Envelhecer: um encontro inesperado?

Por Jose Anisio Pitico

11/02/2022 às 07h00 - Atualizada 10/02/2022 às 14h39

O grande poeta Vinicius de Moraes, carinhosamente chamado pelos seus amigos e admiradores de “poetinha”, em seu imortal “samba da bênção”, cantava que “a vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida”. Pura verdade. Penso que a nossa grande missão na vida, o nosso principal propósito deve ser buscar esse encontro com a gente mesmo. O que verdadeiramente é meu e o que me pertence? A grande tarefa durante toda a nossa vida é o desejo de apoderar-se da alma que anima os nossos dias. Conhecer e potencializar tudo aquilo que em nós faz o nosso coração pulsar. Estando a caminho do envelhecimento, tenho a sensação da oportunidade que a vida me oferece para viabilizar esse desejo principal na minha trajetória e na de todos nós – a expressão humana do que somos. Prefiro as curvas do que as retas. É minha intenção mergulhar nas águas profundas e não tão claras do mundo da velhice. Na convivência com algumas pessoas idosas, percebo o quanto que elas são ricas, complexas e indecifráveis a olho nu. E são espelhos para mim. É preciso ter uma escuta silenciosa e atenta de uma pessoa para outra pessoa. Com toda cultura negativa existente na sociedade em relação ao nosso envelhecimento, entendo que esse momento de vida (a velhice) pode favorecer o encontro dessa busca. Pode favorecer o encontro de si para si. Pode eliminar o que é estranho em nós, expulsar o forasteiro que habita a nossa cidade. O território do nosso espírito. Ou daquilo que possa ter um outro nome, mas que tem a ver com a nossa maneira genuína e singular de ser na vida. Envelhecer é lutar para não perder o domínio de si. Em condições normais de temperatura e pressão nesses tempos obscuros e de pouca luminosidade para o futuro. Precisamos reencantar e reencontrar o nosso mundo. O mundo de dentro. Aquilo que faz nossa música tocar. O envelhecimento, com certeza, nos dá essa oportunidade. Mas para trilhar esse caminho é preciso coragem e disciplina. É preciso entrar no labirinto que traçamos em nós, às vezes, sem saber, de fato, quem somos. Somos viajantes de um determinado tempo, de um limitado período e fazemos nossa história nesse percurso.

É lamentável, e muito frustrante reconhecer que com a indiferença pública, política e social que nossa educação tem com a passagem do tempo em nós, assim como acontece com as águas das chuvas, em excesso e intermitentes, que trazem prejuízos materiais e perdas de vidas, em nosso cotidiano urbano, ficamos também órfãos de nossa identidade e de nossa referência quando não eternizamos, quando não cultuamos nossos ancestrais, nossas pessoas idosas, todas aquelas pessoas que chegaram antes de nós.

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Esse pequeno texto, essa crônica dessa semana tem sua motivação no livro que eu indico, sugiro, que é de Edgar Morin – Lições de um século de vida. Muito interessante. E muito próximo de nós. Com toda a sua envergadura política e latitude intelectual, esse pensador humanista fala direto ao nosso coração. E certamente nos ajuda a apressar esse encontro de que tanto buscamos – “que fique bem claro: não dou lições a ninguém. Tento extrair lições de uma experiência centenária e secular de vida, e desejo que elas sejam úteis a cada um, não só a quem queira refletir sobre a própria vida, mas também a quem queira encontrar a própria via.”

Envelhecer pode ser um encontro desejado. Um caminho coletivamente construído e cheio de sentido. De sentimentos que alargam e aprofundam a alma da gente. De gratuidades e acasos muito gostosos. Quem viver, verá!

Jose Anisio Pitico

Jose Anisio Pitico

Assistente social e gerontólogo. De Porciúncula (RJ) para o mundo. Gosta de ler, escrever e conversar com as pessoas. Tem no trabalho social com as pessoas idosas o seu lugar. Também é colaborador da Rádio CBN Juiz de Fora com a coluna Melhor Idade. Contato: (32) 98828-6941

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