Roteirista de TV, o mineiro Bruno Lima Penido estreia na literatura com “Mordidas por dentro”
Mineiro de Belo Horizonte, Bruno Lima Penido tem feito na televisão o que mais tem prazer em fazer: escrever. Atuou, ao lado de Walcyr Carrasco e Maria Elisa Berredo, na escrita de “Verdades secretas” (TV Globo, 2015). Colaborou com Cao Hamburger em “Malhação – Viva a diferença” (TV Globo, 2017 – 2018). Também fez uma dobradinha com Daniel Adjafre no seriado “A cara do pai” (TV Globo 2016 – 2017). Todos são trabalhos coletivos. Neles, ajudou a criar emoções que seriam vividas por personagens da ficção.
Aí o roteirista resolveu entregar-se a outros desafios. Experimentou um trabalho mais pessoal. Escreveu um livro. Não há personagens como nas novelas. Ali, só há o poeta. E falou sobre emoções e sentimentos “que todos conhecemos de perto e que fazem parte da riqueza e da beleza da vida”, filosofa ele, agora autor de “Mordidas por dentro: Poemas em prosa para corações dilacerados” (Instante, 104 páginas).
Na publicação, o roteirista e colaborador de TV, que também passou pelas redações do Vídeo Show e do canal de notícias Globo News, apresenta-nos 73 textos que funcionam como fragmentos de histórias. Cada um dos poemas é marcado com a emoção (ou as emoções) que ele toca profundamente. E a ideia (para lá de interessante) é permitir que nós, leitores, construamos nosso próprio caminho narrativo. São três possibilidades à nossa disposição.
Caso prefiramos o percurso tradicional, podemos percorrer o livro do início ao fim, acompanhando os altos e baixos de uma relação amorosa. Outra opção é abri-lo de maneira aleatória, desfrutando do sentimento que ali estiver. Por fim, podemos também fazer uma consulta ao índice e escolher a emoção que queremos experimentar. “Eu acho que olhar para dentro nunca foi tão necessário”, sentencia o escritor.
“Acho que olhar para dentro nunca foi tão necessário.”
Marisa Loures – “Cada sentimento é uma mordida que nos devora por dentro”, você defende ao explicar a ideia que usou para nortear sua obra. Por que um livro que fala sobre os nossos sentimentos?
Bruno Penido – Muitas vezes procuramos respostas no mundo exterior, quando, na verdade, a explicação está aqui dentro, em como nos sentimos em relação ao mundo. Se não deciframos os nossos sentimentos, terminamos devorados por eles. Se não reagimos, terminamos ocos, carcomidos pelas dores que criamos em nós mesmos. Ou então anestesiados, fugitivos de quem somos de fato, encenando personagens na tentativa de agradar o nosso entorno social. Costumo dizer que tudo faz sentido quando se sente, pois cada um enxerga e sente o mundo do seu jeito. A verdade, num sentido mais jornalístico da palavra, digamos assim, não passa então de um emaranhado desses tantos sentimentos, é a soma dessas tantas parcialidades sentidas. Investigar isso artisticamente me interessa muito. Por isso eu quis falar de emoções com profundidade e poesia, mas sem usar palavras difíceis, para alcançar de fato todos os tipos de pessoas. Eu acho que olhar para dentro nunca foi tão necessário.
– O livro se inicia com poemas sobre o momento da paixão, depois segue para as dúvidas e, por fim, toca nas questões da desilusão, do término. Como foi para você passar por todas essas fases. Isso aconteceu de forma cronológica, ou as ideias foram surgindo em momentos diferentes e depois foram colocadas nessa ordem? Em qual delas sua criatividade mais alçou voos?
– Acabei fazendo uma salada de experiências pessoais e de criação pura em todas as etapas do livro. Os textos foram nascendo de forma independente, e só depois veio a ideia de organizá-los emulando a trajetória de uma relação amorosa, do encantamento inicial ao rompimento definitivo. O livro vai ainda um pouquinho além e termina com textos que falam sobre a esperança de que a vida sempre se renova. Não à toa a primeira ilustração é uma borboleta e a última, uma lagarta. Justamente para mostrar que sempre é possível se reinventar e voltar a voar, como a lagarta que vai se transformar em borboleta.
“Os poemas do livro falam de sentimentos que todos conhecemos de perto e que fazem parte da riqueza e da beleza da vida. E eu, felizmente, também já passei por todos eles mais de uma vez, algumas delas de forma bem intensa. Eu digo felizmente porque acho que até mesmo os sentimentos que costumamos considerar ruins, como a tristeza ou a desilusão, precisam ser provados e degustados. Fazem parte da experiência humana e, portanto, merecem ser vividos e compreendidos. Com eles também aprendemos muito sobre nós mesmos.”
– “Mordidas por dentro” traz “poemas em prosa para corações dilacerados”, escritos em primeira pessoa. Essa escolha deve-se ao fato de os poemas trazerem um pouco da sua experiência pessoal?
– A opção de escrever em primeira pessoa veio não só porque eu queria falar de experiências minhas, mas, sobretudo, porque eu queria que o leitor pudesse se reconhecer nos textos, assumindo sua própria voz. Os poemas do livro falam de sentimentos que todos conhecemos de perto e que fazem parte da riqueza e da beleza da vida. E eu, felizmente, também já passei por todos eles mais de uma vez, algumas delas de forma bem intensa. Eu digo felizmente porque acho que até mesmo os sentimentos que costumamos considerar ruins, como a tristeza ou a desilusão, precisam ser provados e degustados. Fazem parte da experiência humana e, portanto, merecem ser vividos e compreendidos. Com eles também aprendemos muito sobre nós mesmos.
– A escritora Claudia Tajes diz no prefácio que “muito da sua sabedoria pop” vem de seu trabalho como autor de novelas. De que maneira sua atuação na teledramaturgia contribuiu para a escrita do livro?
– Acho que escrever novelas é pensar o tempo todo em como os personagens sentem o que estão vivendo e em como o público vai sentir a história que está acompanhando. Digamos que é como fazer um intensivão de emoções. Também acredito que é possível aprender com os erros das personagens da ficção. Eu vejo novelas desde criança, e elas sempre fizeram parte do meu imaginário. Ler, consumir literatura, é outra forma maravilhosa de se divertir e, ao mesmo tempo, estudar para a vida. Se você pensar em termos de dramaturgia, os poemas do livro estão organizados como uma “novelinha”: casal se conhece, se apaixona, surgem dificuldades, daí o casal se separa. No último capítulo das novelas, tudo se resolve, o casal reata, e o amor vence. Na vida real, esse final feliz de novela nem sempre é possível, mas o mais feliz de tudo, acho eu, é poder pensar que a esperança sempre se renova, mesmo quando o amor romântico não sobrevive. E esse foi o final que eu quis dar para o livro. Acho importante ter em mente que o fim de um relacionamento nunca é o fim do mundo. Quem deve vencer no final é sempre o amor próprio.
– É a sua estreia na literatura. O que é mais instigante e, ao mesmo tempo, desafiador: escrever um livro ou uma novela do início ao fim?
– São emoções distintas, mas o ato de escrever, que é a minha grande paixão, está presente nos dois veículos, então sinto que estou em casa. Quero seguir me experimentando em ambos, assim como também planejo escrever para cinema e teatro. A novela, por natureza, é uma obra coletiva, esse é um desafio enorme. Já o livro acaba sendo mais pessoal e por isso me sinto mais exposto, é outro tipo de desafio. Sobretudo por ter escolhido produzir poesia. Ao contrário da novela, aqui não há personagens para encarnar as emoções. Embora exista um eu-lírico, é muito mais fácil o leitor imaginar que tudo foi vivido ou está sendo dito pelo próprio autor. É como se eu estivesse nu.
“Fica muito claro que as diferenças, sejam elas de cultura, de cor, de sexualidade, de religião, de ideologia ou de ponto de vista social, perdem o sentido quando olhamos diretamente para as emoções mais profundamente humanas. Acredito que a resposta para boa parte dos nossos problemas está em escutar as palavras do outro, em saber como o outro se sente.”
– O jornalista Zeca Camargo diz que seus poemas estão aqui para mostrar que não há força maior do que o uso da palavra, num contexto em que as imagens sonham com a pretensão de dominar nossa expressão. Assim sendo, qual o lugar da palavra na sociedade de hoje?
– Acho que a palavra é fundamental e está nela a nossa grande oportunidade de empatia e entendimento. Quando ouvimos ou lemos relatos de dor, de alegria, de luto, de saudade, de arrependimento, enfim, quando falamos de emoções, nosso discurso se torna universal. Todos experimentamos os mesmos sentimentos, ainda que possamos chegar a eles por causas e caminhos distintos. Fica muito claro que as diferenças, sejam elas de cultura, de cor, de sexualidade, de religião, de ideologia ou de ponto de vista social, perdem o sentido quando olhamos diretamente para as emoções mais profundamente humanas. Acredito que a resposta para boa parte dos nossos problemas está em escutar as palavras do outro, em saber como o outro se sente.
– Você trabalhou com Cao Humburger na escrita de “Malhação – Viva a diferença”, uma temporada aclamada pelos fãs da série. A crítica especializada disse que o roteiro era bem elaborado e não subestimava a inteligência do público. Durante o programa, foram trazidos à tona temas como tolerância, diversidade e representatividade. Defesa da escola pública, assédio, homofobia e racismo estavam presentes na trama. Como autor, você considera que a televisão, assim como as artes como um todo, precisa ter um papel social, colocando em pauta os assuntos da atualidade, principalmente, para um público jovem?
– Acho que não podemos perder de vista que o objetivo primordial da televisão é entreter, mas se é possível fazer isso de forma questionadora, provocando reflexões e contribuindo para iluminar questões sociais importantes, por que não? Na minha opinião, esse é o maior desafio, é aí que mora a grande arte. O que a novela não pode se tornar é um panfleto, um espaço para, simplesmente, fazer discurso, pois assim ela fica chata e o público sai correndo. O jovem de hoje é levado o tempo todo a se posicionar sobre tudo nas redes sociais, então é fato que ele se interessa muito pelos assuntos da atualidade. Mas acho que o grande mérito de “Malhação -Viva a diferença”, essa temporada que foi brilhantemente comandada pelo Cao Hamburger, com direção do Paulo Silvestrini, foi trazer esses temas relevantes de uma forma realmente orgânica. Eram parte da história, eram os desafios reais daquelas personagens pelas quais o público se apaixonou. Eu também senti isso com “Verdades secretas”. Era outro público, outro horário, mas com temas relevantes que também geraram boas discussões. Quando é assim, dá gosto de fazer.
“Mordidas por dentro”
Autor: Bruno Lima Penido
Editora (Instante, 104 páginas)