JF tem a primeira morte de profissional de saúde com sintomas de Covid-19

Técnico de enfermagem de 41 anos estava internado no CTI do HPS e teria doença cardiovascular crônica


Por Sandra Zanella

22/04/2020 às 10h03- Atualizada 23/04/2020 às 08h12

“Enfermagem de luto. Primeiro colega de Juiz de Fora a perder essa guerra.” Essa foi a manifestação que abriu as postagens nas redes sociais dos profissionais de saúde nesta quarta-feira (22), quando a cidade registrou a primeira morte de um trabalhador da categoria com suspeita de infecção pelo novo coronavírus (Covid-19). O técnico de enfermagem Agnaldo do Nascimento Emidio, 41 anos, trabalhava no setor vermelho (casos graves) da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Norte, e estava internado desde o dia 12 deste mês no CTI do HPS. Ele não resistiu e faleceu durante a madrugada desta quarta. Seguindo as orientações para casos suspeitos de coronavírus, o sepultamento de Agnaldo aconteceu às 14h45 do mesmo dia, no Cemitério Municipal, sem velório ou qualquer cerimônia, para evitar aglomerações.

A Secretaria Municipal de Saúde confirmou o óbito de um homem da mesma idade, com suspeita de Covid-19, que tinha como comorbidade doença cardiovascular crônica, nesta quarta, no HPS. No entanto, a Prefeitura não divulgou a identidade do paciente, porque uma portaria do Sistema Único de Saúde (SUS) assegura que “as autoridades de saúde garantirão o sigilo das informações pessoais integrantes da notificação compulsória, que estejam sob sua responsabilidade”.

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Reportagem veiculada na última terça (20) mostrou que quase cem integrantes da linha de frente, como médicos, enfermeiros e outras especialidades, estavam afastados de seus postos de trabalho em Juiz de Fora por causa da doença até o início desta semana. Deste total, 14 já haviam realizado os testes e são considerados casos confirmados de Covid-19, segundo informações da Secretaria de Saúde. Outros 84 apresentaram sintomas de síndrome gripal e ainda aguardavam os resultados em isolamento. O número representava cerca de 6% do universo de casos suspeitos na cidade até segunda. Os dados relacionados aos profissionais, no entanto, não foram atualizados nesta quarta.

A direção da UPA Norte enfatizou que ainda não é possível fazer qualquer ligação da contaminação de funcionários que atuam na unidade, como era o caso de Agnaldo, com os trabalhos desempenhados naquele local, já que, conforme dados epidemiológicos da Vigilância Sanitária de Juiz de Fora, até esta quarta não houve caso confirmado de paciente com Covid-19 atendido na UPA Norte. Além disso, “o vírus é de disseminação comunitária, e vários funcionários prestam serviço em outros estabelecimentos de saúde”, apontou a gestão, por meio de nota.

‘Deveriam testar todos os profissionais’

Para o presidente do Sindicato dos Profissionais de Enfermagem de Juiz de Fora, Anderson Stehling, a morte de Agnaldo foi duplamente dolorida. “Ele não era só meu colega, era amigo pessoal e uma pessoa maravilhosa.” Na visão dele, o problema dos EPIs está ligado à dificuldade na distribuição, já que muitos materiais vêm da China. “É uma situação que está sendo normalizada, as faltas são pontuais. Mas o maior problema para o profissional de saúde é que os testes demoram muito para serem feitos e ficarem prontos. É preciso agilidade. Deveriam testar todos os profissionais, para que aqueles infectados sejam isolados do trabalho e de seus familiares e para que possam permanecer afastados. Porque se continuarem trabalhando, ainda podem contaminar outros colegas e até pacientes. Vimos que nos países onde o combate à pandemia deu certo, fizeram testagem em massa”, finalizou o sindicalista.

Também chocada com a morte de Agnaldo, a diretora de Saúde do Sindicato dos Servidores Públicos de Juiz de Fora (Sinserpu-JF), Deise da Silva Medeiros, desabafou: “É muito triste termos que nos deparar com uma notícia dessas, uma vez que estamos trabalhando todo dia, encontrando problemas e cuidando da vida das pessoas. É triste saber que o colega se foi dessa forma tão cruel, com esse vírus tão avassalador.” Ela também é profissional de enfermagem e aproveitou para dar um recado aos colegas: “Se cuidem. Não trabalhem ou não aceitem fazer qualquer procedimento sem EPI, porque é a nossa proteção. Precisamos ter muita tranquilidade, porque estamos cuidando desses pacientes, e também há aqueles assintomáticos. Então precisamos usar o EPI sempre. E se a empresa não tiver para fornecer, não façam (os procedimentos). Sigam o protocolo do Cofen (Conselho Federal de Enfermagem), que orienta a mandar comunicado para a direção. Nosso colega perdeu a vida por conta de uma situação que poderia ser diminuída ou evitada. Estamos vendo a realidade do país, cada dia com mais profissionais de saúde afastados, acometidos e morrendo por conta do coronavírus. Então precisamos nos atentar para essas coisas. São medidas simples, mas que vão salvar nossas vidas.”

A diretora de Saúde do Sinserpu não se limitou a alertar apenas aqueles que estão à frente da batalha contra o novo coronavírus, se estendendo a toda população: “Fique em casa. Se a sociedade for para a rua, daqui a pouco nós não vamos dar conta de atender essas pessoas.” Ela ainda fez um apelo para as chefias, coordenações, direções de unidades e secretarias de Saúde: “Tenham cuidado e zelo pela sua mão de obra, que é a mais cara e preciosa desse planeta neste momento. Cuide do seu profissional de saúde com carinho e atenção, dê a ele condições de trabalho. Porque senão, não vai ter gente para atender essas pessoas que vão adoecer.”

Duas colegas do profissional se recuperam em casa

Matéria publicada pela Tribuna no último dia 17, quando quatro médicas e uma técnica de enfermagem relataram o problema de falta equipamentos de proteção individual (EPIs), na segunda quinzena de março, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Norte, mostrou também que pelo menos cinco profissionais de saúde que atuam no mesmo local estariam afastados do trabalho por suspeita de contaminação pelo novo coronavírus. Um deles era justamente o técnico de enfermagem Agnaldo Emidio, depois de ficar dez dias internado no CTI, onde precisou ser entubado.

“Estou muito triste com essa notícia. Ele era um excelente funcionário e colega”, externou uma das quatro médicas que denunciou a falta de EPIs na UPA Norte. “Não entendo por que estava trabalhando se fazia parte do grupo de risco. Não sabia dessa questão”, disse ela, sobre a informação de que o paciente sofreria de doença cardiovascular crônica. “Ele, assim como todos nós, não tinha os equipamentos de segurança até então na unidade. E ele trabalhava no setor vermelho. Acho que nossas denúncias ajudaram a melhorar a situação agora. Mas, infelizmente, perdemos uma pessoa maravilhosa. Ele era muito querido por todos nós. Estamos todos de luto. Que Deus conforte os familiares dele.”

Com sintomas da Covid-19, duas técnicas de enfermagem que atuam na UPA Norte e trabalharam com Agnaldo conversaram com a Tribuna nesta quarta. As duas preferiram ter suas identidades preservadas, mas contaram como têm sido difíceis os dias de afastamento, ainda mais agora, diante do óbito de um profissional de saúde. Emocionada, uma delas, 48, relatou ter chegado a pagar R$ 380 para realizar o teste por meio de visita domiciliar de um laboratório particular. Após dores no corpo, ela havia começado a sentir os sintomas mais intensos no dia 3 deste mês, como febre, dor de cabeça e falta de apetite, e fez o exame no dia 8. Antes, o raio-X havia apontado para quadro de sinusite. “Não consegui exame pelo SUS. Mas, como eu estava com todos os sintomas da síndrome gripal, entrei em isolamento. Saí esta semana, e ainda estou na quarentena.” Morando com o filho, 30, e dividindo o mesmo banheiro, os dois tiveram que se desdobrar para evitar o contágio e, com muito empenho, conseguiram. “Eu e minha família optamos por fazer o teste particular. O do meu filho deu negativo. Tomamos todos os cuidados. Ele usou máscara e luva o tempo todo, eu fiquei mais no quarto e só usava pratos e copos descartáveis para comer. Depois do banho, jogava água sanitária no banheiro. Evitava pegar na maçaneta”, detalhou.

Com o tempo, ela também perdeu o olfato e paladar, mas disse que está recuperando aos poucos. O aperto no peito também ficou para trás. “Realmente parece que as máscaras eram ineficientes”, comentou sobre os EPIs, antes de falar sobre o colega, que não teve a mesma sorte. “O Agnaldo era muito dedicado ao trabalho e responsável. Sempre tinha uma palavra de conforto quando a gente estava para baixo. Está sendo muito difícil a morte dele, pela pessoa que era. Saber que eu tive a graça de ser curada, e ele, não.” Segundo a técnica de enfermagem, um dos pontos mais dolorosos da doença é o preconceito. “A gente sofre quando adquire e também depois. As pessoas têm medo que a gente volte ao convívio.”

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Outra técnica de enfermagem, 52, que também atua na UPA Norte e já havia conversado com a Tribuna, inclusive fazendo denúncias sobre a falta de EPIs no trabalho, ficou muito sentida com a perda de Agnaldo. “Estou sem chão. Do pior jeito que você possa imaginar”, disparou. “Eu sabia que ele tomava remédios para pressão, nada mais. Gostava de caminhar. Mas se o quadro dele era de risco, por que não o afastaram (do trabalho)?”, questionou. A profissional também se recupera em casa dos sintomas da Covid-19, mas ainda aguarda o resultado do teste, realizado no dia 15 deste mês, oito dias após os primeiros sintomas. “O Agnaldo fazia tudo com amor. Era um homem de Deus.”

PJF prossegue com abertura de processo administrativo

A Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) informou nesta quarta-feira que estão tramitando os procedimentos necessários para abertura de processo administrativo sobre a gestão da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Norte. Conforme o Executivo municipal, a notificação foi enviada dia 17, sendo recebida pela empresa responsável na última segunda (20). A administração da UPA, ligada ao grupo do Hospital São Vicente de Paulo, tem cinco dias úteis para responder.

O anúncio de abertura de processo administrativo foi feito no dia 17, quando as denúncias de quatro médicas e de uma técnica de enfermagem relacionadas à falta de EPIs na primeira quinzena de março naquela unidade foram publicadas pela Tribuna. Três médicas acabaram demitidas ainda em março, uma delas “por justa causa”, e a quarta decidiu também se desligar. Ainda no dia 17, profissionais da Secretaria Municipal de Saúde estiveram na UPA Norte para fiscalizar a disponibilização e o uso correto dos equipamentos. “Só foi observada uma pequena inconformidade na forma de utilização dos EPI’s. Contudo, as observações da Vigilância Sanitária foram prontamente acatadas”, informou a PJF após a visita.

Uma denúncia sobre a falta de EPIs na UPA Norte também foi protocolada no Conselho Regional de Medicina em 19 de março. Desde a semana passada, a empresa terceirizada responsável pela gestão da UPA Norte tem afirmado que o uso correto dos EPIs entre seus colaboradores sempre foi uma das prioridades, tendo se empenhado para se adequar diante da instalação do risco de pandemia. Nesta quarta, questionada sobre a morte de um de seus profissionais com sintomas de Covid-19, a administração da UPA Norte, além de não vincular o contágio de funcionários com a unidade, acrescentou: “Na certeza de que a Direção da Upa Norte e seus colaboradores, assistidos pelos órgãos de saúde pública, em todas as suas esferas, estão se empenhando sobremaneira ao combate dessa pandemia que tanto tem nos molestado, acreditamos que as denúncias de negligência não passam de uma desinformação, mas geradas pelo desespero que assolou a todos diante de uma enfermidade epidêmica e nunca vista em nosso século.”

Tópicos: coronavírus

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