“Viva”, aconselha bombeiro que voltou de Brumadinho
Grupo juiz-forano passa por atendimento psicológico e conta o que vivenciou após o rompimento da barragem ocorrido no dia 25 de janeiro
Quando participou dos trabalhos de resgate em Mariana, em 2015, o bombeiro Acácio Tristão Gouveia jamais imaginou que, apenas três anos depois, retornaria ao “front” por causa de um novo rompimento de barragem em Minas Gerais. Após passar sete dias em Brumadinho, no entanto, o chefe da Seção de Planejamento do 4º Batalhão de Bombeiros de Juiz de Fora – um dos 25 militares da cidade e região enviados para o município mineiro devastado pela lama de rejeitos da mina Córrego do Feijão – conta como foi a semana em que ele e a equipe que coordenou passaram 20 horas diárias acordados em busca de vítimas e sobreviventes. Em um depoimento emocionante, o capitão, com 14 anos na corporação, e outros dois militares falaram sobre os impactos de uma das experiências mais difíceis da carreira. Eles relataram os momentos mais dramáticos do resgate iniciado no dia 25 de janeiro e as lições extraídas dessa tragédia humana. Para o oficial, coube a tarefa de coordenar a tropa, sendo responsável pelo lançamento das equipes para a zona quente.
“Quando saí de Mariana, eu e muitos de nós achamos que era uma ocorrência histórica, que a gente nunca mais ia participar daquilo. Pouco tempo depois, vem uma pior, se comparado o número de vítimas. Em Brumadinho, o que destaco é a magnitude. Tudo é muito. Muitas pessoas envolvidas, muitas vítimas, muito dano. A gente não podia imaginar algo semelhante acontecendo novamente”, revelou o capitão Tristão após passar, ao lado dos colegas, por atendimento psicológico e médico nesta segunda-feira (4) na sede do Batalhão em Juiz de Fora, para onde retornaram no último dia 31 de janeiro.
Membro da equipe de Tristão, o sargento Claudiney Vasconcelos, com 17 anos de corporação, atuou na equipe de buscas. De todo o grupo, ele foi o único a trabalhar no rompimento das barragens de Miraí, em 2007, de Mariana, em 2015, e, recentemente, na de Brumadinho. “O posto de comando determinava possíveis locais de fazer o ingresso para iniciar os trabalhos de escavação em locais onde tinha ônibus, edificações, locomotivas. Encontramos vítimas em meio a ferragem de veículos, dentro de casas atingidas, em meio à lama”, diz, contando que perdeu a noção das horas durante a operação de salvamento e resgate. “A adrenalina começou do acionamento aqui até a hora do retorno. Tinha momentos lá que eu perguntava: que dia é hoje? Que horas são? A gente sabia apenas o horário do nascer do sol e do pôr do sol”, comenta”, contou.
Já o tenente Yuri Éder Caetano, comandante da companhia operacional e há dez anos na corporação, atuou na equipe de resposta, acionada logo após a localização das vítimas. “A gente fazia a contenção do corpo, a preparação para a remoção dele pelas aeronaves até o ponto base, onde estavam todos os corpos encontrados. Nos deparamos com diversas situações, porque a dinâmica do acidente em si foi muito forte. Encontramos vítimas inteiras, outras com diversos tipos de lesões. A gente enfrentou realmente os nossos limites.”
Solidariedade
De volta a Juiz de Fora, os militares dizem já ter tido tempo para refletir sobre tudo que passaram em Brumadinho. Yuri diz ter percebido o real sentimento de solidariedade e a importância do trabalho em equipe. “Eu não fazia ideia que a nossa tropa era tão unida assim que, ao passar por algumas situações de risco, parecia que éramos familiares. Quando um estava em risco, era como se fosse um irmão, um parente próximo, e a gente se colocava no lugar dele. Parecia que já tínhamos trabalhado com todos os bombeiros de outros estados que estavam lá. Havia muita sintonia.”
‘Abrace, beije, porque amanhã pode ser tarde
Já Tristão ressaltou a importância de cuidar de quem se ama. “Eu resumi para a psicóloga tudo que passei lá com uma palavra: viva. Abrace, beije, porque amanhã pode ser tarde”, disse, ressaltando, ainda, as lições de humanidade que trouxe na bagagem para casa. “Encontramos pessoas que estavam se doando para trazer um pouco de conforto para a gente, a fim de que a gente cumprisse nossa missão e pudesse também levar conforto para outras pessoas. O voluntariado me chamou muita atenção, a ponto de ter um grupo de pessoas que estava lá para lavar a nossa roupa e nos entregar em condições de ser usada no outro dia. Quer atitude mais nobre do que essa? A humanidade e o amor ao próximo nos trouxeram um sentimento maior ainda, que é de esperança. De que apesar da tragédia, existem pessoas boas no mundo e que as coisas valem à pena.”
Rastreio de sintomas e sinais
Responsável pelo atendimento dos militares, a tenente Anália Tatiana Oliveira, psicóloga da corporação, sabe que nenhuma ocorrência é igual a outra, e que para cada uma é preciso ressignificar a experiência vivida.
“Sempre quando a gente encontra ocorrências com grandes perdas humanas certamente impacta muito mais, tanto fisicamente – pela exigência na rotina do trabalho -, quanto emocionalmente”.
Para ajudar os bombeiros a lidarem com situações desafiadoras experimentadas no dia a dia, a psicóloga diz que através do Programa de Saúde Ocupacional Bombeiro Militar é possível fazer o rastreio de sinais e sintomas relativos à condições psicopatológicas, psicossociais, a fim de que seja feito um acompanhamento permanente.
“Em situações como essa (Brumadinho), a gente procura fazer um trabalho mais pontual, no qual busco abordar as emoções advindas dessa atividade, o que (os bombeiros) percebem dessa vivência e quais os recursos que cada um pode utilizar para poder lidar com isso. O treinamento, a especialização, a vivência que eles têm da atividade já traz uma bagagem de conhecimento. Mas não basta o conhecimento teórico. É preciso que a psicologia permita que eles dêem um sentido para essa ocorrência no cumprimento dessa missão. É preciso ressignificar essa experiência no sentido de reconstruir algo a partir da situação vivenciada”.
Tópicos: barragem