A poesia de uma mulher de pulso

Por Marisa Loures

09/07/2019 às 11h34 - Atualizada 09/07/2019 às 11h44

Alice Gervason escreve aldravias para nove mulheres, que as tatuaram na pele. O poema sintético e a biografia de cada uma delas foram parar no livro “Mulheres de pulso”, lançado no último sábado – Foto divulgação

Alice Gervason é poetisa. Certo dia, recebeu um convite para participar de um concurso de aldravias. Pesquisou o termo. Aceitou o desafio. Hoje é membro da Sociedade Brasileira de Poetas Aldravianistas (SBPA), com sede em Mariana/MG. É apaixonada pela nova poesia que conheceu e deixa transparecer essa paixão por meio do entusiasmo com que fala sobre ela. Escreve sem parar.  Não só aldravias. “Mulheres de pulso” é sua mais recente criação.

Lançada no último sábado (6), a obra traz uma minibiografia de dez mulheres, acompanhada de uma pequena entrevista com cada uma delas. Ela também apresenta um poema que Alice fez para cada participante e uma aldravia, também criada por Alice, a partir do poema. O mais interessante é que as mulheres fizeram questão de tatuar as aldravias no pulso, e as fotos também estão expostas no livro.

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“Meu livro é bem eclético. Ele traz, de forma entusiasmada, carinhosa e verdadeira um pouco da vida de cada mulher que o compõe. É um filho parido na realidade. Com biografias, com poesias que destacam os valores individuais de cada participante e fotos dessas mulheres e das tatuagens que fizeram em seus pulsos com uma aldravia sintetizando as poesias a elas dedicadas. Literalmente, ‘Mulheres de pulso’. Vale a pena conhecê-las. Traz também pensamentos de mulheres que admiro e considero base para a formação de uma sociedade justa e igualitária: Cora Coralina, Madre Teresa de Calcutá, Cecília Meireles, entre outras”, diz a escritora, explicando o que tanto a encantou nas aldravias. “Foi a busca da sensibilidade máxima de expressão, com poucas palavras, já que possuo uma oratória bem dissertativa.”

Alice é de Santos Dumont, mas radicada em Juiz de Fora. Publica aldravias no www.jornalaldrava.com.br, participa de antologias nacionais e internacionais, já escreveu dois livros físicos infantis usando poesia aldravista e é idealizadora de vários projetos com aldravias. Ela começa o  Sala de Leitura de hoje conduzindo-nos ao universo da aldravia e das “Mulheres de pulso”. Os interessados em adquirir o livro deve entrar em contato com a própria autora através do telefone (32) 98429-4037.

Marisa Loures – O que é poesia aldravista?

Alice Gervason – Como consta no Jornal Aldrava Cultural, “trata-se de um poema sintético,capaz de inverter ideias correntes de que a poesia está num beco sem saída. Essa forma nova demonstra uma via de saída para a poesia – a aldravia. O poema é constituído numa linométrica de até  seis palavras-versos. Esse limite de seis palavras se dá de forma aleatória, porém que condense significação com o mínimo de palavras, conforme o espírito poundiano da poesia”. A palavra aldravia foi criada por Andreia Donadon Leal. Fusão da palavra aldrava (batente de porta) com via (caminho). Novo caminho para a poesia.

– Qual é a intenção dos poetas ao criar uma poesia usando o mínimo de palavras?

Pelo que tenho de conhecimento, foi a de sintetizar, mesmo, pensamentos, usando o mínimo de palavras com o máximo de poesia. Uma nova forma de poetizar, onde a expressão minimalista traz novas oportunidades criativas. Alguns pontos: palavras escritas na vertical, sem pontuação – apenas exclamação, interrogação e reticências. Letra minúscula. Maiúscula, se necessário destaque.

Mulheres que têm suas histórias registradas no livro “Mulheres de pulso” – foto divulgação

– Você não faz só aldravias. É mais desafiador?

Para mim, tudo na vida vira poesia, como bem disse meu amigo Thiago Romão. A aldravia é mais desafiadora, porque é preciso usar as palavras de forma a valorizar o conteúdo poético em poucos versos. Pode parecer fácil, mas é realmente um desafio, e eu me atrevo.

– Qual é a proposta do livro, e como esse projeto foi desenvolvido?

A proposta inicial seria realmente divulgar a aldravia de forma eternizada. Tornou-se mais do que isso. Entrevistei por vários meses muitas mulheres falando do projeto. Foi quando resolvi então torná-lo real. Reuni dez mulheres, sendo eu uma delas, pois já havia feito uma tatuagem. As demais se tatuaram espontaneamente, sentindo-se honradas com o convite, registro feito no livro. Ter sua biografia divulgada, ver sua história em poesia, ser tela viva poética, perpetuada nos pulsos, trouxe a todas alegria e valorização de seus propósitos.

Aldravia que Alice criou e tatuou no próprio pulso é homenagem em solidariedade a Bento Rodrigues – Mariana- Foto divulgação

– A primeira “Mulher de pulso” que o livro traz é você. A aldravia tatuada na sua pele diz o seguinte: “esperança/olhos/de/esmeralda/na/turbulência”. Qual é a história que está por trás dela?

Sou eu a precursora desta ação. Fiz essa aldravia em homenagem e em solidariedade à cidade de Bento Rodrigues – Mariana, atingida tão cruelmente pela lama com o rompimento da Barragem do Fundão. Nesse gesto, busquei renovar a esperança de forma singular aos atingidos pela tragédia.

– No ano passado, você lançou o livro “Aldrafabetando: bichos, brinquedos e brincadeiras”, cuja proposta é apresentar o alfabeto às crianças por meio de aldravias. Como tem sido a receptividade do público infantil? As professoras que adotaram o livro deram algum tipo de retorno?

“Aldrafabetando: bichos, brinquedos e brincadeiras” foi meu segundo livro físico infantil. Meu objetivo é, realmente, oferecer mais uma opção para a educação infantil. Os temas escolhidos estão no cotidiano das crianças. Inseridos no contexto de forma geral, o aprendizado é favorecido. Criança feliz, aprende brincando. Meu público infantil? Amo de paixão. Até me reconhecem na rua: “Olha a vovó Lili!” Melhor recompensa. Trabalhei quase 40 anos como professora, e os últimos anos em um dos cargos como supervisora. Me aposentei e ainda não parei.  Esse meu livro foi lançado em várias escolas. Cada professora trabalha com ele de acordo com o método que melhor domina. Em algumas escolas, foi usado como apoio nas salas de recurso. Ele desperta a atenção pelo visual colorido e desenhos diversificados e inclusivos. O alfabeto é apresentado de forma poética e leve. Facilita o aprendizado. O feedback dos professores que trabalharam ou estão trabalhando com ele tem sido positivo.

– Quais são os planos para o “Mulheres de pulso”, e o que almeja como poeta aldravianista?

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Ah, são tantos. O projeto deu tão certo que já estou almejando a segunda edição. É bom demais ver o interesse delas em passar por esta experiência. Ter suas vidas registradas e poemas eternizados em tatuagens passou a ser vontade de muitas. Isso realmente é gratificante. Vem coroar de êxito este meu projeto. Meu sonho como poeta, de forma geral, é deixar eternizados meus versos.

– Como é o seu método de criação de poesia aldravista? De onde você tira inspiração para sua escrita?

A poesia de todas as formas me fascina. Sou eterna aprendiz em busca do novo. A inspiração simplesmente surge e, nesta hora, registra-se: “inspiração/ seleta/ sensação/preciosa/seja/venha!”. Tudo me inspira: sentimentos, família, natureza, valores. Poetizar é deixar fluir o pensamento de forma a contagiar.

“Mulheres de pulso”

Autora: Alice Gervason

72 páginas

 

 

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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