Que país é este?

Por Marize Alvarez, advogada e professora especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário e Direito Civil e Processo Civil.

22/09/2021 às 07h03 - Atualizada 21/09/2021 às 23h24

Inicio nossa conversa lembrando do que já salientava Renato Russo em sua canção composta em 1978 com esse mesmo título, onde faz uma dura crítica social, a qual inclusive permanece com ares contemporâneos, parecendo ter sido feita para os dias atuais quando diz: “Nas favelas, no Senado / Sujeira pra todo lado / Ninguém respeita a Constituição / Mas todos acreditam no futuro da nação”. E olhe que o compositor somente gravou sua canção quase dez anos depois pelo receio de que se tornasse obsoleta diante da imaturidade de nossa democracia e das nossas instituições.

E como dizer que razão não lhe cabia? Incrível constatar o quão imaturos ainda somos politicamente, democraticamente e institucionalmente. É um fato incontestável e chancelado por tudo que temos feito e vivido até então.

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As imaturidades brasileiras acima referidas se mostram ainda mais profundas quando analisadas sob o prisma dos direitos sociais, quando é visto de forma clara e irrefutável que a solução dos problemas nunca é buscada na causa, mas nos efeitos e sempre é bancada de forma mais onerosa exatamente pelos mais vulneráveis, num verdadeiro contrassenso. Num compasso assim, jamais se evoluirá de forma efetiva.

Em um cenário como esse, os trabalhadores se veem em um contexto ainda mais caótico, enfrentando todo tipo de mazelas quando precisam apresentar requerimentos de benefícios por incapacidade temporária ou permanente junto à Previdência Social, ocasiões em que acabam sendo obrigados a passar por uma verdadeira via crucis na esfera administrativa.

Tal calvário se deve a um processo muitas vezes mal conduzido, com perícias médicas feitas de forma insatisfatória ou até nem mesmo realizadas, que possui uma fase recursal extremamente morosa e invariavelmente repetidora das decisões monocráticas, em nada beneficiando o segurado, o qual, estando incapacitado e necessitando de uma solução imediata, acaba tendo que promover a judicialização de seu pleito.

O que é de suma relevância ressaltar aqui é o iminente risco que os segurados da Previdência Social brasileira estão correndo de um grave cerceio de seu livre acesso à Justiça face à possibilidade de aprovação do substitutivo do PL 3914 de 2020, aprovado em 07/2021 pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e enviado ao Senado, que na última segunda-feira já iniciou as discussões a respeito.

Por mais que ainda estejamos diante de uma possibilidade, posto que o PL ainda não foi apreciado pelo Senado, é completamente inaceitável e inconstitucional que se tenha como mera hipótese o repasse ao cidadão da responsabilidade que é do Estado de custear as perícias judiciais. Também desumano e inconcebível é condicionar o acesso tangencial e até mesmo nuclear ao Poder Judiciário pela possibilidade ou não da perícia por critério meramente econômico (renda) exatamente quando o trabalhador está sem condições de exercer atividades remuneradas em função da incapacidade, o que é incompatível com todos os demais critérios necessários para a análise da concessão da gratuidade judiciária.

Desta feita, fiquemos atentos e façamos as cobranças pertinentes a quem de direito. Que essa conta seja cobrada corretamente do seu real devedor de forma que possamos começar a responder com orgulho e serenidade que ESSE É O PAÍS QUE QUEREMOS PARA NÓS.

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Marize Alvarez

Marize Alvarez

Advogada e professora especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário e Direito Civil e Processo Civil.

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