Oito acervos de JF sofrem com série de descasos

Em visita a oito espaços, Tribuna constata a vulnerabilidade de acervos de importância para a memória e a pesquisa do Brasil e do mundo, que sofrem com a falta de equipe e recursos para preservação, além da desatualização de equipamentos de conservação, entre outros descasos


Por Mauro Morais

09/09/2018 às 07h00- Atualizada 10/09/2018 às 19h52

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Os incêndios são constantes e invisíveis. Não causam fumaça, nem odor, nem fuligem. Mas transformam tudo em pó. A cada nova volta do relógio, um tanto a mais dos acervos de Juiz de Fora se perde, num fenômeno irreversível. Modelar na cidade, a biblioteca onde estão os livros do poeta Murilo Mendes, no museu que leva seu nome, possui documentos que preveem a preservação da coleção, equipe especializada e equipamentos para a conservação do material. Ainda assim, a deterioração é uma realidade. “Pela datação histórica, essa biblioteca é constituída de um material que chamamos de papel-madeira, que é um papel que tem origem no lenho da árvore e que tem um processo de deterioração muito intenso. Em inglês, chama-se ‘slow fire’, ou seja, fogo lento, porque vai acometendo toda a estrutura química da composição celulósica”, explica Aloisio Arnaldo Nunes de Castro, especialista no campo da preservação, conservação e restauração de acervos em suporte de papel, referindo-se ao chamado século maldito do papel, que abrange o período entre 1850 e 1950. Um dos restauradores do local e integrante do conselho curador do Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm), o profissional acompanha com preocupação o processo, contornado com o auxílio de ar-condicionado, desumidificador e materiais específicos para a neutralização dos efeitos.

Biblioteca Municipal, no Complexo Bernardo Mascarenhas, tem área isolada após queda de janela (Foto: Marcelo Ribeiro)

“Ela é uma biblioteca rara, de difícil conservação, como qualquer outra biblioteca do mundo, cujo arco de tempo dos livros ou documentos está nesse período. Depois apuraram a tecnologia do papel, e hoje eles já não têm esse problema”, aponta Ricardo Cristofaro, diretor do Mamm. “Esses papéis estão condenados. E o congelamento deles é um dos caminhos ideais”, diz, para logo completar: “Essa biblioteca, então, precisa ser toda digitalizada, um processo que já começamos a fazer, guardando informações importantes para os pesquisadores num suporte digital. Com isso, não será necessário acessar o objeto de origem”.

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O incontornável “fogo lento” que acomete a coleção muriliana é veloz no Arquivo Histórico de Juiz de Fora, espaço que reúne documentação datada, principalmente, entre a metade do século XIX e a metade do século XX, e não conta com desumidificadores nem ar-condicionado, além de estar todo o agigantado material acondicionado em caixas de papelão ou envoltos em papel pardo, que contribuem para a deterioração. É igualmente veloz na Biblioteca Municipal, que também leva o nome do autor de “A idade do serrote” e reúne a mais completa coleção de periódicos da região embrulhados em papel pardo, sem sistemas de climatização e com uma área do setor de memória, no último andar do prédio, com restrição de acesso após a queda de uma das janelas do espaço. Degradação semelhante se repete em diferentes acervos de Juiz de Fora, espaços de memória e de descaso, que carecem desde material de consumo básico até equipe para manter as portas abertas. Nos dias que sucederam o incêndio que devastou o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, a Tribuna acompanhou a realidade dos principais acervos da cidade, que pouco a pouco se tornam silenciosos amontoados de cinzas.

O peso da história ou a história de peso


Sem ar-condicionado no local, Arquivo Histórico preserva precariamente documentação desde quando Juiz de Fora pertencia à Barbacena (Foto: Olavo Prazeres)

Manuel tinha apenas 2 anos, e sua descrição enumerava seu nome, o adjetivo criolo, a idade e a origem mineira. No mesmo parágrafo está Esperança: “criola, 35 anos, solteira, roceira, mineira”. Os dois, de um conjunto de uma dezena de pessoas, compartilhavam a condição de escravizados pelo senhor Joaquim Fernandes de Carvalho, numa fazenda em Simão Pereira e o fato de terem sido, como reles objetos, penhorados. O registro da objetificação a que também foram submetidos está num dos livros que formam o acervo do Arquivo Histórico do município, onde também está guardado um enorme livro com o registro da movimentação bancária dos correntistas do Banco Territorial e Mercantil em 1890, dentre eles Frederico Ferreira Lage, filho mais velho de Mariano Procópio. Em outra estante está o registro dos seis eleitores juiz-foranos iniciais, do período imperial, além de cadernos tomando nota da qualificação de votantes de 1899, 1901 e 1902. Dentre as fichas criminais, está a de um negro, que, submetido à escravidão, ficou doente e foi isolado junto da família. Depressivo, cortou a garganta dos filhos, da mulher e se matou.

Nas prateleiras abarrotadas de caixas e calhamaços de papel no prédio de número 560 da Avenida Brasil, estão não apenas a documentação da vida cotidiana no passado de Juiz de Fora, como narrativas que dão contam das crueldades do período da escravidão no Brasil e curiosidades acerca da construção da cidade, como a planta com o projeto de construção de um cassino em pleno Parque Halfeld. A isso, agrega-se, ainda, o acervo documental do ex-prefeito Mello Reis, à espera de catalogação. Valioso, o acervo que parte da segunda década do século XIX possui digitalizado apenas o período imperial. O trabalho de registro fotográfico do material, bem como o atendimento a pesquisadores, é realizado por apenas dois funcionários e quatro estagiários, num espaço de estrutura simplificada, com poucos extintores, ainda que disponha de censor de fumaça por toda a sua extensão. A robustez do conteúdo que preenche o espaço não condiz com o sistema de preservação que a ele é oferecido. Em nota, a assessoria de comunicação da Prefeitura de Juiz de Fora informa que o governo municipal “tem buscado fontes de financiamento para novos investimentos no local”.

Da mesma forma, a importância histórica, social e científica do Museu da Malacologia não está refletida no espaço que ocupa. As salas pequenas, na ponta do Instituto de Ciências Biológicas da UFJF, agrupam laboratório, sala de estudos, espaço expositivo e uma biblioteca para a qual a própria curadora do museu, a professora Sthefane D’Àvila, especialista em comportamento, biologia, taxonomia e morfologia de moluscos pulmonados terrestres, helmintologia e histologia de invertebrados, comprou as cortinas. Segundo conta, as persianas antigas estavam quebradas, e o sol que adentrava o lugar acelerava a degradação dos livros.

“Eu mesma comprei o blecaute, vim aqui, com a furadeira, e instalei. Em qualquer museu e coleção, verá que as pessoas fazem isso, porque sabem do valor que as obras têm, a raridade que possuem e que estão acondicionadas de forma inadequada. Tentamos preservar da forma que conseguimos, mas sem um especialista em museologia, sem um bibliotecário para os livros, sem armário adequado para acondicionar. Guardamos da forma que podemos”, emociona-se a pesquisadora, revelando a paixão envolta em seu ofício e no de muitos outros trabalhadores cuja maior parte do tempo que possuem é vivida nesses acervos, sustentados, sobretudo, pelo entusiasmo e dedicação desses profissionais, como é o caso do próprio Arquivo Histórico, da Biblioteca Municipal Murilo Mendes e tantos outros endereços.

Com brilho nos olhos, Roberto Dilly, que convidado para cuidar do Museu do Crédito Real (instituição estadual) por três meses acabou permanecendo por mais de duas décadas, apresenta cada canto do agigantado prédio, com o qual parece ter um carinho quase doméstico. “Sou historiador, estou comprometido com esse trabalho há 45 anos, amo essas coisas, não quero que se perca nenhum botão de uma cadeira. Quando me acusam de preservacionista, na verdade, estão me elogiando. Temos vontade, mas não temos dinheiro. O pouco de verba que conseguimos, vamos criando prioridades. Infelizmente vivemos essa realidade”, reforça.

Um dos cinco maiores acervos da área no país, Museu da Malacologia sofre com falta de recursos, o que resulta em série de improvisações na preservação de coleção iniciada há mais de cinco décadas (Foto: Leonardo Costa)

Futuro preservado no passado

Preservados por séculos a fio, os moluscos guardados no passado em vidros com substâncias conservantes serviram às pesquisas contemporâneas acerca da genética. Curadora do Museu da Malacologia, Sthefane D’Ávila conta o fato para ilustrar o alcance incalculável de acervos como o iniciado pelo professor Maury Pinto de Oliveira. “Só quem trabalha numa coleção sabe o quanto é custoso, são anos de vida e de pesquisa de várias pessoas. Não é só história, porque esse material pode servir para gerações futuras, que vão usar de maneira que agora não sabemos, com as possibilidades que virão do avanço tecnológico. É um trabalho de formiguinha, porque não temos um funcionário aqui, ninguém especializado em acervo. Sou professora, não tenho esse cargo de curadora remunerado, e faço esse trabalho com bolsistas de graduação e pós-graduação e vamos tocando o museu”, diz a pesquisadora, numa sala onde o ar-condicionado há algum tempo já não funciona, em contradição com as modernas estantes para onde ela e os bolsistas transferem, pouco a pouco, o acervo, retirados dos antigos armários de madeira.

Repleto de caixas com dúzias de garrafas de álcool, armários em madeira e ainda muitas peças envoltas em algodão e caixas de papel (o que por si só já ajuda na deterioração das peças), o museu cercado por grossas grades nas janelas tem redigido um plano museológico, ainda sem previsão para ser implementado. “O Museu da Malacologia está cadastrado no Ibram, mas não existe um documento de criação oficial da universidade. Hoje em dia não temos verba direcionada para cá. O que conseguimos de material de consumo, como o álcool e os produtos de limpeza, vem via secretaria do ICB, o que é bastante limitado”, lamenta Sthefane, que espera comemorar no local, em 2019, os 50 anos da Sociedade Brasileira de Malacologia, também fundada por Maury Pinto de Oliveira. “É uma das coleções mais importantes do Brasil, com material do mundo todo. É uma coleção rica em termos da representatividade da diversidade de moluscos”, pontua ela, mostrando etiquetas originais provenientes de Recife, Angola, Austrália e Filipinas, locais para onde, certamente, também foram conchas enviadas de Juiz de Fora, já que era uma prática da área a permuta de peças.

Ironicamente e como toda coleção científica, a do Museu de Malacologia da UFJF permanece crescendo sem ter para onde expandir. A pequena parcela das peças exposta no novíssimo Centro de Ciências, na Praça Cívica, não ajudou a desafogar as salas no ICB. “Toda coleção científica, seja de animais ou plantas, tem uma importância por si só, porque é da biodiversidade que vem tudo o que precisamos. Mas os moluscos, em particular, permeiam a nossa cultura de maneira muito profunda. A forma das conchas influenciaram e influenciam a arquitetura. Tem conchas importantes na religião, outras são usadas como moedas, além de os moluscos serem fontes de alimentos e as conchas terem o fascínio da natureza”, defende a curadora do lugar, ainda bastante abalada com a experiência vivenciada pelos colegas no Museu Nacional, que, caso tenha extinto por completo sua coleção de malacologia, alçou em relevância o museu juiz-forano.

Museu da Malacologia aguarda reconhecimento para implementação de plano museológico. (Foto: Leonardo Costa)

A tragédia carioca também voltou os olhos para o Museu Mariano Procópio, que, como o espaço na Quinta da Boa Vista, também se notabilizou por contribuir na leitura do período imperial brasileiro. No ano em que a reabertura do parque, após reformas, completa uma década, a Villa Ferreira Lage segue fechada para visitações. Considerando as janelas e portas cerradas e a ausência completa de movimentação de obra no local, a recuperação do prédio aparenta estar paralisada, mais uma vez. Questionada pela Tribuna sobre a constatação, a Prefeitura, por nota, afirmou que a “instituição está trabalhando para a liberação de outros processos para o andamento das obras necessárias”.

De acordo com a professora do curso de história da UFJF, Maraliz de Castro Vieira Christo, uma das maiores especialistas no acervo da casa, a coleção de artes plásticas do local é comparável à do Museu Nacional de Belas-Artes e à da Pinacoteca do Estado de São Paulo. “É um acervo que precisa ser conhecido para ser mais compreendido. Só uma peça não dá a dimensão do todo. É uma coleção eclética, muito rica em várias áreas do conhecimento. Há uma parte de artes plásticas importante, com pintura, desenhos e esculturas. Também há artes decorativas, arte de numismática, dentre outras. É um museu que nasceu de uma coleção privada, não tinha caráter de uma história regional”, aponta Maraliz, lamentando o fechamento do espaço para visitações: “O Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro, fez toda uma reestrutura em seu circuito e pôde se planejar, fechando uma parte e mantendo o museu aberto. Ele teve tempo de se planejar. O Mariano Procópio não teve tempo algum. Começou a ter problemas em sua estrutura, com reboco caindo, e precisou fechar por completo, como o Museu Paulista (fechado há cinco anos).”

Sistema de segurança do Museu Mariano Procópio não condiz com valor do acervo; Galeria Maria Amália é a única parte do prédio aberta a visitação (Foto: Olavo Prazeres)

 

Mariano Procópio: O museu sem museólogo

A ausência de sinalização ostensiva, a presença de apenas dois vigias na Galeria Maria Amália, no prédio onde está a parte mais significativa do acervo, e a falta de demarcação no chão para os seis extintores dispostos na ala aberta para visitação só não chama mais atenção do que o fato de o reconhecido acervo do Museu Mariano Procópio não contar, atualmente, com museólogo em seu quadro de profissionais. De acordo com a professora Maraliz de Castro Vieira Christo “as condições de pesquisa estão piorando bastante. Se temos um museu como campo de pesquisa e ele está fechado, não tem os funcionários adequados, dificulta todo o trabalho”. Segundo nota da assessoria de comunicação da PJF, “com a reabertura de outras alas, a equipe deve aumentar, de acordo com a demanda, e por isso o quantitativo atual é suficiente.”

Sem equipe disponível para a recepção dos visitantes do Museu do Crédito Real, o espaço perdeu seu horário de visitação. Com um vigia na portaria do prédio, o local teve duas de suas vagas de colaboradores alocadas em outros órgãos da Secretaria Estadual de Cultura, responsável pela gerência do museu. Ao contrário do Mariano Procópio, de responsabilidade do município, o lugar possui uma museóloga, que divide com o diretor do local a tarefa de abrir e fechar a porta para os visitantes, revezando-se para dar conta de presenciar as atividades sediadas no edifício que faz a esquina do Calçadão com a Avenida Getúlio Vargas. “A grande demanda do museu, hoje, é recurso humano, gente para abrir o espaço nos finais de semana, o que aumentaria bastante a visitação. Eu venho, quando me pedem e posso. Mas o ideal seria que as pessoas pudessem vir num horário de visitação amplo”, confirma o diretor Roberto Dilly.


Expografia do Museu do Crédito Real tornou-se obsoleta, e material é acondicionado de forma improvisada diante de escassa verba e reduzida equipe (Foto:  Marcelo Ribeiro)

No interior da edificação que completa 90 anos em 2019, estão 82 mil itens de um acervo que já soma 54 anos e, em seus primórdios, servia apenas ao marketing do banco homônimo. Ao ser doado ao Governo de Minas Gerais, em 1998, passou por uma profunda restauração, inclusive revitalizando e atualizando toda a parte elétrica e trocando elevador. No projeto de transformar o prédio em Palácio da Cultura, o local passou a abrigar diferentes e independentes instituições, como o Instituto Teuto-Brasileiro William Dilly, a Associação de Cultura Luso-Brasileira e o Instituto Itamar Franco, além da área expositiva, com peças que ajudam a contar a história de um pioneiro banco, que funcionou sem interrupção desde o Império, quando nem mesmo as capitais possuíam bancos.

“Encontramos o museu abandonado, mas intacto”, conta Dilly, referindo-se ao cenário de 20 anos atrás. “A primeira coisa que fizemos foi inventariar tudo. A manutenção periódica é feita, todos os anos, pelo Iepha (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico), que elabora um diagnóstico completo do prédio, fotografa e examina tudo, o próprio desgaste natural. Eles produzem um documento, que é enviado para mim e para o Governo Estadual”, pontua o diretor, apontando para as pinturas de Angelo Bigi nas paredes e o tombamento municipal e estadual do imóvel, cujas marcas por todos os cantos ajudam a não deixar esquecer a cruel ação do tempo. “Quando fizemos o projeto, nossa ideia era que fosse autossuficiente. Originalmente, ocuparíamos a área onde está o Banco Bradesco hoje. Imagina a visibilidade de um museu no nível do Calçadão?”, questiona Dilly.

“Sacrificamos essa proposta com o desejo de que o aluguel para o banco fosse repassado integralmente ao prédio. Se esse dinheiro tivesse permanecido no museu, teríamos como trocar vitrines, fazer novas exposições, trabalhar com painéis, multimídia, totens, toda essa parafernália da tecnologia que existe a serviço da memória e que conhecemos. Dá a impressão de que ainda estamos no século passado, pensando em museu da forma como ele foi fundado, há 50 anos. Mas isso se deve ao fato de não recebermos uma verba maior do que a que chega para nós”, lamenta o diretor, rodeado por uma mobília a provar padrões expográficos bastante obsoletos atualmente.

Acesso restrito

Uma faixa amarela e preta, da Defesa Civil de Juiz de Fora, delimita a distância que deve ser mantida das janelas que formam uma das laterais da Biblioteca Municipal Murilo Mendes, no Complexo Bernardo Mascarenhas. Após a queda de uma das janelas do quarto andar, a área foi interditada. No lugar do vazio que se formou, possibilitando a entrada de pássaros, chuva, luz solar e outros elementos que colocam em risco todo o acervo, foi fixada uma placa de madeira. Para um ambiente composto por jornais, revistas e livros em diferentes estados de conservação, a orientação para que as janelas – algumas também em risco de queda – mantivessem fechadas não se fez possível. Sem ar-condicionado, o local exige circulação de ar para que o odor não impeça a circulação de gente, um dos objetivos do espaço.

Segundo nota da assessoria da PJF, “ciente de que o projeto de adequação de todo o complexo está em fase conclusão, o Corpo de Bombeiros não classifica o fato como risco iminente de queda da janela. Na vistoria realizada pela Defesa Civil não foi constatado risco iminente de queda, mas a área foi mantida interditada como medida de segurança. A janela danificada foi lacrada. O vidro quebrado não é encontrado na cidade devido à sua especificidade. O reparo da janela está em fase de levantamento de custos.”

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Retrato da deterioração, o lugar que preserva a história literária local, e pretende difundi-la, afasta o público já na rampa de acesso, com as telhas quebradas que não protegem mais contra a chuva. Ainda segundo nota da assessoria de comunicação da Prefeitura, “o telhado avariado por uma chuva forte recebeu reparos emergenciais com um tipo de telha diferente do modelo que compõe toda a estrutura. Este reparo também está em fase de levantamento de custos.”

Prevista para esta segunda, 10, uma força-tarefa do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) será realizada em todo o Estado, com o objetivo de vistoriar as principais edificações e conjuntos históricos. Procurada para se pronunciar sobre os espaços em Juiz de Fora, a Quinta Seção do Estado-Maior (BM5) informou que só irá se manifestar após as fiscalizações, quando divulgará um levantamento atualizado acerca da situação real dos locais. Além da avaliação conjunta de segurança, o CBMMG comunicou, em nota, que a força-tarefa também terá caráter educativo, visando trabalhos de orientação aos responsáveis pelos espaços. O propósito é atualizar as regras de segurança, como, por exemplo, troca programada de extintores, verificação de sinalização de emergência e revisão dos planos de prevenção e combate a incêndios e pânico.

 

Com acervo diminuto e planos de aprimoramento na preservação, Museu Ferroviário acaba de passar por reparos (Foto: Olavo Prazeres)

Em contraposição ao agonizante cenário do Complexo Bernardo Mascarenhas, onde também está localizado o centro cultural homônimo, fechado ao público por sugestão do Corpo de Bombeiros há cerca de três anos, outro espaço gerido pela Prefeitura passa por pequenos reparos e conclui seu plano museológico. Após cerca de um mês com as portas fechadas, o Museu Ferroviário reabre com as paredes pintadas, algumas peças do acervo restauradas e polidas e uma nova identidade visual. Com um acervo diminuto e equipe formada por quatro profissionais (uma produtora, um técnico de manutenção, um guia e um coordenador), além de dois vigias e serviço de limpeza terceirizado, o endereço vê, pouco a pouco, seu público se ampliar, somando, em 2017, cerca de dez mil visitantes. O Plano Museológico, documento inédito na história da instituição, contudo, prevê a realização de um mapeamento de danos e a necessidade de uma reforma mais completa, já que o último trabalho de revitalização do prédio foi feito em 2003, quando o acervo do museu foi repassado à PJF.

Museu de Arte Murilo Mendes serve como modelo de preservação na cidade, ainda que careça de atualizações em seus sistemas (Foto:  Leonardo Costa)

Gestão de risco é caminho

Primeiro ele observou a região central, em específico a área que circunda a esquina das ruas Benjamin Constant e Santo Antônio. Depois, adentrou o Museu de Arte Murilo Mendes. Seguiu pelas salas, galerias, reserva técnica e biblioteca. Concentrou-se no local onde estão as peças artísticas e seus suportes. Por último, deteve-se no acervo que preserva a memória do poeta e suas prestigiadas coleções de livros e obras de arte moderna europeia, com nomes como os do espanhol Pablo Picasso, do francês georges Braque e do italiano Alberto Magnelli. Considerado uma das principais referências em gestão de risco e patrimônio do Brasil, José Luiz Pedersoli Júnior passou, em julho deste ano, cerca de uma semana no endereço para fazer uma palestra e avaliar a situação das coleções que lá se encontram. O diagnóstico produzido pelo profissional, que segue a teoria dos níveis envoltórios em sua avaliação (do macro ao micro), contempla a Política Nacional de Museus, instituída de forma pioneira no país em 2007, observando a necessidade de conservação preventiva. Primeiro museu da Zona da Mata certificado pelo Instituto Brasileiros de Museus e 26º em Minas Gerais, o museu persegue o documento, nem por isso deixa de enfrentar dificuldades.

“Até 2009, o Brasil não tinha órgão que controlasse essa área. O Ibram (Instituto Brasileiro de Museus) não tem dez anos e traz uma legislação, um estatuto, uma série de comprometimentos para que os museus atendam normas, muitas vezes, internacionais. Até 2009 cada um fazia o que queria, do modo mais empírico possível, muito amador, apesar de já existirem ótimos profissionais”, comenta o diretor do museu Ricardo Criostofaro. “O Pedersoli passou uma semana aqui com a gente para fazer um balizamento. Porque não adianta o Corpo de Bombeiros dizer o que precisa, ou o engenheiro da universidade, a Pró-reitoria de Infraestrutura e Gestão, eu, o restaurador com uma experiência enorme. É preciso que um especialista na área nos diga o que precisa ser feito. A gestão de risco envolve tudo, até se o som da rua acarreta risco, ou a luz de fora, ou a poeira, ou um entorno com botequins. É muito mais sério do que a perspectiva simplificada que encontramos neste momento”, defende Cristofaro, artista visual e professor do Instituto de Artes e Design da UFJF.

Na perspectiva da gestão de riscos, o fogo – que acometeu todo o Museu Nacional no domingo passado – é apenas um dos dez agentes de risco que ameaçam os museus. Forças físicas, roubo e vandalismo, água, pragas, poluentes, luz e radiações, temperatura incorreta, umidade incorreta e dissociação (quebra) são os outros fatores que colocam acervos em risco. “É preciso tratar de tudo, numa dinâmica, que está no foco doutrinal, estudada por uma ciência própria, a ciência da conservação”, observa Aloisio Arnaldo Nunes de Castro, restaurador do museu com formação em artes com doutorado na área da preservação do patrimônio cultural. Mais novo espaço museal da cidade, o Memorial da República Presidente Itamar Franco, também da UFJF, ao lado do Museu de Arte Murilo Mendes, ainda que esteja preparado com modernas instalações de combate a sinistros, nasceu com uma questão de complexa resolução: “É um prédio em que entra muita luz. Vemos que há um efeito fotoquímico sobre certos objetos que precisa ser revisto. Hoje não se faz um espaço museal aberto, de vidro, para não entrar luz”, pontua Cristofaro, também diretor do Memorial.

Atualização enfrenta cortes orçamentários

Acondicionados em estantes ideais, que contribuem para uma conservação adequada, os livros e os documentos de Itamar Franco ainda aguardam a instalação de climatizadores e desumidificadores. Enquanto isso, a equipe do lugar implantou uma rigorosa rotina de higienização das peças. A compra de novos equipamentos e atualização dos antigos configuram desafio não apenas para a UFJF, como para os demais órgãos públicos. “O orçamento da universidade tem dois corredores. Um é chamado de custeio, que envolve a química necessária aqui, tinta de parede, transporte, papel, café, papel higiênico e pessoal. O custeio do Mamm é suficiente, às vezes até sobra. Outra coisa é o capital, onde está o gargalo. Não é um valor fixo, ele varia. O capital da universidade já foi maior que o custeio. E hoje é ínfimo e disputado por todas as demandas, do Hospital Universitário até uma unidade acadêmica que precisa reformar uma sala. O capital abre e fecha em função da capacidade do Governo federal. Se a gente precisa, por exemplo, fazer uma reforma na reserva técnica, não podemos fazer com o custeio, mas com o capital”, explica o diretor do Mamm.

Cristofaro garante que os repasses de custeio permitem um bom funcionamento do memorial e do museu. “Mas precisamos de capital para renovar equipamentos, como trocar o sistema de monitoramento por câmeras que já está ultrapassado. Isso está afetando muito, porque as instituições, que precisam de renovação de equipamentos, atualizações como as de segurança e de preservação que envolvam obras, estão envelhecendo”, lamenta ele, pontuando que, com o repasse de capital deste ano, coincidentemente, foram adquiridas quatro portas corta-fogo, uma delas para a biblioteca de Murilo Mendes e três para serem instaladas numa nova reserva técnica, que deve ser maior para abrigar todo o acervo do museu e atualizada para garantir um melhor acondicionamento das obras. “Hoje percebemos, claramente, que para uma instituição dessa natureza, com um acervo valioso como esse, o orçamento da universidade não dá conta sozinho. Vislumbramos possibilidades como o uso da Lei Rouanet”, avalia o gestor.

Segundo Aloisio Arnaldo Nunes de Castro, a mentalidade da conservação preventiva é muito recente no Brasil, que até então trabalhava primordialmente com as questões relativas a restauração. “Quando inauguramos o museu, há 12 anos, foi feito o melhor que havia, com detectores de incêndio, câmeras de segurança. Isso coincide com um momento muito feliz para o museu, com a aprovação do projeto da reserva técnica no programa Caixa de Adoção de Entidades Culturais. Já tendo em vista esse risco do incêndio, com a verba que obtivemos eliminamos todo o mobiliário em madeira e trocamos por móveis de aço. A madeira é um grande inconveniente, porque propaga o fogo em caso de incêndio, atrai insetos e exala gases químicos que deterioram peças em sua constituição orgânica. Isso foi um grande passo e, naquela época, ela foi considerada uma reserva técnica exemplar. Hoje já existem materiais mais sofisticados, e o museu com essa idade de 12 anos pressupõe uma atualização”, reforça o restaurador, autor de “A trajetória histórica da conservação-restauração de acervos em papel no Brasil” (Funalfa Edições/Editora UFJF).

Mais novo espaço museológico de Juiz de Fora, Memorial da República reúne modernos sistemas de segurança e preservação, mas sofre com sol que atravessa a vidraça (Foto: Olavo Prazeres)

‘Um museu deve estar preparado para o pior’

O Rio de Janeiro poderia ser Juiz de Fora. E o Museu Chácara do Céu, uma das instituições locais. Em “A arte do descaso” (Editora Intrínseca), a jornalista Cristina Tardáguila se atém ao ocorrido em 24 de fevereiro de 2006, semana de carnaval, quando a instituição em Santa Teresa teve roubadas cinco de suas obras – um Dalí, um Matisse, um Monet e dois Picassos – num valor estimado em mais de U$ 10 milhões. O livro reportagem denuncia a vulnerabilidade de uma casa que se reflete em muitos outros espaços país afora, sob diferentes ângulos. “O patrimônio cultural brasileiro precisa de mais atenção do que anda tendo. O episódio desta semana é uma representação evidente disso que venho alertando desde 2016, quando lancei o livro. Em relação à segurança de museus, especificamente em relação a roubo de arte, o Brasil também está desatento. Temos muito pouco cuidado com esse assunto, e muitas obras de arte de relevância nos nossos museus públicos. O caso da Chácara do Céu é o exemplo mais evidente do descaso de todas as instâncias com a segurança em relação ao acervo cultural brasileiro. As obras estão bem guardadas? Estão em museus bem protegidos? Em espaços com estruturas arquitetônicas bem pensadas para dificultar a entrada de pessoas armadas ou portando objetos que possam danificar as obras? Nossos museus estão arquitetonicamente bem desenhados para dificultar a fuga? Nossas obras de arte estão perto das janelas? Nossas obras estão asseguradas contra roubo, temos isso nos museus públicos? Nossos espaços têm catálogo das peças que guarda? Se hoje em dia um museu for roubado, será rapidamente capaz de fornecer à imprensa uma fotografia e dados objetivos do quadro de forma a facilitar a divulgação da peça desaparecida?”, indaga a profissional, em entrevista por telefone à Tribuna.

De acordo com Cristina, que reúne passagens por veículos como “O Globo” e “Folha de S.Paulo” e a criação da primeira agência de fact-checking do Brasil, a Lupa, o país carece, dentre outras coisas, de desenvolvimento de um banco de obras roubadas. “Existe a base da Interpol, mas que não é tão robusta em relação às obras de arte roubadas no país”, diz, apontando que a experiência italiana, com sua La Unidad de los Carabineros para la Tutela del Patrimonio Cultural, serviria como modelo, por ter não apenas uma catalogação ideal, como também um instrumental policial voltado para a questão patrimonial. “Os museus públicos brasileiros ainda não têm o grau de cuidado com o acervo que se vê em outras instituições de outros países como Itália, Inglaterra e França. Existem muitos museus no Brasil que continuam pendurando peças com fios de náilon, continuam botando peças ao lado das janelas, continuam não tendo vigilância ostensiva, sistema de alarme, seguros e catalogação das peças do acervo, enfim, uma série de medidas que podem evitar o roubo e servir de reação rápida para uma eventual ocorrência”, comenta a jornalista, cujo livro acaba de ter os direitos autorais vendidos para um filme de ficção com produção da Urca Filmes (de “Tropa de Elite 2” e “O filme da minha vida”).

A fragilidade dos acervos gera vergonha. No público e nas instituições. Dessa vergonha, segundo Cristina, surgem as omissões, prejudiciais para a reversão do cenário atual. “O (Museu) Isabella Gardner (em Boston, nos Estados Unidos), por exemplo, mantém as molduras nas paredes para escancarar o roubo. Hoje em dia, se você perguntar sobre o quadro ‘La danse’, as pessoas não sabem. Não é a mesma coisa que perguntar: ‘Você conhece a Monalisa?’. Deveria haver um jeito de pôr um outdoor na rua para que todos saibam como é ‘La danse’ (de Picasso), ‘Marine’ (de Monet), ‘O Jardim de Luxembourg’ (de Matisse) e ‘Os dois balcões’ (de Dalí), que foram as quatro pinturas roubadas na Chácara do Céu e que podem estar em qualquer feirinha hippie ou em qualquer leilão. É preciso que os Governos federal, estadual e municipal levem a sério a proteção de nosso bem cultural”, sugere a jornalista, apontando, ainda, para outro nocivo engano, que faz público e privado se misturarem. “Há uma mistura entre uma vergonha pessoal e uma vergonha pública. Os administradores acham que dizer publicamente que a instituição vai mal é o mesmo que dizer que ele é um mau gestor. Mas dizer que uma instituição pública está caindo aos pedaços é dar um alerta e pedir ajuda. É preciso falar das feridas para curá-las”, defende Cristina. E finaliza: “Um museu deve estar preparado para o pior. Se não tem verba suficiente, pessoal suficiente, a função dos administradores, da mídia e da sociedade é pressionar.”

*Colaborou Leticya Bernadete

Tópicos: museu

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