Os versos fortes e lúcidos de Duda Masiero e Laura Conceição vão para as páginas de “Empatheia”
Elas são poetas. Integram o Coletivo Duas, que, nesta próxima sexta(8), lança o livro “Empatheia” (35 páginas). Fazem resistência com a arte. Duda Masiero, 18 anos. Estudante do curso de Letras da UFJF. Laura Conceição, 22 anos. Jornalista formada pela UFJF e publicitária formada pelo Ces/JF. Na poesia, trazem a voz das minorias sociais. “Tudo o que não é central. E, quando a gente fala em minoria social, não é quantitativamente. É um grupo que, de certa forma, é excluído dos privilégios da sociedade. Acho que nosso trabalho acaba sendo independente muito por isso. A gente não se prende a nenhuma amarra criativa, isso faz com que nosso trampo seja independente meio que por obrigação também, é um trabalho feito para ser livre mesmo”, conta Laura, dona de uma escrita consciente e forte. “Será que eles tão achando/ Que a gente tá gastando/ o dinheiro que/é do nosso patrão?/ Mas na verdade eu não/ Tenho nem patrão/ Pois tô desempregada/ E poesia falada não tem remuneração”, esbraveja ela em “O patrão nosso de cada dia”.
“A gente acredita que nós, como mulheres, por estarmos aqui falando, já é uma conquista muito grande. E é isto o que a gente traz nos nossos versos: a luta feminina, a luta da mulher lésbica, a luta da mulher gorda”, dispara Duda, que se juntou à Laura para criar o Duas com o objetivo de materializar tudo o que idealizavam há algum tempo. A meta é “fazer ecoar por diversos cantos a luta colocada nos versos”. Por isso, ministram oficinas para crianças, recitam poesias e participam de ataques poéticos em praças públicas e em bares.
Juntas, logo produziram o primeiro zine, o “Poesia de duas”, que é um folheto poético pequeno. Depois, foram amadurecendo a ideia de lançar uma publicação mais completa. Dessa forma, gestaram o “Empatheia”, um livro confeccionado todo à mão e de maneira independente. Não faltam nos escritos dessas duas artistas o engajamento político e também não faltam palavras de amor. Escrevem antenadas com o momento em que vivem. “Querem propagar ódio na primavera/ E eu só queria o beijo daquela pessoa/ Poder tá junta/ Sem o ódio na primavera/ Vocês prometem não tirar direito/ Mas se enchem do conceito/ De que feto é gente/ E que preservam/a vida/ Mas exclamam que bandido bom é bandido morto/ Fazem do verão/inverno, inferno, e/ Querem intervenção/ Com o nosso sangue”, brada Duda em “Pancadas de ódio”.
O lançamento do primeiro livro do coletivo está marcado para a próxima sexta-feira, às 19h, no El Loco – Bar de Tapas. Vai ter bate-papo com as autoras, sarau de poesia e discotecagem com Bruno Tuler. A entrada é gratuita.
Marisa Loures – “Empatheia” está sendo lançado de maneira independente. Essa foi uma escolha de vocês, ou vocês buscaram esse caminho depois de ter tentado com editoras?
Laura Conceição – A gente não chegou a procurar editoras, porque quis, realmente, trazer a essência de tudo o que a gente foi conquistando. A gente passou mais de um ano vendendo os nossos folhetinhos, então quis fazer desse jeito mesmo. Quis fazer uma edição mais completa e trazer essa essência do folheto do artista independente da poesia. Temos muitos amigos que também vivem disso, vendem a obra deles. Pensamos em fazer um livro dessa forma, justamente, para homenagear toda nossa trajetória através do zine. Tanto que ele tem uma aparência de um zine. É artesanal, a gente fez todos à mão, nós mesmas grampeamos. A gente quis manter essa identidade. Talvez, no futuro, a gente procure alguma editora para fazer algo maior.
“Acho que, até pra falar de amor, a gente está falando do nosso tempo. Não tem como a gente se desvincular do nosso tempo. Nosso tempo é aqui e agora.” Duda Masiero
– Duda, sua poesia e da Laura é muito política e atual. Em “Pancadas de ódio”, por exemplo, você cita algumas questões que vêm sendo muito discutidas hoje em dia, como “bandido bom é bandido morto”, “intervenção” e “tortura”. As duas se veem fazendo uma poesia que seja desvinculada da política e do tempo de vocês?
Duda Masiero – Acho que, até pra falar de amor, a gente está falando do nosso tempo. Não tem como a gente se desvincular do nosso tempo. Nosso tempo é aqui e agora. Então, se eu posso falar de amor ou de qualquer outra coisa, estou falando do meu tempo, porque a gente está imerso no ódio, imerso em um lugar em que ninguém fala, ninguém se escuta. Se eu posso falar, escrever e me expressar, já estou falando do meu tempo.
“Às vezes, a gente não está vivendo mesmo, está todo mundo enfurnado nas tecnologias, nas redes sociais. Todo mundo lutando por uma aceitação social que acaba sendo uma coisa muito vazia. As pessoas vão perdendo um pouco a identidade de quem são para agradar o outro.” Laura Conceição
– Em uma de suas poesias, Laura, você diz que nasceu na época errada. Isso traduz seu inconformismo com este tempo?
Laura – Acho que é um pouco isso sim. Não que ter nascido antes ou depois fosse mudar alguma coisa. Mas, quando falo “na época errada”, gosto de dizer sobre muitas coisas equivocadas da minha geração. Está tudo muito inflamado às vezes. Às vezes, a gente não está vivendo mesmo, está todo mundo enfurnado nas tecnologias, nas redes sociais. Todo mundo lutando por uma aceitação social que acaba sendo uma coisa muito vazia. As pessoas vão perdendo um pouco a identidade de quem são para agradar o outro. Então, quando falo que nasci na época errada, é um pouco nesse sentido de que não me identifico muito com essas questões da sociedade atual. Mas acredito que não fosse mudar nascer em outra época. É uma crítica relacionada ao inconformismo das questões contemporâneas.
– Laura, em “O patrão nosso de cada dia” há um desabafo: “meu fim será massacrante/ caso contrário, é só coincidência mera/ eu já sei o que me espera/ pois eu conheço a minha terra/ pouca gente me tolera, pois são intolerante.” Você diz que hoje só se ensina Ferreira Gullar e que sua poesia não é marginal, é periférica. Também diz que é preciso resistir e não parar de recitar. Primeiro, gostaria que explicasse essa diferença entre poesia marginal e poesia periférica. Depois, que falasse sobre essa intolerância. As pessoas, de modo geral, têm muito preconceito com a arte de vocês?
Laura – Em geral, acabo falando poesia marginal porque as pessoas identificam mais. Mas o Sergio Vaz mesmo, que é um poeta lá de São Paulo, diz que a nossa poesia, quando a gente fala marginal, acaba muito sendo confundida com marginalidade no sentido pejorativo da palavra. Então, na verdade, é uma arte periférica e não só no sentido de periferias, de comunidades onde se morar, mas também relacionada a assuntos tratados como periféricos, são assuntos das minorias, assuntos que não são discutidos nos centros. Por isso, prefiro falar que é uma arte periférica no sentido de que não está centralizada. É uma arte de resistência periférica mesmo.
– E voltar com o terceiro lugar do Slam BR- Campeonato Brasileiro de Poesia Falada, um campeonato nacional realizado em São Paulo em 2017, abriu portas para Laura Conceição?
Laura – Vou linkar com a pergunta sobre o “pouca gente me tolera, pois são intolerante”. Fui representando Minas Gerais e foi um caminho muito difícil por vários motivos. E aí, quando eu voltei, foi um divisor total tanto pra mim, pra eu acreditar que posso trabalhar com aquilo, porque até então eu tinha muito medo. Viver da arte é muito complicado, é muito instável. E aquilo ali acabou provando pra mim mesma que eu poderia viver daquilo. Também pra minha família e para a cena de Juiz de Fora. Vejo muitos poetas aqui muito desacreditados. Acho que ter representado a cidade num campeonato nacional trouxe uma esperança muito grande pra galera que trabalha com isso aqui. A gente tem conseguido um espaço muito maior, mas ainda é muito difícil, até porque a gente toca em feridas, em assuntos que incomodam muito as pessoas. Então, com essa questão do “pouca gente me tolera, porque são tudo intolerante”, eu quis brincar com o jogo de palavras do “intolerante”, tanto no sentido de tolerar, quanto de não ter paciência no mundo em que a gente está vivendo. Então, eu acredito que o nacional foi importante para uma valorização um pouco melhor da cena da cidade. Até nas escolas aonde vou falar com os meninos – “puxa, eu consegui realizar meu sonho, então vocês também vão conseguir”. Acho que isto é uma questão que Juiz de Fora precisa muito: exemplos de pessoas que conseguiram levar o nome da cidade de alguma forma. Eu, às vezes, viajo pelo Brasil para recitar poesia e sempre falo que Juiz de Fora nunca fica atrás de nenhum lugar. A gente tem poetas muito bons aqui.
– Por falar em viver da arte, você é publicitária e jornalista, e a Duda faz Letras. As duas atuam nessas áreas?
Laura – Atuo de freelancer, porque meu foco principal é na minha carreira artística mesmo, mas, para complementar a renda, trabalho como designer gráfico. Mas também gosto muito de redação e acabo fazendo alguns trabalhos de redação mais relacionados ao jornalismo. Acredito que essas duas faculdades somaram para mim no sentido da comunicação em relação à minha arte. No início, eu ficava assim: “gente, eu formei nas duas faculdades e agora quero trabalhar com poesia. Como assim?” Mas depois fui aprendendo que, na verdade, está tudo conectado.
Duda – Acho que a faculdade de Letras pode me ajudar mais na versificação, métrica, rima, mas acredito que a poesia vai além disso. Não é porque faço Letras que vou me prender a isso, porque a poesia não é só a escrita, é o que eu tenho além dessa escrita.
– Também em “O patrão nosso de cada dia”, você diz, Laura, “um salve pra cooperiferia e pro poeta Sergio Vaz”. Então suponho que ele seja uma das referências de vocês. Quais outros poetas representantes da poesia da periferia que merecem ser conhecidos, lidos e ouvidos pelo grande público?
Laura – Ele é uma das grandes referências. O Sergio Vaz criou um sarau lá em São Paulo que se chama Cooperifa, de onde saiu Criolo, o próprio Emicida, que são grandes influências para a gente. Estamos planejando ir ao Cooperifa, e a gente consegue fazer muitas viagens para trabalhar com o dinheiro que arrecadou com os zines que a gente já fez e os livros. O coletivo se autossustenta nesse sentido. Então, o Sergio Vaz inspira muito a gente. Vou falar da galera do Slam, porque venho dos slams, das batalhas de poesia, e esse movimento vem crescendo cada vez mais. Tem uma amiga minha que é a Martina, da favela do alemão, que faz um trabalho essencial lá, que é o trabalho nas escolas. Ela tem o Slam Laje. É uma poeta que eu sempre indico, porque é um trabalho que dá um gás essencial e, realmente, está à margem, porque trata de assuntos que não giram no centro.
Duda – E tem até os poetas de Juiz de fora, porque Juiz de Fora produz muita poesia e, muitas vezes, os poetas não são reconhecidos. Aqui, a gente tem o Slam de Perifa, o Slam da Ágora, e, dentro desses slams, tem muitos poetas incríveis que nos inspiram também e que estão com a gente nessa luta.
– Duda, em “The future is female”, você fala de um “feminismo pra enriquecer o capitalismo” e fecha o poema clamando para que a sua leitora faça um “feminismo sem valor comercial, mas em potencial mundial”. Esse tipo de feminismo acaba criando um problema para quem quer ser resistência de verdade?
Duda – Sim. Acredito que o feminismo precisa ser mais de ação do que de fala e mais de abraço do que de capital. Então, quando falo de “feminismo pra enriquecer o capitalismo”, é isto: a gente querer comprar um blusa em que está escrito “The future is female”, ou a gente querer consumir alguma coisa que fale do feminismo, e aí, na ação, na hora de estar com uma mana, na hora de apoiar uma mulher, não estar ali presente . A prática não existir e viver de teoria.
Sala de Leitura – quinta-feira, às 9h40, na Rádio CBN Juiz de Fora (AM 1010). Blog no site da Tribuna de Minas.
Lançamento de “Empatheia”
El loco- Bar de Tapas
(Rua José do Patrocínio, 398. Altos dos Passos)
Entrada gratuita