Quase metade dos juiz-foranos mortos por Covid-19 em junho tem menos de 60 anos

Levantamento é do JF em Dados, que, em parceria com a Tribuna, pretende potencializar o jornalismo de dados e ampliar a análise crítica dos dados públicos disponíveis sobre JF


Por Carolina Leonel

27/06/2021 às 07h00

Junho já é o mês com maior número proporcional de óbitos de pessoas com menos de 60 anos em Juiz de Fora. Levantamento realizado pelo JF em Dados, com base nas informações disponibilizadas pela Prefeitura (PJF) até a última quinta-feira (24), mostra que quase metade das mortes confirmadas no período (47,8%) é de pessoas que fazem parte deste público. Do total de 94 vítimas fatais contabilizadas até quinta, 45 tinham menos de 60 anos. A título de comparação, em abril, mês com maior ocorrência de falecimentos por Covid-19, essa proporção era de cerca de 31%. A reportagem com a análise do cenário epidemiológico da Covid-19 em Juiz de Fora é a primeira da parceria entre a Tribuna e o JF em Dados, colaboração que visa a publicar dados públicos relevantes coletados pelo grupo, combinados com checagens e contextualizações para oferecer ao leitor um jornalismo com cada vez mais qualidade.

Ao longo do primeiro semestre de 2021, Juiz de Fora passou de um cenário epidemiológico estável para o pior momento da pandemia, vivenciado entre março e abril. Após bater recordes, em maio, o município teve queda na média de mortes e internações por Covid-19, conforme mostrou matéria publicada pela Tribuna no início de junho. Apesar disso, os números ainda continuam elevados, com tendência de diminuição na média etária das vítimas fatais da doença, também conforme já mostrou a Tribuna no mês de maio.

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Os gráficos elaborados pelo JF em Dados evidenciam como tem se comportado a curva de mortes pela Covid-19 de acordo com as faixas etárias (ver gráficos). O primeiro gráfico traz a quantidade de mortes por faixa etária a cada mês, desde o início da pandemia. Percebe-se que há tendência expressiva de queda nas curvas amarela e roxa, que representam, respectivamente, pessoas nas faixas etárias entre 60 e 80 anos e acima de 80 anos a partir de maio. Entretanto, as quedas das curvas azul (40-60 anos) e vermelha (20-40 anos), no mês de junho, são mais sutis, ainda com o número de óbitos relativamente alto em relação ao pico (abril).

O segundo gráfico mostra o percentual de falecimentos agregados por faixas etárias acima e abaixo de 60 anos, em relação ao total de mortes confirmadas por mês. Nota-se que a curva azul, que representa pessoas com menos de 60 anos, está em elevação desde o fim do mês de fevereiro, atingindo um pico no mês de junho, apontando aumento do número proporcional de óbitos de pessoas mais jovens. Consequentemente, a parte vermelha do gráfico, que mostra o percentual de mortos com mais de 60 anos com relação ao total de óbitos, vem diminuindo.

Morte de idosos tem queda de até 78%

Conforme mostram os dados, a tendência de morte por Covid-19 entre pessoas idosas tem diminuído principalmente após o pico da doença. Na faixa etária acima de 60 anos, de janeiro para junho, houve uma redução de cerca de 71% nos óbitos, que caíram de 169 para 49. Em comparação a abril, mês mais fatal na cidade, a diminuição é ainda mais expressiva em junho, com redução de 78,3% das mortes nesta faixa etária – caiu de 226 para 49.

Em contrapartida, o contrário ocorre na população com menos de 60 anos. Neste público, o número de mortes aumentou mais de três vezes de janeiro para abril, passando de 32 para 104 óbitos. Já em maio, apesar de haver diminuição no total de mortes após o pico, a queda foi menor quando comparada aos percentuais relacionados às pessoas idosas. Naquele mês foram registrados 74 óbitos, com uma queda de 30% em relação a abril. Até dia 24, 45 óbitos nesta faixa etária foram registrados em junho, apontando diminuição de 40% no número de mortes até então.

Média móvel atinge pico, mas vem caindo desde abril

A média móvel é o número de casos ou mortes dos últimos sete dias e facilita a percepção sobre se a quantidade de óbitos diários tem aumentado ou está se estabilizando. Ela é calculada somando-se o número de falecimentos de cada um dos sete dias anteriores e dividindo o resultado por sete justamente para verificar qual foi a média de mortes em cada dia de uma nova semana, favorecendo comparações. No caso de Juiz de Fora, no gráfico elaborado pelo JF em Dados, é possível constatar que a taxa subiu muito durante o pico, mas voltou a cair desde abril.

O terceiro gráfico do JF em Dados (ver gráfico) mostra que, em 1º de março, o indicador apontava a média móvel de quatro mortes. Em 29 de março, o índice subiu para 16, apontando grande aumento durante o momento considerado o pico, com crescimento de cerca de quatro vezes. Desde abril, no entanto, a média vem caindo de forma paulatina e voltou a se estabilizar, ao longo deste mês de junho, em quatro óbitos.

Especialista atribui cenário atual à vacinação

Para o infectologista e chefe do setor de Gestão da Qualidade e Vigilância em Saúde do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Rodrigo Daniel de Souza, a diminuição de casos graves e mortes por Covid-19 em pessoas acima de 60 anos tem relação direta com o avanço da imunização neste público. “Claramente a vacina protege, principalmente contra as formas graves. Prova disso é que o percentual de queda de mortes entre as pessoas vacinadas é maior do que entre pessoas não vacinadas, principalmente se compararmos em relação a pessoas abaixo de 60, em que apenas parte do público já foi imunizada. Então, o número de mortes absoluto tem caído, mesmo com número de casos ainda não tendo uma queda muito grande. Isso é desproporcional. O que muda é que as pessoas que estão adoecendo são pessoas mais jovens, exatamente porque as mais velhas foram prioritariamente protegidas pela imunização”, analisa.

Entretanto, em relação ao comportamento do vírus em pessoas mais jovens, Rodrigo Daniel observa que, a princípio, o coronavírus não tem mostrado “predileção” a este público. “O coronavírus tem se mostrado mais grave em jovens, mesmo considerando as variantes. Apesar de uma pesquisa recente mostrar que 95% das infecções analisadas pelo estudo foram causadas pela variante P1 na região de Juiz de Fora, não há nenhum indício de que essa cepa afete ou seja mais grave em jovens”, diz.

O infectologista destaca também que os efeitos da imunização em pessoas acima de 60 anos também podem refletir nos índices relacionados ao público abaixo desta faixa etária, já que os mais jovens começam a se destacar na porcentagem de óbitos. Por isso, de acordo com o médico, talvez não haja um aumento real de falecimentos no público mais jovem. “A diferença é que proporcionalmente os óbitos aumentaram, já que houve uma redução na quantidade de mortes do grupo acima com idade acima de 60 anos. Então a representação dessas pessoas mais jovens parece ser maior. Podemos chegar a um ponto, por exemplo, em que só morram pessoas mais jovens, porque as pessoas mais velhas estarão imunizadas. Isso pode acontecer, mas não relacionado a uma ação direta do vírus, e sim a uma proteção da vacina”, explica.

Marcello Filgueiras e Matheus Valentim criaram o JF em Dados a partir do interesse em pesquisar e disponibilizar à população informações públicas relevantes sobre diversos assuntos (Foto: Fernando Priamo)

Transparência a informações do município

A partir deste domingo (27), a Tribuna passa a publicar reportagens que são fruto da parceria firmada entre o jornal e o JF em Dados, projeto que visa à divulgação de dados e informações sobre o município de forma fácil e com foco na visualização, por meio do uso de gráficos e artes. A ideia é aliar as estatísticas ao jornalismo, a fim de dar mais transparência a informações de interesse público ligadas a Juiz de Fora, além de facilitar a produção de reportagens e garantir investigações e checagens.

O chamado jornalismo de dados é uma modalidade de produção digital de notícias que utiliza bases de dados para elaboração conteúdos e informações. Além de texto, esse tipo de conteúdo se vale de recursos gráficos e interativos para tornar mais didático o entendimento e a experiência de visualização do leitor. “O jornalismo de dados é uma das mais importantes técnicas da reportagem investigativa da atualidade. E é uma preocupação nossa estimular e favorecer o jornalismo investigativo na redação da Tribuna”, explica a editora executiva de integração da Tribuna, Luciane Faquini.

A editora acredita que a parceria com o JF em Dados será importante para fornecer suporte ao trabalho de levantamento de dados e análises estatísticas aos repórteres. “Extrair e cruzar informações de grandes bancos de dados é um processo que requer tempo e técnica elaborada. Essa sinergia vai facilitar a produção de reportagens e, principalmente, permitir que o jornalista se dedique mais ao processo de análise da informação, fazendo as investigações e checagens necessárias à contextualização dos dados.”

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Luciane destaca que mesmo antes da disseminação de tecnologias digitais para extração de dados, a Tribuna já realizava reportagens analíticas com dados divulgados pelo poder público, mas, com a parceria, a produção será otimizada. “Agora, com avanço tecnológico na área de computação e design, esse trabalho foi potencializado. Mas o objetivo do jornalismo feito pela Tribuna permanece o mesmo, que é ampliar o acesso aos dados do poder público e dar transparência às ações governamentais, favorecendo a formação do cidadão, através de informação precisa, responsável e transformadora.”

JF em Dados

O JF em Dados é um projeto que nasceu a partir do interesse de dois estudantes em pesquisar e entender dados. A iniciativa começou após as eleições municipais 2020, quando os idealizadores se propuseram a divulgar mais informações sobre os candidatos e o cenário eleitoral na cidade, e vem ganhando notoriedade na divulgação de informações sobre Juiz de Fora nas redes sociais. “Nós já trabalhávamos com dados ligados ao cenário nacional sobre saúde, educação, política, e sabíamos da existência de dados sobre a cidade. Então, pensamos em organizar esse material em bancos de dados e planilhas e divulgar para a população”, conta um dos idealizadores do JF em Dados, Marcello Filgueiras, de 22 anos. Marcello é estudante do 9º período de Direito na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e trabalha com dados e programação dentro da sua área.

“Existe uma documentação extensa de dados e informações de várias coisas que a Prefeitura e órgão públicos em geral fazem. Isso está registrado de uma maneira ou de outra. Toda essa documentação, independente de onde elas estejam, deveria ser de acesso ao grande público. Por isso, acreditamos na importância desse projeto de transparência de dados, considerando, especialmente, que a maior parte das pessoas não tem pleno domínio de como acessar uma base de dados. Idealmente, não é obrigação da pessoa procurar transparência dos órgãos públicos, mas seria obrigação desses órgãos essa divulgação transparente. E o JF em Dados procura levar esses dados de forma fácil e visual para as pessoas”, destaca Matheus Valentim de Barros, 22 anos, também idealizador do projeto. Atualmente, Matheus é mestrando pela Universidade de Copenhague e assistente de dados na ONG Base dos Dados.

Os estudantes enxergam oportunidades na parceria e acreditam que o jornalismo será agregador para a divulgação das informações levantadas. “Nós não temos formação em jornalismo, então, algumas vezes, encontramos dificuldades em saber como passar a informação. Ter a possibilidade do trato jornalístico nos dados para a divulgação é muito importante. Porque mais do que passar um dado, precisamos saber como passar a informação. Sabemos que não é somente pegar os dados e colocá-los em gráficos, é preciso apresentar um contexto”, analisa Marcello.

Metodologia

Na metodologia de trabalho, os estudantes utilizam base de dados desde as mais simples às mais complexas. “No processo mais descomplicado, temos um dado simples e passamos para gráficos, não é preciso pegar uma base de dados. Em uma etapa intermediária, já existem bases de dados estruturadas, que não exigem tanto tratamento. Então, filtramos esses dados, através de programas, para tentar trazer informações relevantes que ainda não são discutidas. Uma terceira metodologia, que é mais trabalhosa, é quando os dados estruturados não estão disponíveis e temos que construir a nossa base “à mão”. Então, com a programação, pegamos dados brutos e o transformamos em bases organizadas para que possamos encontrar informações ali”, explica Marcello.

Desde que estreou oficialmente com as publicações no perfil no Twitter (@JFemDados), o projeto já divulgou dados e informações sobre projetos de lei apresentados por vereadores da cidade, além de um comparativo entre o número médio de alunos de alunos por sala de aula das seis maiores cidades de Minas Gerais e o desempenho eleitoral

Tópicos: coronavírus / vacina

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