Brincadeira de faz de conta
Outubro já está quase aí e, quanto mais as eleições se aproximam, mais pensamos sobre o Brasil que queremos. Sei que seria fácil listar aqui o que esperamos para um futuro melhor e diferente da realidade que hoje está posta, mas vou inverter a lógica dessa brincadeira. Não vou cair no lugar comum e dizer que desejo um país sem corrupção, sem os 14 milhões de desempregados, sem inflação, sem injustiças, com zero índice de violência, sem hospitais sucateados e escolas precárias, sem racismo e qualquer tipo de preconceito e com pleno funcionamento das leis constitucionais que garantem nossa democracia.
Pelo contrário, quero nossa nação com todas essas chagas expostas, mas que todos aqueles eleitos para cargos públicos sejam obrigados a abrir mão dos salários advindos dessas funções. Que todos eles, ao longo de seus mandatos, tenham que matricular seus filhos em escolas públicas na periferia, que sejam compelidos a ir e a voltar do trabalho usando transporte público, sentindo na pele como é o deslocamento da grande parcela de trabalhadores brasileiros; que seja compulsório para cada um deles ter que morar em bairros com abastecimento de água e rede de esgoto irregulares e dominados por milicianos. Que, ao precisarem de atendimento médico, tenham que abrir mão de seus planos de saúde e sejam forçados a usar o SUS, tendo que esperar dias, ou até meses, para ter acesso a consultas e exames.
Quem sabe assim, vivendo da mesma forma que a grande massa dos governados, os governantes entenderiam, de uma vez por todas, o que de fato é necessário para uma gestão que vá ao encontro dos verdadeiros anseios da população. Aprenderiam o que é uma boa condução dos gastos públicos, gerando a prestação de serviços de qualidade. Saberiam o quanto é prejudicial para a população o desvio de verbas públicas em falcatruas.
Quem sabe assim, tendo que lidar com preconceitos da mesma forma que os segmentos minoritários lidam no seu dia a dia, eles se dedicariam a criar políticas públicas para reverter as mazelas provenientes de anos de abandono impostos para essa parcela da sociedade.
Quem sabe assim, vivendo como o povo, nossos governantes teriam mais amor pela nossa gente, seriam mais empenhados na diminuição das desigualdades entre ricos e pobres, saberiam zelar por nossos recursos públicos, riscando do mapa as negociatas que favorecem apenas um ou um grupo em detrimento do prejuízo da maioria; e teriam a consciência de que os cidadãos são coautores na elaboração das leis que asseguram o Estado Democrático de Direito, o que dispensaria a redação de uma carta para a defesa da democracia.
Sei que essa proposta é utópica, uma brincadeira mesmo de faz de conta, mas serve para fazer refletir sobre a quem vamos destinar a confiança na hora de votar. Nesse momento, precisamos ter em mente que o Brasil é um país ainda arcaico e de grande desigualdade social. Uma condição que vem sendo perpetuada para a benesse de poucos. Clama-se por patriotismo, mas que pátria é essa que não enxerga os que vivem em condições de miséria, os que têm seus direitos constantemente violados?
Que até o pleito de outubro tenhamos condições de discernir sobre o país que queremos, para que seja mais humano e mais próspero. Que a indignação seja a matéria-prima do voto consciente, a fim de transformar tudo que nos desagrada.