que estamos ali, naquela encruzilhada de grandes decisões, mas em que temos certeza de que algo precisa ser feito – mas sem colocar todas as cartas na mesa de uma só vez. “A mudança foi gradual, conforme fui entendendo que minha função de jornalista não me interessava mais. Em terapia e em processos de autoconhecimento, fui me conectando melhor comigo mesma. Quando decidi me profissionalizar na música, eu ainda tinha um emprego como produtora de vídeo, fui fazendo as duas coisas paralelamente até que a música virou a carreira principal, ao lado da astrologia e do tarot, que também são ocupações que exerço hoje com regularidade”, explica.

“Não acho que demorei (a me decidir), não foi uma decisão que fiquei adiando para tomar, não vivi esse dilema. Considerar que eu demorei seria o mesmo que colocar uma data de validade para fazer coisas novas, e os sonhos não têm tempo certo para serem colocados em prática. Eles dependem mais de circunstâncias e de entendimento sobre nosso próprio tempo e desejos. Acredito muito que as vivências têm o seu tempo certo para acontecer, e eu estou no meu momento certo agora.”

Trabalhando com um ex-Sonic Youth

Decidida a investir na música, veio a feliz entrada de Steve Shelley na nova temporada do seriado de sua vida. E totalmente no esquema “vai que cola”: ela mandou uma mensagem no Instagram do baterista dizendo que tinha algumas canções que gostaria que ele ouvisse. Pois o ex-Sonic Youth não apenas respondeu como se mostrou interessado em ouvir o trabalho de Susan, e ela enviou três demos que agradaram ao músico. “Foi assim que começou a parceria de trabalho. Eu fui para Hoboken duas vezes durante minhas férias do trabalho, em 2016 e 2017, para as gravações e mixagem do disco”, relembra.

“Foi uma experiência ímpar de muito aprendizado e respeito, havia um enorme interesse de todos em fazer um trabalho leve, colaborativo. Fiquei muito feliz com o resultado”, continua. “Fomos trocando referências antes de eu chegar por lá, tudo que compunha aqui mandava por email, e assim fomos moldando as canções. Ensaiávamos antes de gravar e pensávamos nas estruturas seguindo o fluxo natural do que eu já havia apresentado. Steve fez as baterias e orientou sempre com muito respeito nos outros instrumentos, foi uma troca.”

O resultado é que “Nabia” tem canções etéreas, confessionais, místicas, ligadas ao fascínio do mar, entre elas “Sol”, “Road”, “Skull”, “Cinnamon Sea” e “Ventre”, que entrega versos como “Eu me encontrei / Em liberdade / E deixei de ser
/ Estrangeira em mim”. O compartilhamento desses sentimentos, acredita, vem num momento em que se faz necessário se posicionar devido ao momento conturbado pelo qual o país vem passando. “O quanto eu puder falar sobre o feminino e o feminismo, eu vou. O show é um ato político também, não existe apresentação sem mensagem. O mar e o misticismo são os meus símbolos para falar de assuntos leves e sérios, para defender a luta feminista também. Falar de depressão, relacionamentos abusivos e assuntos não muito palatáveis também é importante, não podemos ter medo dos nossos próprios medos, falar sobre eles ajuda a superar. Pelas letras, podemos melhorar o dia de alguém, trazer alguma reflexão positiva. E os shows reforçam a mensagem, pelo menos é como eu gostaria que fosse.”

Vivendo os momentos certos nos… momentos certos

Susan Souza começou a tocar violão de forma autodidata, ainda criança, e depois passou pelas aulas de guitarra, violão, “um pouco de piano” e canto. Dentre as artistas favoritas, ela destaca PJ Harvey, Cat Power, Nina Simone, Nara Leão, Gal Costa. “Ouço de tudo, de novidades gosto muito dos mineiros do Moons, estou ouvindo bastante o disco da Ozu, lançado esses dias, e sempre recomendo o coletivo Rimas e Melodias, que tem a Tassia Reis, acho espetacular o trabalho delas”, elogia.

O conteúdo continua após o anúncio

O álbum de estreia de Cinnamon Tapes chegou quando Susan tinha 33 anos. Por isso mesmo, vale uma última pergunta: O quanto a maturidade e suas experiências podem ter ajudado a se tornar uma artista diferente daquela que poderia ter arriscado antes?

“Fui bem feliz como jornalista em vários momentos, e fiz muitas coisas das quais me orgulho bastante e sou grata. Foi importante ter vivido minhas experiências anteriores, certamente o álbum reflete isso, a maturidade me faz ter mais paciência com os processos”, afirma. “Não me arrependo de não ter lançado antes, porque nem tinha esse objetivo definido na época. Tenho a certeza de viver agora exatamente o que é para ser vivido. Não sinto nenhuma tristeza por não ter me lançado musicalmente antes porque a ideia de me profissionalizar na área levou um tempo para ficar óbvia aos meus próprios olhos. Claro que sempre gostei de música e vislumbrava algo, mas precisei passar pelos processos terapêuticos, crises pessoais e pelo ensinamento do tempo para entender que era para as artes que eu queria me direcionar com alma.”

CINNAMON TAPES
Domingo, às 19h (abertura da casa), na Necessaire (Rua Halfeld 395)

Primeiro álbum de Cinnamon Tapes (no detalhe), alter ego musical de Susan Souza, foi gravado entre 2016 e 2017 nos Estados Unidos (Foto: Mô Bertuzzi/Divulgação
<IMAGEM VALUE=|L:\IMAGENS\SEM TRATAMENTO\SETEMBRO\29\CINNAMON TAPES_8_CREDITO_MÔ BERTUZZI.JPG|0||0|0|0>
REPRODUÇÃO
<IMAGEM VALUE=|L:\IMAGENS\SEM TRATAMENTO\SETEMBRO\29\CINNAMON TAPES NABIA.JPG|0||0|0|0>

 

Tópicos: música

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.