Lei Maria da Penha completa 15 anos com avanços e desafios pela frente

Com criação do Programa Sinal Vermelho, no fim de julho, violência psicológica também passou a ser crime, e pena de lesão corporal foi aumentada; subnotificação, entretanto, ainda é entrave


Por Marcos Araújo

07/08/2021 às 07h00

A Lei Maria da Penha completou 15 anos neste sábado (7), e, ao longo de uma década e meia, vem se aperfeiçoando para ampliar o leque de proteção às mulheres vítimas de violência. Um dos recentes avanços da legislação aconteceu no último dia 28 de julho, com a publicação da lei 14.188/2021. A norma criou o Programa Sinal Vermelho, que aumenta a pena para o crime de lesão corporal contra a mulher, cometido por razão das condições do sexo feminino, e cria o tipo penal de violência psicológica contra a mulher. Porém, apesar dos avanços nos últimos 15 anos, ainda há desafios e estigmas a serem vencidos.

Delegada e presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, Ione Barbosa, comemora criação do Programa Sinal Vermelho e explica mudanças (Foto: Divulgação)

Para a presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (CMDM), titular da 4ª delegacia de Polícia Civil e delegada de mulheres, Ione Barbosa, a inovação decorrente da nova legislação trata-se de um avanço no combate à violência doméstica. “A partir de agora, a mulher pode se dirigir a um posto policial e fazer um registro em virtude da violência psicológica, e isso é muito importante, porque antes, essa mulher ia até a polícia para denunciar uma situação dessa e era tratada como se isso não existisse, porque não havia essa conscientização”, ressalta Ione.

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A nova lei prevê pena de reclusão de seis meses a dois anos ao agressor. “São incontáveis as vezes que, na delegacia, recebi mulheres que se confundiam, dizendo que o companheiro nunca tinha batido nelas, mas que já não aguentavam mais a situação de viver com aquele homem que a humilhava, fazendo essa mulher se sentir um lixo. São mulheres, muitas vezes, dependentes de medicação antidepressiva, e algumas já tinham até tentado contra a própria vida por conta da violência psicológica. Com essa tipificação de crime, agora o homem irá pensar duas vezes antes de partir para esse tipo de violência. E é preciso haver uma campanha massiva para que os homens se conscientizem de que a violência psicológica é crime”, destaca a delegada.

Ione enfatiza ainda que apesar de a violência psicológica não ser física, “deixa sequelas terríveis. As sequelas físicas somem, mas as psicológicas deixam outros tipos de marcas, decorrentes de humilhação, limitação do direito de ir e vir, ridicularização, manipulação, isolamento, constrangimento, chantagem e qualquer outro método que tira da mulher o direito de pensar e que a coloca como louca”.
No que tange à questão do crime de lesão de corporal contra a mulher, em razão da condição do sexo feminino, o Programa Sinal Vermelho aumenta a pena, que era de três meses a três anos de reclusão para um a quatro anos.

‘Divisor de águas’

Criada em de 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha é considerada o marco inicial da proteção às mulheres brasileiras contra a violência de gênero. “Essa é uma lei que foi um divisor de águas para a mulher do Brasil, porque no nosso país existe uma cultura extremamente machista, e já era para termos uma lei protecionista da mulher há muito tempo. A Lei Maria da Penha, que só tem 15 anos, chegou tarde, como fruto de uma determinação e não de uma conscientização por parte da sociedade. De toda forma, ela é um avanço, e há muito o que se comemorar nesses anos desde sua criação”, avalia Ione.

Segundo ela, umas das inovações mais relevantes apresentadas pela Lei Maria da Penha é a proibição de que qualquer crime previsto como violência doméstica em relação à mulher seja tratado nos juizados especiais, que era o que acontecia antes. “Quando a mulher era vítima de violência, tinha o caso considerado como um crime de menor potencial ofensivo, sendo encaminhado para o antigo juizado de pequenas causas. E como o perfil do agressor é sempre de um homem ‘de bem’, de pessoa trabalhadora, frequentadora de igrejas, que cumpre com suas obrigações de provedor, ele tinha o direito de apenas pagar uma cesta básica”.

Atualmente, entretanto, os policiais instauram procedimento, como um inquérito penal. “Não se pode mais arquivar esse tipo de caso, e o policial que fizer isso pode responder por abuso de autoridade. Se o inquérito já tiver sido instaurado e um exame pericial confirmar que houve lesão à integridade física, independentemente da vontade da vítima, o agressor pode e deve ser indiciado por lesão corporal”, explica Ione. Além disso, a Lei Maria da Penha deu visibilidade a outros tipos de violência, como a patrimonial, moral, sexual e psicológica, ressalta a delegada.

Plano municipal prevê criação de abrigo para vítimas

A Lei Maria da Penha está entre as melhores leis existentes no mundo acerca da violência contra a mulher, o que comprova a importância dessa legislação no Brasil. Segundo Ione Barbosa, a legislação possui um conteúdo muito mais preventivo do que repressivo, prevendo políticas públicas para tirar a mulher do contexto de violência, colocando à disposição da vítima atendimento especializado, medidas protetivas e de educação para a população.

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Todavia, a lei e o atendimento às vítimas ainda podem ser melhorados. “Atualmente, em Juiz de Fora, existe a Casa da Mulher, que requer medida protetiva para acolhimento da vítima, mas já passou da hora de haver um local para a mulher ser abrigada enquanto ela e seus filhos estão aguardando o deferimento dessa medida, que precisa ser deferida pela Justiça. Esse processo é demorado. Quando muito rápido, a espera é de sete a 15 dias, e onde a mulher fica durante esse período? Muitas vezes, a vítima não tem apoio de parentes, e o Poder Público precisa dar condições para essas mulheres, a fim de que elas sejam atendidas por psicólogos, assistentes sociais e contem com apoio jurídico, para acionamento da Defensoria Pública. Sem isso, elas têm que voltar para casa, e a violência não cessa”, defende a presidente do Conselho Municipal, destacando que, em função das especificidades da violência, é importante a existência de uma delegacia especializada e de profissionais de segurança especializados para esse tipo de atendimento.

Casa da Mulher, na  Rua Fonseca Hermes, oferece serviços e proteção às vítimas de violência doméstica (Foto: Jéssica Pereira)

De acordo com o Ione, no final de 2020, o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher elaborou o Plano Municipal de Políticas Públicas para a Mulher pela primeira vez na história de Juiz de Fora. O documento prevê a criação deste tipo de abrigo.

Obstáculos

A delegada salienta ainda que muito se fala em números sobre violência doméstica, mas é difícil obter estatísticas que realmente traduzem essa realidade. “A violência doméstica está envolta na questão da subnotificação de registros. Existem casos que não chegam para a Polícia Civil, e isso é muito preocupante, porque existe mulher que sequer consegue ir ao posto de polícia para registrar seu caso.”

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Além disso, mesmo que existam normas, nem sempre elas são cumpridas. “Precisamos lutar para que ocorra o cumprimento de lei federal que obriga todos os estabelecimentos de saúde, privados ou públicos, a fazerem uma notificação para a autoridade policial acerca da suspeita de violência doméstica contra as mulheres que chegam a essas unidades. Isso é importante quando se pensa em um contexto em que existe a subnotificação de casos”.

Mesmo depois de 15 anos, com grande repercussão e com mais mulheres realizando denúncias, as agressões não param de acontecer, e, na visão de Ione, essa violência não acabará enquanto existir a desigualdade de gênero. “Vivemos em um país extremamente machista e extremamente desigual, onde os cargos públicos e vozes políticas são, na sua maioria, homens. Os homens legislam a favor deles, o que faz haver essa relação assimétrica de poder entre homens e mulheres”, conclui a delegada.

Delegacia ganha nova sede, e PM faz campanha de conscientização

Nesta segunda-feira (9), a Polícia Civil de Juiz de Fora inaugura a nova sede da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, no Santa Cruz Shopping, na região Central do município. A solenidade está marcada para as 11h, e poderá ser acompanhada ao vivo pelo Instagram da Polícia Civil de Minas Gerais. A unidade passa a funcionar no segundo andar do shopping, localizado na Rua Jarbas de Lery Santos 1.655. A instalação irá contar com uma sala onde será prestado serviço de escuta especializada de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência, conforme previsto na Lei Federal nº 13.431, de 2017. O anúncio foi realizado pela assessoria de comunicação da Polícia Civil na tarde de sexta-feira (8).

Agosto Lilás

A Polícia Militar lançou, na última segunda-feira (2), a Campanha Agosto Lilás, com o objetivo de conscientizar a população e enfatizar a importância dos 15 anos de criação da Lei Maria da Penha. Conforme a corporação, o Agosto Lilás é um reforço nos mecanismos de combate e prevenção a todos os tipos de violência doméstica.

Em Juiz de Fora, o 2º e o 27º batalhões de Polícia Militar estão atuando com ações de distribuição de dicas e a realização de palestras acerca do tema. Conforme informou a assessoria do 27º BPM, nesta segunda, uma ação acontece no Bairro Democrata, com entrega de panfletos com medidas de autoproteção e prevenção. Já nos dias 10 e 12 será realizado curso on-line sobre violência doméstica e familiar contra mulher, ministrado pelo Promotor de Justiça Rogério Sanches.

No dia 13, sexta-feira, será realizada blitz em frente a Delegacia da Mulher, no Santa Cruz Shopping. No dia 16 acontece, no Alto dos Passos, a entrega de panfletos de medidas de autoproteção e prevenção. A mesma ação também ocorre nos dias 17, no Ipiranga; no dia 19 no Democrata; e em 20 de agosto no Bairro Francisco Bernardino. Diariamente, a corporação irá realizar a campanha nas suas redes sociais com posts, vídeos curtos sobre o tema, com divulgação dos canais de denúncia de violência contra mulher e boas práticas de prevenção.

Tópicos: polícia

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