Vacinas infantis obrigatórias atingem menos da metade do público-alvo

Baixas taxas assustam especialistas, que recomendam índices de adesão acima de 90%, e apontam risco de novos surtos


Por Elisabetta Mazocolli, estagiária sob supervisão de Rafaela Carvalho

06/04/2022 às 07h54

Os índices de adesão às vacinas obrigatórias para recém-nascidos e crianças têm apresentado desempenho preocupante, atingindo menos de 50% do seu público-alvo. Os dados alertam os especialistas, que apontam a possibilidade de novos surtos e de reaparecimento de doenças que não estão mais sendo protegidas pelos imunizantes disponíveis.

De acordo com dados do Datasus, a vacina pentavalente, que traz proteção contra doenças como coqueluche, hepatite B, tétano e difteria, teve apenas 40,54% de adesão no ano passado. A pneumocócica, por sua vez, atingiu 43,12% do público-alvo, sendo que serve para prevenir cerca de 70% de doenças graves em crianças, como meningite, pneumonia e otite.

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Já a meningococo C contou com uma taxa de 40,11%, sendo responsável por prevenir doença meningocócica, que pode evoluir para meningite e outras doenças graves, causadas pelas bactérias meningocócicas. A hepatite A chegou a 41,81% das crianças, atuando contra a infecção causada pelo vírus A da hepatite (HAV), também conhecida como “hepatite infecciosa”. A vacina do rotavírus, por sua vez, teve adesão de 41,65%, sendo responsável por proteger da doença diarreica causada por esse vírus.

Em matérias anteriores, a Tribuna também registrou que a poliomielite teve a menor taxa de vacinação em Juiz de Fora nos últimos cinco anos em 2021, chegando a um índice de 35,75% de adesão, considerando o total das três doses. A cobertura da vacina tríplice viral, que protege contra o sarampo, a caxumba e a rubéola, também chegou ao seu menor índice nos últimos dez anos, com o percentual de vacinação com duas doses chegando a apenas 32,38% do seu público.

Os maiores índices de aplicação foram da BCG, que protege contra a tuberculose, com 51,80% em 2021, e da hepatite B, que traz proteção contra infecção do fígado (hepatite) causada pelo vírus da hepatite B, com 52,20%. Mesmo assim, passaram apenas por pouco mais da metade do público-alvo. Já o menor índice, por sua vez, foi a febre amarela, que protege dos casos graves e mortes pela doença, com somente 37,78% de adesão.

Necessidade de campanhas periódicas

Especialistas afirmam que a meta é que os índices fiquem acima de 90% de cobertura de vacinação. O chefe da unidade pediátrica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU/UFJF), Lúcio Oliveira, explica que esse era um número que tradicionalmente o Brasil conseguia cumprir, mas que para chegar a esses índices novamente é preciso fazer campanhas periódicas de multivacinação e ações de educação em massa para conscientizar as pessoas sobre essa importância e retomar a cobertura vacinal.

Para ele, com os índices atuais abaixo de 60%, o risco de falha na cobertura e de surtos aumenta. “É um limite perigoso. Com todos esses dados baixos, há também o risco de mais doenças voltarem ao mesmo tempo”, diz. Ele explica que isso poderia causar muitos problemas para os sistemas de saúde, já que quando há surtos de uma doença ocorrem em geral quadros de superlotação e de demandas ainda maiores. “Se no meio de um surto de dengue, vem um surto de sarampo, por exemplo, é um caos para o atendimento e para a população.”

O infectologista e pediatra Mário Novaes também considera que esse cenário pode gerar o reaparecimento de doenças. “Durante a pandemia, nós nos descuidamos das outras doenças. Essa falta de vacinação pode fazer com que todas essas doenças voltem, porque não demos a proteção”, diz. Para ele, é preciso que se faça urgentemente uma ampla campanha de vacinação, para que esse cenário de baixa adesão se modifique e a proteção da população como um todo aumente.

Cobertura vacinal deve ser ampla para proteger quem toma o imunizante e para criar um escudo social contra as doenças transmissíveis (Foto: Fernando Priamo/Arquivo TM)

Cortes federais em campanhas

Novaes ressalta como essencial, para combater esse cenário, a realização de uma campanha de conscientização populacional, falando sobre a importância das vacinas e os riscos das doenças, além de associar essa campanha a outras do calendário. No entanto, de acordo com os dados que podem ser acessados através da Lei de Acesso à Informação, durante o ano de 2021, o Governo federal cortou mais da metade dos gastos em propagandas, dificultando assim essa ação de proteção à saúde das crianças junto às famílias.

Pandemia e movimento anti-vacina agravam situação

Mário Novaes afirma que o quadro é preocupante porque muitas vacinas foram deixadas de lado por conta do próprio isolamento social. “O cenário fez com que o acesso às vacinas fosse mais difícil, gerando medo dos pais de levarem as crianças ao posto, além do fato de que as atuais condições econômicas se tornam desafiadoras até para locomoção.” Ele explica, no entanto, que esse não é um cenário que está acontecendo isoladamente: é algo que está acontecendo internacionalmente em virtude dos movimentos de descrédito em relação às vacinas.

Os dados do Datasus mostram com nitidez que essas taxas estão baixando desde 2019 (tabela). Lúcio Oliveira confirma que há um movimento anti-vacina que divulga muitas fake news em redes sociais e atrapalha a campanha. Ele destaca que, no momento, os baixos índices são muito preocupantes porque podem ter um impacto importante sobre a imunização coletiva e, em especial, sobre as novas gerações. “Quanto maior o percentual de vacinação, mais você cria uma barreira social em relação às infecções protegidas pela vacina”, explica.

O pediatra do Hospital Universitário também explica que a cobertura vacinal deve ser ampla para proteger quem toma, mas também para criar esse escudo social contra as doenças que as vacinas protegem quando temos essa queda. Para ele, há o risco dessas doenças voltarem a acontecer, já que “em níveis altos, esse risco aumenta na mesma proporção que a cobertura vacinal cai”.

Índices da febre amarela e rotavírus trazem alerta

Os baixos índices atuais de vacinação justificam preocupações gerais em relação às diversas doenças que poderiam ser prevenidas, mas o caso da febre amarela e do rotavírus chama ainda mais a atenção dos especialistas. No caso da febre amarela, porque a vacina contra essa doença está com o menor índice de adesão e, ainda, de acordo com os médicos, parece ter se espalhado uma crença de que não há riscos dessa doença no dia a dia de indivíduos na cidade. Mas para Oliveira, isso é um equívoco bastante alarmante.

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“A vacina contra a febre amarela é muito importante, porque ela pode controlar uma doença que é transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti. Tivemos um surto aqui em Juiz de Fora há menos de seis anos”, diz. Para ele, essa baixa cobertura gera o risco da população de voltar a sofrer as consequências de uma epidemia urbana de febre amarela. O pediatra ainda explica que o momento é especialmente preocupante em relação à dengue, por conta do calor, das chuvas e da proliferação dos mosquitos, o que complica a situação, já que onde há o mosquito e mais as condições climáticas favoráveis, há chances de novos surtos da doença. Ele também ressalta que a febre amarela impressiona muito por ser uma doença grave, com taxa de letalidade chegando a 50%.

Prazo

Além disso, os baixos índices de adesão à vacina contra o rotavírus também preocupam porque ela não pode ser tomada posteriormente ao prazo indicado (a primeira dose tem que ser tomada entre 1 mês e 15 dias a 3 meses e 7 dias de idade, e a segunda dose deve ser tomada a partir de 3 meses e 7 dias até 5 meses e 15 dias de idade). “Há muitas crianças que, de fato, já perderam essa proteção e não têm como recuperar. Elas estão suscetíveis a ter diarreias agudas, dor abdominal e desidratação, todo o quadro da doença”, explica o chefe da unidade pediátrica do HU.

Prefeitura diz que trabalha para ampliar cobertura

Em Juiz de Fora, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) ressalta, em nota, que mesmo com os cortes do Governo federal, o município está se preparando para fazer novas campanhas. Também afirma que as coberturas vacinais estão sendo continuamente monitoradas a fim de se elaborarem estratégias que proporcionem um maior alcance da cobertura. Diz ainda que campanhas de vacinação contra o sarampo e a influenza vão acontecer na cidade até 3 de junho, com o Dia D sendo realizado em 30 de abril.

A Secretaria de Saúde também afirma que, em geral, no segundo semestre, acontece a Campanha de Multivacinação, para atualização vacinal de crianças e adolescentes, mas ainda não houve a definição da data por parte do Governo federal, que é o responsável pela compra e envio dos imunizantes aos municípios. A pasta também destaca que vai continuar a intensificação das vacinas com baixa cobertura, mas ainda não existe previsão de nenhuma outra campanha nos próximos meses.

Para a PJF, também é preciso analisar que a aderência da população à vacinação é afetada “por diferentes fatores, e o município tem buscado conhecer quais destes têm contribuído em maior intensidade a fim de programar suas estratégias de vacinação com foco no território”.

Tópicos: vacina

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