Elizabeth Regina

Por Nara Vidal

03/07/2022 às 07h00 - Atualizada 30/06/2022 às 13h53

Minha filha nasceu num dos dias mais frios de 2009. Nevava forte. Da cama do hospital, em preparo para o nascimento, eu via da janela a neve se amontoar no parapeito, enquanto eu curtia as delícias de uma peridural bem aplicada. Com o passar dos anos, o irmão dela nasceu num dos dias mais quentes de 2011, em julho. As festas de aniversário não poderiam ser comemoradas de formas mais distintas. Se um convidava os amigos para um dia na praia, a outra se enfurnava dentro de casa para festinhas à luz de velas. Cansada da própria sorte, minha filha declarou, aos dez anos, que não comemoraria mais seu aniversário em janeiro. Ou, melhor: teria dois aniversários; o oficial, em janeiro, e outro em maio, na primavera para que tentasse garantir uma sonhada festa no jardim. Acabei logo com a aquela ambição e quis saber se, por acaso, ela era a rainha da Inglaterra e eu não havia sido informada. Elizabeth nasceu em 21 de abril, mais ou menos no mesmo dia de Shakespeare, mas celebra o nascimento em junho. Tanto naquele dia de neve ininterrupta quanto no dia de calor extremo para uma ilha na Europa do norte, dois ingleses nasceram e na rotina, sempre existiu a rainha Elizabeth II. Em maio deste ano, muitas festas e feriados aconteceram por aqui para marcar o Jubileu de Platina. O que será que sentem os ingleses diante de tanta pompa e circunstância, diante de tanto destaque para uma monarca que está no trono e firme há setenta anos? Pergunto aos ingleses que tenho em casa. A normalização da figura da rainha é tanta que não pensam com tanta atenção no assunto. Ela não só sempre esteve nas vidas deles, como esteve de forma sólida e quase onipresente. Quando vão ao mercado comprar doces, a moeda tem o perfil dela. Nas cartas que ainda se enviam aqui, tem no selo o perfil da rainha. Quando as notas da escola são excepcionais e os boletins merecem, a cédula de cinco libras que recebem tem lá o rosto de Elizabeth. A vida em volta tem o símbolo ER, Elizabeth Regina, para todo lado. Quando fui buscar minha nacionalidade britânica, cantei um sonoro “God save the Queen”. Claro, por dentro, eu chorava de raiva e tristeza por ter conquistado uma nacionalidade, agora, fora da União Europeia. (A vida pode ter suas grandes injustiças, preciso destacar.) Mas, talvez a questão que mais ganhe interesse dos meus filhos é a morte da rainha. Já há dez anos que jornais e opinião pública se preparam para matar a monarca. E quando isso acontecer, querem saber os filhos, o que vai mudar? Muito. Cantaremos para que Deus salve o rei. As moedas serão trocadas para portarem o perfil do Rei Charles IV, e com os selos dos correios, a mesma coisa acontecerá e passaremos a nos familiarizar com o monograma CR, Charles Rex. Muito dinheiro público será gasto e a monarquia seguirá firme e forte.
É curioso pensar em como a rainha e o seu reino sempre estiveram naturalizados nas vidas dos meus filhos. Claro, pegaram um período de popularidade dos monarcas com a entrada de Kate Middleton, os nascimentos dos herdeiros do herdeiro do herdeiro, o reality show que foi a entrada e saída de Meghan Markle e, agora, as celebrações de uma rainha que parece ser unanimidade. Claro, há sempre quem não goste do sistema de governo, há os que questionam o saldo financeiro da monarquia para os cofres públicos, há quem ache tudo fora de moda e obsoleto. De fato, mudanças profundas nunca foram tão discutidas sobre o futuro e significado da monarquia. Mas Elizabeth II parece agradar gregos e troianos. Se considerarmos o seu senso de responsabilidade e comprometimento para com as tradições do país, de fato, não tem para ninguém. É de impressionar a volta por cima dada pelos monarcas depois da morte da Princesa Diana, a mais popular deles. Talvez ali, naquele momento sombrio da monarquia, a rainha tenha tido seu período mais conturbado no que diz respeito à opinião pública sobre ela. Mas o fascínio é maior e o trabalho do time de Relações Públicas do palácio colocou em prática estratégias irresistíveis para que castelos, reis, princesas e suas vidas extraordinárias voltassem a ocupar, não só a imaginação do inglês, mas preenchessem o senso de identidade de uma nação. Além do mais, o tempo aqui é ruim mesmo, e se tirarmos os contos de fada, o que teremos? Então, Deus salve a rainha em abril, em junho e na data que ela quiser!

Nara Vidal

Nara Vidal

Nara Vidal é escritora. Nascida em Guarani, Zona da Mata mineira, em 1974, há quase duas décadas vive em Londres. É autora de mais de uma dezena de títulos, a maioria deles publicados em português. Dentre eles, os infanto-juvenis "Dagoberto" (Rona Editora) e "Pindorama de Sucupira" (Penninha Edições), os de contos "Lugar comum" (Passavento) e "A loucura dos outros" (Reformatório), e o romance "Sorte" (Moinhos), premiado com o terceiro lugar no Oceanos de 2019.

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