Dalila Roufi: “Acredito na leitura que nos distancie de prisões e estereótipos”
Luiza é uma encantadora menininha. Neta da escritora de livros infantis Dalila Roufi. A avó não resistiu à tanta “belezura”, e foi logo levando a netinha para o universo do faz de conta. Criou uma personagem tão esperta e cativante quanto a garotinha da vida real, e, inspirada nela, fez poesia. “Tudo em Luiza ganhou metro” (29 páginas), livro lançado na última quarta-feira, é poema que conta as descobertas e conquistas da protagonista de cabelos cacheados e olhos de jabuticaba.
“Luiza chega ao mundo e o investiga, logo, a recíproca acontece com ela. Com esse chamado intrínseco, coloco o leitor como sujeito do texto e da própria história. Toda essa problemática ergueu a metáfora do título, já que se põe a analogia de que tudo em Luiza cresceu. Mas, o que cresceu em metros em Luiza? Essa é a curiosidade que também vem crescendo nas pessoas, desde que o título foi anunciado”, conta a autora.
Dalila já é conhecida pelo trabalho que desenvolve como escritora de livros infantis. São mais de dez títulos publicados. Dessa vez, contudo, ela também assina as ilustrações. O primeiro livro nasceu em 2006 – “Histórias de D’Roufi”. De lá para cá, essa mineira de Leopoldina radicada em Juiz de Fora segue escrevendo e contando histórias. Com seus livros, já percorreu não só várias cidades aqui de Minas Gerais, mas também localidades no Rio de Janeiro e Paraná.
Em suas andanças para palestras, uma bandeira procura levantar: a literatura infantil não tem nada de inferior em relação à literatura voltada para os adultos. Alguns mais crescidos, inclusive, costumam deliciar-se com as obras escritas para os pequenos, e esse é um dos assuntos abordados nesse bate-papo para o Sala de Leitura.
“Sinceramente, espero que os leitores não tenham que ler, mas que desejem ler, reler e indicar ‘Tudo em Luiza ganhou metro’. Não acredito na leitura imposta; acredito na leitura que estimule o melhor de nós; acredito na leitura que construa pontes para o diálogo; acredito na leitura que nos distancie de prisões e estereótipos. Como mediadora da leitura, tenho como proposta ‘aproximar a criança do livro e do prazer de ler’. Sempre que tenho a oportunidade, reforço o pensar: ‘o livro é um dos melhores brinquedos que podemos dar à criança’”
Marisa Loures – A história gira em torno de uma garotinha. E, na literatura infantil, é comum encontramos resistência e segmentação entre histórias voltadas para menina e para menino. Qual a importância de obras como a sua, de protagonismo feminino, serem também lidas e vivenciadas por meninos?
Dalila Roufi – Sim, a história é sobre uma menina. Não vejo problema algum de a personagem ser do sexo feminino, já que a literatura não o tem, isto é, a literatura não é qualificada pelo sexo do personagem, mas pela escrita estética que a obra propõe. Se o texto é bom, meninos e meninas de todas as idades vão ler e apreciar o poema. Não devemos subestimar as crianças, elas são inteligentes e serão capazes de ler “Tudo em Luiza ganhou metro” sem essa grade. O leitor crítico sabe do que estou falando — seja ele pai ou professor —, pois a literatura não é para ser explicada, a literatura é para ser sentida.
– Como foi o contexto de gestação dessa história?
– “Tudo em Luiza ganhou metro” foi uma gestação literária desejada e feliz, expressão que já fiz uso em outras ocasiões. O poema surgiu com o intento de o leitor prestar mais atenção na simplicidade das coisas, pois é neste cuidado de olhar o outro é que somos capazes de somar contentamentos. A vida contemporânea está muito corrida, cheia de compromissos intermináveis, logo, estamos perdendo a capacidade de ofertar aquilo que temos de melhor: amor, gentileza, atenção, diálogo e tantas outras belezas que dão sentido à vida. Luiza representa essa simplicidade de olhar, cuidar, amar e acolher. Luiza nos chama a esta necessidade de evolução.
– Qual o papel das ilustrações no seu livro? Tem receio de que elas possam duelar com o texto?
– Assim como o texto, a ilustração é um ato de linguagem, porém, esse dialeto se apresenta com linhas, formas, curvas, cores e texturas, ao invés de palavras. Não sou ilustradora profissional, nunca ilustrei um livro antes, mas acredito que utilizei a simplicidade a meu favor, ou seja, projetei a arte imagética da forma que imaginei contá-la ao leitor. O jeito foi usar a criatividade para compensar a minha inexperiência na área. A ilustração não é a reprodução do texto, é um elemento a mais à história. Em todo texto, há palavras para serem adormecidas ou acordadas. Isto vale também para a linguagem imagética. O meu compromisso na obra “Tudo em Luiza ganhou metro” é levar o leitor a sonhar com a beleza que a simplicidade traz à vida das pessoas e penso ter conseguido esse feito com o texto e as ilustrações. Logo, não tenho receio de que aconteça um duelo entre texto e imagem, mesmo porque, quando você produz algo, está sujeito a críticas. Prefiro as críticas a não realizar um sonho por medo de recebê-las.
“A literatura dá à criança a oportunidade de andar livremente para construir e reconstruir emoções, sentimentos e sensações, o que faz da escrita literária uma janela fundamental à vida da criança. O texto literário oportuniza que o leitor se compreenda melhor, essa razão, por si só, já é suficiente para que a literatura infantil seja respeitada e aplaudida com o mérito que lhe cabe.”
– Mesmo que os livros infantis sejam voltados para crianças, muitos adultos costumam emocionar-se com eles. E percebo que você segue, por suas andanças, defendendo que a literatura infantil também deve ser apreciada pelos mais crescidos. Você sente que o preconceito com relação a esse gênero ainda existe? Por que ele deve ser deixado de lado?
– Esse olhar preconceituoso perdura. A produção literária à criança muitas das vezes é interpretada como inferior em relação a outras literaturas, isso acontece, inclusive, no meio acadêmico, o que é lamentável. Por outro lado, e, felizmente, temos adultos que são propagadores da literatura infantil, pois eles têm a consciência da essência e magnitude que ela representa. Segundo o saudoso escritor, porém imortal, Bartolomeu Campos de Queirós, “a literatura trabalha com as dúvidas, as incertezas, as inseguranças, as faltas: que são coisas que nos unem.” Logo, penso que a literatura dá à criança a oportunidade de andar livremente para construir e reconstruir emoções, sentimentos e sensações, o que faz da escrita literária uma janela fundamental à vida da criança. O texto literário oportuniza que o leitor se compreenda melhor, essa razão, por si só, já é suficiente para que a literatura infantil seja respeitada e aplaudida com o mérito que lhe cabe.
– O poeta Eucanaã Ferraz é da opinião de que “a poesia para crianças não tem que ensinar nada”. Qual sua opinião sobre esse assunto?
– É o que penso. A literatura não é para ser didática, moralizada, explicada. A literatura é para ser sentida, encontrada. A escrita estética nada impõe, ao contrário, ela se cria desamarrada para que a criança a compreenda com o mesmo livramento. Ler é um ato individual, ou seja, cada leitor entende a literatura conforme a sua bagagem literária, a sua vivência de mundo. Essa é uma conduta de respeito ao leitor.
– Você pensa na responsabilidade que tem ao criar para pessoas ainda em formação? Essa questão pesa na hora de escrever?
– Sim, a cada obra de autoria, tenho a preocupação em não infantilizar a literatura que escrevo, pois a criança é um ser altamente inteligente e merece o respeito do autor. Eu quero um leitor ativo, inquietante, pesquisador, investigador com aquilo que escrevo. Embora ainda no início da vida, a criança já apresenta memória afetiva de seus afetos e desafetos, portanto, ajudar a criança a compreender esse universo de significações, emoções e sensações é algo fantástico e muito prazeroso para mim. Eu leio e escrevo por prazer. Eu preciso da leitura para entender o mundo e da palavra escrita para me comunicar com esse mundo. A literatura infantil é a escrita a qual me dedico, pois vejo a infância, não como o único período, mas como o melhor para a formação do leitor e da hombridade.
“Quando escrevo, quero tocar o âmago do leitor, chamá-lo à reflexão, à construção de si mesmo, quero ajudá-lo a encontrar suas próprias respostas, caminhos e felicidade.”
– O que você espera alcançar com sua escrita?
– Quando escrevo, quero tocar o âmago do leitor, chamá-lo à reflexão, à construção de si mesmo, quero ajudá-lo a encontrar suas próprias respostas, caminhos e felicidade. Em minhas obras, assim como acontece no poema “Tudo em Luiza ganhou metro”, eu trabalho com temas atemporais e universais. Eu tenho fascínio por eles, mas, como autora, eu não assumo posições, eu não crio regras, conceitos ou julgamentos. Como difusora da literatura, aprendi o quão importante é respeitar a individualidade de um leitor. Logo, a mim cabe apenas escrever para ajudar o leitor a construir a realidade que sonhou.
“Tudo em Luiza ganhou metro”
Autora: Dalila Roufi
29 páginas