Juiz-foranos sofrem com impactos psicológicos causados pela Covid-19

Psicanalista afirma necessidade de repensar as prioridades e buscar atividades que representem bem-estar


Por Renan Ribeiro

12/04/2020 às 07h00

Ruas esvaziadas e rotina drasticamente modificada ilustram as mudanças causadas pela doença. Falta de encontrar outras pessoas e maior permanência em casa podem afetar saúde mental (Foto: Fernando Priamo)

As medidas de distanciamento e isolamento social começaram a ser indicadas em Juiz de Fora depois da primeira quinzena de março. Com o passar dos dias, as atividades do comércio e de diversos serviços precisaram ser suspensas para que a velocidade de transmissão do novo coronavírus fosse reduzida e para que o número de casos não chegasse a crescer a ponto de levar o sistema de saúde ao colapso. Na sequência, as ruas ficaram esvaziadas, as lojas, com portas fechadas, e a rotina foi drasticamente alterada. A falta de sair para encontrar outras pessoas e a maior permanência em casa começaram a pesar.

Todas essas mudanças abruptas tiveram um impacto imediato na vida de todas as pessoas, além de toda a inquietação causada pela ameaça do vírus. Nestas situações, podem se intensificar os sentimentos, de forma a impactar a saúde mental de maneira mais intensa. É o caso de uma moradora de Juiz de Fora, que terá sua identidade preservada. Trabalhando de casa, mesmo com mais tempo livre por não ter que se deslocar, ela relata que a ansiedade causada pela situação da epidemia a impede de fazer coisas que ela gosta. “Não consigo ler, assistir filme, nada. O máximo que consigo é me ocupar com tarefas domésticas.”

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Ela diz que tem sentido muito medo, seja do próprio adoecimento, de algum amigo ou familiar, além do medo de precisar recorrer a uma unidade hospitalar e se expor a outros riscos. “Quando consigo me distrair, o que não tem sido fácil, a situação se acalma e eu consigo pensar de forma menos exagerada. Enfim, uma situação de temor constante.”

Crises de ansiedade

Uma juiz-forana que tem transtorno de ansiedade generalizada, que também não será identificada, planejava retomar as consultas com a psicóloga quando tudo começou a acontecer. Para ela, a rotina de exercícios físicos era fundamental para o controle do transtorno, mas viu algo que estava controlado se desestabilizar com o isolamento.

“Minhas crises de ansiedade aumentaram. Começo a ter pensamentos que não fazem sentido, cismo que qualquer ação pode passar coronavírus para as pessoas, mesmo estando dentro de casa e não saindo e mesmo que ninguém que mora comigo saia. Estamos respeitando o distanciamento social”, disse. Para ela, a rotina tem ficado mais cansativa, porque acaba exagerando nos cuidados. “Tenho um filho e, nesse tempo, ele demanda muito mais. Mas mesmo sabendo que posso estar exagerando na limpeza da casa, me sinto mais segura sabendo que estou fazendo tudo.”

Ela conta que mesmo conhecendo os sintomas de suas crises, já está fazendo contato com psicólogos que seguem fazendo atendimento on-line. “Tento me controlar, faço os exercícios de respiração, estou fazendo exercícios em casa, buscando pensar em outros assuntos e filtrando as informações que consumo sobre a pandemia.”

‘As pessoas se sentem presas, e isso aumenta a ansiedade’

A intensificação desse sentimento de angústia está muito associada à imobilidade e à impossibilidade de se movimentar, segundo a coordenadora do Centro de Psicologia Aplicada da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Alinne Nogueira.

“As pessoas se sentem presas, e isso aumenta a ansiedade. Vemos um agravamento das dificuldades que as pessoas já tinham antes. Se a pessoa for estressada, vemos o aumento do estresse; se for ansiosa, aumento da ansiedade. Não só pelo confinamento, mas também pela associação com a possibilidade de contrair a doença.”

Ela diz que muitas pessoas adotam um vocabulário de guerra, com expressões como linha de frente, estratégia de combate e trincheiras sendo usadas para falar sobre o assunto. “A situação é essa mesmo. Não podemos negar, e assim como acontece nas guerras, em momentos como esse, a fragilidade humana fica exposta.” Mas, nesses momentos, além de tomar todas as medidas de prevenção indicadas pelas autoridades de saúde, também é preciso cuidar do que faz bem à saúde mental, adverte Alinne.

Além desses aspectos, conforme a psicanalista, há também o próprio rompimento de laços de convivência presenciais, que contribuem para que a pessoa se sinta desamparada. O afastamento de amigos, familiares e até mesmo do trabalho se somam a essa sensação de angústia pela imobilidade. Mas é preciso salientar, segundo ela, que se há efeitos negativos por uma via, por outra, há muitos ensinamentos importantes.

“Essa também é uma oportunidade muito rica para que a pessoa reavalie o que, de fato, vale a pena. As coisas simples que fazem falta e são importantes. As pessoas são forçadas a parar, a diminuir o ritmo.”

Para tanto, ela diz que é preciso descobrir novas formas de fazer e manter laços, se reinventar.

Família mais próxima, apesar do distanciamento

Foi o que fez outra juiz-forana, que também terá sua identidade preservada, nos primeiros sinais da pandemia. Ela levou a mãe, que faz parte do grupo de risco, e a irmã, que convive com uma doença crônica para casa. Ela liberou cuidadoras e demais profissionais que trabalhavam a família para que pudessem, também, cuidar de suas famílias, sem ter que se expor com deslocamentos. Por isso, precisou mudar de hábitos. “Minha rotina mudou totalmente. Tive que adaptar a casa para recebê-las e adotar novos hábitos. Outro dia minha mãe disse que precisou surgir um vírus para me fazer parar de correr e conviver com ela sem pressa. E ela tem razão.”

“Vemos um agravamento das dificuldades que as pessoas já tinham antes. Se a pessoa for estressada, vemos o aumento do estresse; se for ansiosa, aumento da ansiedade”, afirma Alinne Nogueira, psicanalista e coordenadora do Centro de Psicologia Aplicada da UFJF (Arquivo Pessoal)

Ela conta que toda a situação fez toda a diferença, porque aproximou a todos. “Agora, sem poder sair, trabalho em casa e estou com elas o tempo todo. Minha filha tem curtido a avó como nunca tinha feito antes e tem sido muito divertido. Ou seja, a quarentena nos aproximou ainda mais e temos usado este tempo para resgatar todos os momentos que perdemos. Todos os dias juntamos todos os irmãos em um aplicativo de reuniões on-line para uma conversa alegre e construtiva. Nunca nossa convivência foi tão intensa, apesar do distanciamento físico”, relata.

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O exercício de filtrar as necessidades

Como também aumentou a necessidade de cuidar da saúde mental nesse cenário, muitas pessoas estão encontrando novas formas de fortalecer laços afetivos, de praticar a solidariedade e de fazer com que esses dias sejam menos difíceis. O isolamento domiciliar motivou uma série de iniciativas para as pessoas se distraírem, se exercitarem ou buscarem usar o tempo livre para aprender ou se aperfeiçoar. Nas redes sociais há a disponibilização de uma série de serviços e de shows, trabalhos artísticos e outras atividades.

Mas essas inúmeras ofertas que surgiram também podem desencadear ansiedade. Portanto, é preciso ter cuidado. “As pessoas falam como se fosse só ter tempo para fazer as coisas. ‘Vai arrumar a casa, ordenar um armário, ler um livro’. Mas a angústia, às vezes, não permite que tenhamos tranquilidade para sentar e ler um livro ou organizar um armário”, diz Alinne. Para ela, é importante que cada um se pergunte o que acalma, o que o faz bem nessas horas.

“É importante filtrar as informações que chegam. Não ficar o tempo todo focado nas mensagens que recebe e fazer o que faz bem”.

Alinne diz que o momento oferece uma série de desafios, e que é importante buscar meios de fortalecer os laços e criar oportunidades de repensar o que faz bem. “Tentar fazer algo que te deixe bem, brincar com o filho, já que em outra situação não teria tanto tempo livre, pensar que vai passar. Pode demorar, mas vai passar. Estamos enfrentando quase um período de guerra, mas é fundamental se proteger, se cuidar e buscar ajuda”, salienta a professora.

Esperança

Outro ponto é a possibilidade de fortalecer outras questões, como a solidariedade e a amizade. A psicanalista ressalta que percebe movimentos para dar visibilidade ao trabalho de autônomos para que eles sejam conhecidos por mais pessoas. Por isso, para ela, esse é o momento de refletir e se reinventar, mas faz alertas. “É importante definir o que é prioridade, cortar os supérfluos e focar no que é, de fato, necessário. Temos uma grande onda de solidariedade, e nesse sentido, é interessante notar que pessoas que nunca se falaram, passaram a se falar. Há uma expectativa de que algo positivo venha. É preciso manter a esperança.”

Tópicos: coronavírus

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