Politização de vacina, pólvora e perplexidade

Por Marcos Araújo

12/11/2020 às 07h10 - Atualizada 12/11/2020 às 21h54

O Brasil acordou perplexo, ontem, quarta-feira (11), com as declarações realizadas pelo presidente da República. Muita gente ficou atônita, mas também desanimada com as palavras daquele que nos governa, porque elas evidenciam os rumos incertos que o nosso país vem trilhando e também mancham nossa imagem diante do mundo.

Ao responder um seguidor numa rede social sobre se a vacina Coronavac, sendo testada e aprovada, poderia ser usada em todo Brasil com sua aprovação, o presidente comemorou a interrupção dos testes realizados pela Anvisa, porque a vacina teria provocado a morte de um voluntário nas pesquisas. Ao final da mensagem, ele disse algo assim: “Mais uma que ganhei”.

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Nós ficamos mesmo perplexos ao constatar a irresponsabilidade da pessoa que ocupa o cargo de chefia de nossa nação. Primeiro, por comemorar a interrupção de testes de uma vacina em um momento em que todo o mundo precisa dela e trabalha para tê-la de forma eficaz e segura, porque terá a função de nos proteger contra um vírus letal.

Segundo, por fazer uma celebração em um caso que envolve a morte de uma pessoa, que, depois, soubemos tratar-se de um suicídio. Tal atitude absurda é uma falta de respeito para com a família desse voluntário, cujo suicídio nada tinha a ver com a questão dos testes.

Outro ponto protagonizado pelo presidente e que causou perplexidade aconteceu em um evento no Palácio do Planalto. Durante sua fala, muito exaltado, ele disse que o Brasil é “um país de maricas” por não enfrentar a Covid-19 do jeito dele. “Tudo agora é pandemia, tem que acabar com esse negócio. Lamento os mortos, lamento. Todos nós vamos morrer um dia, aqui todo mundo vai morrer. Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem que deixar de ser um país de maricas”, disse.

Maricas é um termo pejorativo e homofóbico e é também uma afronta às famílias dos mais de 160 mil brasileiros que perderam suas vidas para o coronavírus. Chamar seu povo de maricas porque adotou o distanciamento social e o uso de máscaras como medidas de enfrentamento à doença não deveria ser parte da liturgia de um presidente em pleno período em que todo o planeta vive a maior pandemia do nosso tempo.

Ainda dentro das perplexidades, fomos obrigados a ouvir que “quando acaba a saliva, tem que ter pólvora”. É o que disse o presidente ao se referir à Amazônia, dando uma resposta a Joe Biden, que, ainda como candidato, disse que buscaria “organizar o hemisfério e o mundo para prover US$ 20 bilhões para a Amazônia”. Ao usar o termo pólvora, que evoca o sentido de bomba, de guerra, o presidente estaria fazendo ameaças? O certo é que tal fala soa, no mínimo, paranoica. E é preciso lembrar que agir como se ainda estivesse em disputa eleitoral, explorando discursos com arroubos patrióticos, não cola, e a história está aí para mostrar que não.

Se isso tudo ainda não bastasse, em outro trecho do discurso, ele declarou que sua vida é uma desgraça, porque presidente só tem que resolver problemas. Ora, por que se elegeu para presidente? Essa também é uma pergunta que deve ser feita. Não dá para reclamar em público que a vida de presidente é uma desgraça. O Brasil é cheio de problemas, e a função do presidente é tentar resolvê-los. Quando um presidente é eleito, sua vitória significa servir ao seu país. É assim que funciona, e não há como fugir disso. Do contrário, que não se candidatasse!

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Comecei este texto falando do nosso desânimo, mas quero terminar de forma positiva, dizendo que, apesar de tudo, é preciso ter a esperança de que esse estado de coisas vai passar, mesmo que, às vezes, a impressão que temos é a de que não existe luz no fim desse túnel!

Marcos Araújo

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