Quase 90% dos internados com Covid-19 em JF são da cidade

Dado indica alta transmissão de forma local, mas preocupação com aumento do número de casos na região é uma constante


Por Sandra Zanella

15/12/2020 às 15h40

Quase 90% das pessoas que estiveram internadas em leitos de UTI e enfermaria da rede pública de Juiz de Fora em decorrência da Covid-19 em novembro eram moradoras da cidade. Com o índice de hospitalização batendo recordes diários desde o início do mês passado, registrando os maiores números de internações durante a pandemia, a estatística reforça que a contaminação na cidade está em alta. O município também é polo da micro e da macrorregião, e o impacto causado por pacientes vindos de outras localidades representou cerca de 10% do público atendido.

Segundo levantamento da Secretaria de Saúde da Prefeitura (PJF), das 353 internações causadas por infecção pelo coronavírus registradas no mês passado, 316 pacientes eram de residentes de Juiz de Fora. Os outros 37 eram moradores de alguns dos outros 23 municípios da microrregião: Andrelândia (1), Bias Fortes (2), Bicas (2), Bocaina de Minas (1), Bom Jardim de Minas (2), Chácara (3), Chiador (1), Goianá (2), Leopoldina (2), Lima Duarte (6), Mar de Espanha (1), Maripá de Minas (1), Matias Barbosa (4), Piau (2), Rio Novo (4), Rochedo de Minas (2) e Santa Bárbara do Monte Verde (1).

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Apesar de a porcentagem de moradores da região internados em Juiz de Fora ter sido baixa, a preocupação com o aumento do contágio em cidades da região é uma constante, principalmente porque muitas pessoas ainda transitam entre municípios, inclusive em Juiz de Fora. Procurada pela Tribuna, a Superintendência Regional de Saúde (SRS) informou que dos 94 municípios que compõem a macrorregião Sudeste, com população estimada em 1,6 milhão de habitantes, somente algumas sedes de microrregiões possuem leitos Covid, além de Juiz de Fora: Santos Dumont, Muriaé, Ubá, Leopoldina, Cataguases, Além Paraíba e Carangola. Juntas, no início do mês de dezembro, essas cidades somavam 130 UTIs.
Ainda conforme a Superintendência, o Hospital Regional Doutor João Penido, em Juiz de Fora, é referência para a macrorregião Sudeste apenas na falta de leitos disponíveis nas outras microrregiões citadas. Os leitos de UTI Covid-19 são de responsabilidade das Centrais de Regulação, por meio do SUSFácil. “A transferência de pacientes Covid para o município de Juiz de Fora só ocorre em ocasiões especiais, sempre que há necessidade de atendimento nos territórios de referência.”

Para a SRS, o aumento de casos e hospitalizações, tanto em Juiz de Fora como na região, “se deve ao não cumprimento das medidas de distanciamento e higiene pessoal recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS)”. À Tribuna, o órgão disse ainda que “vem realizando, semanalmente, encontro remoto com os 94 municípios que fazem parte da Macrorregião Sudeste, visando reforçar as regras do Programa Estadual Minas Consciente e acompanhar a evolução das ondas em cada território”.

Acompanhamento

Instada sobre o número de leitos, a Secretaria de Saúde da PJF destacou que, antes da pandemia, o Município tinha 108 leitos de UTI públicos. “Durante o período de enfrentamento, a capacidade instalada do Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade foi ampliada em cerca de 82%, chegando a 197 leitos. Apenas em novembro, a Secretaria de Saúde acrescentou mais oito leitos no Hospital de Pronto Socorro Dr. Mozart Geraldo Teixeira (HPS) para atendimento Covid e 14 no Hospital Ana Nery.”
Ainda de acordo com a pasta, a ocupação é acompanhada diariamente por meio da Subsecretaria de Regulação, “atendendo, se necessário, pacientes da microrregião, uma vez que o SUS atua em rede e em caráter universal”. “O Plano de Contingência de Enfrentamento à Covid-19 do Estado de Minas Gerais já prevê esse suporte entre as cidades. Sendo assim, Juiz de Fora pode enviar pacientes para outras cidades e também receber, conforme necessidade.”

Hospital Regional Doutor João Penido, localizado em Juiz de Fora, é referência para a macrorregião e recebe pacientes de outras cidades na falta de leitos disponíveis nas microrregiões, segundo a Superintendência Regional de Saúde (Foto: Fernando Priamo/Arquivo TM)

Especialista acredita que cenário atual foi impulsionado pela onda verde

O infectologista Guilherme Côrtes pontua que o cenário da pandemia em Juiz de Fora e região é muito preocupante, e pode ter sido impulsionado pelo maior contato entre as pessoas na onda verde. “Houve um aumento significativo dos casos. Já estamos margeando o temido colapso do sistema de saúde. Estamos praticamente sem leitos, mas, antes disso, estamos com escassez de profissionais e com muitos deles cansados, tanto fisicamente quanto psicologicamente, para encarar toda essa onda com a intensidade que está vindo.”

Para ele, o aumento no número de casos também ocorreu pela falta de ações para controle da transmissão viral, com uma priorização da agenda política e econômica, e não levando em consideração questões técnicas para conter o contágio. “Não houve investimento em vigilância epidemiológica, em testagem para detecção de casos e para monitorização de contactantes. Sem esses investimentos, era muito improvável que se conquistasse o controle da epidemia.”

O especialista avalia que todas as apostas dos gestores foram nos protocolos sanitários definidos pelo Minas Consciente, o que, na visão dele, foi prejudicial, pois quando a microrregião de Juiz de Fora migrou para a onda verde do programa estadual, em outubro, representando maior flexibilização, “sinalizou que estava tudo bem, que o vírus estava controlado e que, dessa forma, todos poderiam voltar às suas atividades. A leitura da população era que o risco de adoecimento, de se infectar, seria menor, porque estaríamos melhor que há meses atrás. Mas os dados não mostravam isso. De fato, havia uma estabilização no número de casos, mas com alta frequência de transmissão, um platô elevado.”

Para o infectologista, não foi surpresa a aceleração do número de casos a partir da intensificação do contato entre as pessoas proporcionada pela onda verde. “Vejo uma relação direta com o processo eleitoral e com o afã de abertura econômica. Está claro que o Minas Consciente visa a mitigar os danos da pandemia à economia. Mas onde ficou o plano de uma atividade essencial para a vida de toda a sociedade, a educação? Foi prioritário abrir o convívio em bares, restaurantes e academias, em relação às escolas das crianças, que estão sofrendo psicologicamente e do ponto de vista de formação para o futuro.”

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Preocupação com a aproximação do Natal

Considerando as variáveis que envolvem o cenário epidemiológico, o especialista acredita que a situação tende a se agravar. “As perspectivas para esse mês todo são de que não dê tempo para controle antes do Natal, mesmo que houve regressão para a onda vermelha ou lockdown, o que nem é previsto no Minas Consciente. Com as pessoas se encontrando, esperamos alguns surtos familiares e em grupos de confraternização.”

Segundo ele, apesar da ampliação do número de leitos, essa não é a única medida para frear o avanço da pandemia, que continua se agravando. “Não adianta ficarmos sequencialmente aumentando o número de leitos, porque a taxa vai estourar. Isso não evita o colapso da saúde, porque rapidamente esses leitos vão ser ocupados, e o colapso também diz respeito a ter capacidade profissional. Nas últimas semanas houve aumento progressivo do número de leitos e, mesmo assim, alcançamos níveis incrivelmente altos de ocupação. A crítica é essa: o principal olhar para mudar de onda tem sido o percentual de ocupação de leitos, e não a ocorrência de casos novos, o que, na verdade, é o que indica o risco de transmissão da doença.”

Tópicos: coronavírus

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